Administração tributária para um IVA nacional

Publicado em: 28 ago 2020

Campo Grande (MS) -A tão desejada reforma tributária parece ganhar cores ao se analisar a profundidade dos debates e a qualificação dos atores envolvidos. A tributação do consumo, embora não seja a única questão problemática da nossa matriz tributária, é a que apresenta propostas com maior amadurecimento conceitual. Estão colocadas, no parlamento, a PEC 45 (Imposto sobre Bens e Serviços) e a PEC 110 (IVA Dual).

As discussões avançam também no plano técnico e político entre os entes federados. Há quase consenso sobre a necessidade da reforma e discutem-se, com interesse, a representatividade de cada ente da federação – seja no que se refere à destinação da arrecadação ou ao poder de gestão do tributo – assim como se discutem as medidas compensatórias, como a criação e administração de um fundo de desenvolvimento regional, período de transição, etc.

Parece-nos, entretanto, que um ponto importantíssimo para o sucesso (ou insucesso) desse novo modelo não tem sido discutido com a devida atenção: a nova estrutura organizacional da administração tributária. Pretendemos contribuir com a sugestão de um modelo.

Antes de discutir uma estrutura organizacional é necessário apontar algumas premissas derivadas do próprio modelo de tributação, de experiências administrativas passadas, da estrutura da federação e do cenário político, que influenciam nessa construção:

Tanto o IBS quanto no IVA Dual propõem o fim da autonomia do estabelecimento e, portanto, o contribuinte passa a ser a empresa como um todo e não mais cada uma de suas filiais. Assim, o principal contribuinte de uma unidade federada pode não ter nenhum estabelecimento em seu território;

Com a implantação do parâmetro de destino, pessoas sediadas ou domiciliadas em um ente serão contribuintes, na maioria das vezes, de outros;

A segmentação por tipo de contribuinte, separando os maiores contribuintes para atuação especializada e centralizada, parece apresentar melhores resultados (vide delegacia de grandes contribuintes da Receita Federal do Brasil);

O combate à fraude estruturada é facilitado com coordenação centralizada;

Não pode haver subordinação hierárquica entre entes federados;

Particularidades locais e regionais necessitam ser devidamente tratadas;

Organizações administrativas descentralizadas, com autonomia financeira e orçamentária respondem mais rapidamente aos desafios administrativos, oferecendo ganhos em inovação e gestão técnica, limitando interferências políticas impertinentes;

Um modelo de execução operacional com departamentalização matricial oferece os ganhos de flexibilização e adaptabilidade necessários para enfrentar o desafio de uma administração tributária nacional.

Necessário ainda responder a duas questões fundamentais e relacionadas para a estruturação de uma nova administração tributária composta por diversos entes federados:

Pra quem será destinado o produto da arrecadação do imposto (ou penalidade) em virtude de lançamento de ofício?

Qual será o interesse de um ente em constituir uma estrutura de fiscalização e executar o trabalho sobre um determinado contribuinte se o produto da arrecadação oriundo do lançamento pode ser destinado totalmente a outros entes (parâmetro de destino)?

Feitos tais questionamentos, e considerando parâmetros apresentados nas PECs, teríamos:

Todos os Fiscos seriam estruturados por meio de ATs – Agências Tributárias (entes personalizados dotados de autonomia financeira e orçamentária, regidos por leis orgânicas aprovadas em cada ente) e seria criada uma ATN – Agência Tributária Nacional, para cuidar exclusivamente do novo tributo sobre o consumo;

Essas Agências Tributárias dos diversos entes, conforme representatividade politicamente decidida, indicariam os representantes (Fiscais) para exercerem mandato na ATN;

A Arrecadação seria centralizada na ATN, que distribuiria o produto desta arrecadação às agências locais ou regionais, ou diretamente ao ente, onde não existir estrutura Fiscal (a maioria dos municípios não dispõe de estrutura de fiscalização tributária);

As Agências locais e Regionais exerceriam a primeira instância do contencioso administrativo e, dependendo do valor (valor de alçada) a segunda instância;

A ATN exerceria a segunda instância do contencioso administrativo, dependendo do valor de alçada;

Cada AT teria autonomia financeira e orçamentária e organização administrativa própria, mas, nas ações fiscais cuja coordenação fosse de responsabilidade da ATN, haveria subordinação técnica das ATs locais e regionais à ATN (modelo matricial).

Competências da Agência Tributária Nacional – ATN:

Editar o regulamento do tributo, uniforme, em todo o território nacional;

Gerir a arrecadação centralizada do tributo e a operacionalização da distribuição da receita por ente federado, sem qualquer retenção ou condicionamento;

Planejar e coordenar as ações de fiscalização em contribuintes que pratiquem fatos geradores em mais de um estado da federação;

Disciplinar o processo administrativo.

Competências da AT Federal (relativas ao tributo sobre o consumo):

Executar ações de fiscalização sob a coordenação da ATN;

Compartilhar com a ATN todas as informações econômico-fiscais em seu poder, permitindo atividades de planejamento.

Competência das ATs Estaduais:

Executar ações de fiscalização sob a coordenação da ATN (prioritariamente as do território do ente tributante à qual se subordina);

Planejar, coordenar e executar as ações de fiscalização em contribuintes que pratiquem fatos geradores em mais de um município do próprio estado da AT;

Planejar, coordenar e executar as ações de fiscalização em contribuintes que pratiquem fatos geradores exclusivamente dentro do território de um município que não possua estrutura fiscal.

Competência das ATs Municipais:

Executar ações de fiscalização sob a coordenação da ATN (prioritariamente as do território do ente tributante à qual se subordina);

Planejar, coordenar e executar as ações de fiscalização em contribuintes que pratiquem fatos geradores exclusivamente dentro do território de seu município.

Caberia, obviamente, a adequação do modelo ao tipo de tributação escolhido (IBS ou IVA dual), mas a estrutura proposta seria suficiente para organizar nacionalmente a administração tributária na forma requerida pelas características do imposto. Asseguraria uma coordenação facilitada quanto aos contribuintes maiores e à manutenção da autonomia dos Fiscos locais e regionais no planejamento de ações referentes a contribuintes que sejam de seu interesse exclusivo. Seria garantido, também, o aproveitamento das estruturas já existentes e a expertise adquirida pelas diversas administrações tributárias a quem caberia a execução direta de todas as ações de fiscalização. As ATs locais e regionais teriam, ainda, como benefício desta estrutura, a possibilidade de racionalizar a mão de obra, podendo adequar sua força de trabalho às demandas recebidas da ATN e ao seu próprio planejamento (tanto quanto ao imposto sobre o consumo quanto aos demais impostos).

Debates sobre a melhor reforma devem ir além da concepção do novo tributo sobre consumo. Há que se debater, não menos importante, a administração do novo tributo, doravante nacional. Sobretudo, para que se assegure governança da tributação eficiente, princípio constitucional que é.

Jefferson Valentin – Auditor Fiscal do Estado de São Paulo, graduado em Letras pela UNESP e em Ciências Contábeis pela Universidade Católica Dom Bosco, MBA em Gestão Pública pela Universidade Anhanguera UNIDERP. Instrutor da Escola de Governo do Estado de São Paulo e Coautor do livro “Manual do ITCMD-SP”, pela editora Letras Jurídicas.

Rodrigo Spada – Auditor Fiscal do Estado de São Paulo, presidente da Febrafite (Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais) e da Afresp (Associação dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo).  É formado em engenharia de produção pela UFSCAR, em Direito pela UNESP e possui MBA em Gestão Empresarial pela FIA.

 

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