Benefícios fiscais de ICMS e subvenções para investimento

Publicado em: 22 jan 2021

Campo Grande (MS) – A Receita Federal do Brasil (RFB) segue criando dificuldades para que os contribuintes deixem de tributar as receitas decorrentes de benefícios fiscais de ICMS por IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.

No dia 22 de dezembro de 2020, a Coordenadoria do Sistema Tributário – COSIT publicou a Solução de Consulta COSIT 145/2020, que estabelece um novo requisito para afastar a tributação dos benefícios fiscais de ICMS. Ignorando as novidades legislativas sobre o tema, a RFB passou a condicionar o afastamento da tributação à comprovação de que os benefícios fiscais de ICMS tenham sido expressamente concedidos pelos Estados como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos[1].

A briga dos contribuintes para a não tributação dos benefícios fiscais de ICMS vem de longa data. Remonta a, pelo menos, 1977, quando o Decreto-Lei 1.598/1977, art. 38, §2º, fixou o conceito de subvenção para investimento.

Em oposição à subvenção para custeio, a subvenção para investimento seria o auxílio concedido pelo Poder Público com o intuito específico de estimular a implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. Desde que cumpridos dois requisitos legais – (i) constituição de reserva no valor do benefício fiscal e (ii) não distribuição aos sócios –, a subvenção para investimento poderia ser excluída da tributação.

A RFB, no entanto, desde o princípio adotou uma postura mais rigorosa do que a própria lei, restringindo significativamente o conceito de subvenção para investimento.

De acordo com a lei, para caracterizar um auxílio como subvenção para investimento, bastaria a demonstração de que teria por objetivo estimular a implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. Já em 1978, contudo, a RFB firmou o entendimento de que o enquadramento dos benefícios fiscais como subvenção para investimento dependeriam, ainda, (i) da comprovação do emprego dos valores pelo contribuinte na realização de investimentos e (ii) de que a realização dos investimentos se desse simultaneamente à utilização dos benefícios fiscais (Pareceres Normativos 2/1978 e 112/1978).

De acordo com a RFB, todos os benefícios fiscais que não preenchessem esses requisitos deveriam ser tratados como subvenção para custeio e, consequentemente, tributados.

Esse impasse deu origem a um imenso contencioso administrativo, ainda em curso. O antigo Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), dividiu-se na aplicação dos requisitos propostos pela RFB. Em boa parte das análises, inclusive envolvendo benefícios fiscais de ICMS, considerou-os necessários.

A partir de 2007, as legislações societária e tributária sofreram diversas alterações em razão da convergência do padrão contábil brasileiro para o padrão internacional. Com relação ao tratamento tributário das subvenções para investimento, não houve alterações substanciais. A Lei 12.973/2014 limitou-se a reproduzir a lógica do Decreto-lei 1.598/1977, determinando que o enquadramento de benefícios fiscais como subvenção para investimento dependeria apenas de que fossem concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

Em 2017, marcando mais uma vez a sua posição, a RFB editou norma condicionando a não tributação da subvenção para investimento à comprovação da existência de sincronia e vinculação entre a percepção da vantagem e a aplicação dos recursos (art. 198, § 7º da IN RFB 1.700/2017).

Também em 2017, contudo, para alívio dos contribuintes, foi publicada uma lei que finalmente pôs fim à discussão no tocante aos benefícios fiscais de ICMS: a Lei Complementar 160/2017 adicionou um dispositivo ao art. 30 da Lei 12.973/2014 abolindo a distinção entre subvenção para investimento e subvenção para custeio.

De acordo com o novo §4º do art. 30 da Lei 12.973/2014, os benefícios fiscais de ICMS devem ser considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstas no próprio dispositivo (registro em reserva e não distribuição aos sócios).

A nova regra chegou a ser vetada pelo Presidente da República, com base no argumento de que seria equivocado tratar todos os benefícios de ICMS como subvenção para investimento, abolindo a distinção das subvenções para custeio. O veto, no entanto, foi derrubado pelo Congresso Nacional, e o §4º, mantido.

A partir da entrada em vigor da nova regra, portanto, todos os benefícios fiscais de ICMS passaram a ser considerados subvenção para investimento.

A própria RFB, inclusive, por meio da COSIT, chegou a reconhecer em soluções de consulta que todos os benefícios fiscais de ICMS deveriam passar a ser tratados como subvenção para investimento. Na Solução de Consulta 11/2020, por exemplo, dividiu o gênero subvenção para investimento em duas espécies: (i) subvenções concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, inclusive quando concedidas por meio de isenções ou reduções de impostos, e (ii) incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS, concedidos pelos estados e pelo Distrito Federal.

Com a Solução de Consulta COSIT 145/2020, contudo, a RFB retrocede na discussão e tenta novamente restringir o alcance da lei. Desconsiderando todo o debate que levou à aprovação do novo §4º do art. 30 da Lei 12.973/2014, a RFB insiste que o enquadramento como subvenção para investimento somente será possível para os benefícios fiscais de ICMS que tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

A nova manifestação da RFB faz surgir um alerta para os contribuintes menos em razão das características dos seus benefícios fiscais do que em função do histórico de atuação da própria RFB e do CARF.

Os benefícios fiscais concedidos pelos estados e pelo Distrito Federal de fato têm por objetivo, em sua grande maioria, o estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

Não por outro motivo, os benefícios estão inseridos em grandes programas de desenvolvimento regionais, e são direcionados a segmentos econômicos específicos. Os Estados e o Distrito Federal têm autonomia para promover suas políticas de desenvolvimento, e muitos optam justamente pela concessão de benefícios fiscais. A vocação dos benefícios fiscais para estimular a instalação ou expansão de empreendimentos econômicos, portanto, está geralmente implícita.

Pelo que se conhece do modo de agir do Fisco, no entanto, essa lógica não será bastante para justificar o enquadramento de determinados benefícios de ICMS como subvenção para investimento. O receio dos contribuintes com a nova manifestação da RFB é de que volte a ser exigida uma comprovação de sincronia e vinculação entre o gozo do benefício e a aplicação dos recursos – exigências que nunca estiveram previstas em lei.

Caso a RFB adote essa postura, a saída para os contribuintes será a via judicial, com chances certas de êxito em vista da jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Em 2017, o STJ consolidou o entendimento de que a tributação pela União de benefícios fiscais de ICMS corresponderia à autorização para que a União retirasse, por via indireta, o incentivo fiscal que o Estado ou Distrito Federal, no exercício de sua competência tributária, outorgou ao contribuinte (EREsp 1517492, de 08/11/2017). Além disso, implicaria violação à regra constitucional da repartição de competência tributária e ao pacto federativo.

A discussão no STJ passou ao largo do enquadramento dos benefícios fiscais de ICMS como subvenção para investimento ou para custeio, sinalizando a vitória dos contribuintes caso a RFB insista no seu equivocado entendimento.

[1] “A partir da Lei Complementar nº 160, de 2017, os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS, concedidos por estados e Distrito Federal e considerados subvenções para investimento por força do § 4º do art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, poderão deixar de ser computados na determinação do lucro real desde que observados os requisitos e as condições impostos pelo art. 30 da Lei nº 12.973, de 2014, dentre os quais, a necessidade de que tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.” (sem destaques no original).

 

Fonte: Jota

 

 
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