Desonerar consumo para fazer justiça social

Publicado em: 04 ago 2020

Por Reginaldo Lopes 

Campo Grande (MS) – Brasil já era, há muito tempo, o paraíso dos super-ricos, mas o abismo está maior. Desde que a pandemia começou, todos os setores perderam, menos os bilionários, que já lucraram US$ 42 bilhões no período.

Enquanto isso, a proposta de reforma tributária do governo não vem para contar com mais contribuições dessas pessoas. Pelo contrário. A proposta aumenta, ainda mais, a carga tributária que recai sobre a maioria da população. Nem deveria se chamar “reforma”.

A simplificação de dois tributos federais realmente soa muito bem aos ouvidos. Porém, a união do PIS com o Cofins resultará em um imposto com alíquota ainda mais alta para os mais pobres, para os consumidores e para o setor produtivo.

Em algumas cadeias de produção, esse aumento poderá de ser de 8% a 9% das contribuições. Precisamos de uma reforma progressiva, na qual quem ganhe mais pague mais, quem ganhe menos pague menos e quem não ganhe receba.

O governo quer o oposto: quem ganha menos paga mais e quem ganha mais não paga nada! As demais propostas (PECs 45, da Câmara, e 110, do Senado) estão obsoletas. Foram apresentadas antes da pandemia e já não resolviam o desequilíbrio federativo nem enfrentavam a desigualdade. A proposta do governo consegue ser pior. É comum ver economistas neoliberais, taxados como sérios e austeros, defenderem um ajuste fiscal apenas pelo lado das despesas, e não das receitas. São os que defendem cortes em direitos, benefícios sociais e em investimentos públicos, alegando o combate aos privilégios e outros absurdos.

A chamada “bolsa-empresário”– um conjunto de incentivos fiscais, tributários e creditícios – chega a R$ 410 bilhões no Orçamento em plena pandemia, enquanto o Bolsa Família contará com R$ 32 bilhões. O que pesa mais? Além disso, donos e acionistas de grandes empresas não têm lucros e dividendos tributados e, cada vez mais, empregam alta tecnologia e inteligência artificial: robôs, e não pessoas, o que não é tributado e reduz suas contribuições.

Também sou economista e tenho na sustentabilidade fiscal um valor. Justamente por isso, não posso aceitar com facilidade a tese de que apenas os consumidores e a folha de pagamento devam ser tributados, insistindo em um modelo que deu errado e com o qual, inclusive o PT não rompeu quando esteve no poder. A opção brasileira de cobrar impostos sobre consumo e folha de pagamento – atingindo o empresário que gera emprego, o setor produtivo e os trabalhadores e trabalhadoras – é um formato único.

O ministro Guedes e o presidente Bolsonaro deveriam olhar menos para a condenável política externa dos EUA e observar melhor o modelo tributário daquele país. Lá, a taxa de imposto regressivo indireto sobre o consumo não passa de 15%. No Brasil, dos R$ 2,3 trilhões que a União arrecada por ano, R$ 1,2 trilhão é oriundo da tributação sobre o consumo e folha de pagamento, ou seja, mais de 50%. Entre os demais países da OCDE, a tributação média sobre a renda e o patrimônio equivale a 70% do que é arrecadado.

Aqui, esse valor chega a apenas 20%. Antes da pandemia, eu já defendia uma renda básica universal, mas também uma reforma tributária verdadeira. O atual modelo é um impeditivo para o crescimento. De nada adianta uma renda básica se ele for mantido. Significaria dar com uma mão e tirar com outra. Desonerar o consumo e a folha de pagamento e tributar renda e patrimônio é enfrentar, de fato, o problema da desigualdade social.

Reginaldo Lopes é Deputado federal pelo PT-MG.

 

 
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