Fisco mira em aplicativos para aumentar arrecadação

Publicado em: 31 out 2019

Campo Grande (MS) – A equipe econômica quer formalizar e cobrar impostos dos trabalhadores por conta própria que prestam serviços para empresas de aplicativo de internet, como Uber, 99, Cabify e outras plataformas que fazem conexão com os consumidores, como GetNinjas. 

Estão no foco motoristas, web designers e profissionais dos ramos de beleza, assistência técnica, consultoria, eventos e serviços domésticos, entre outros. Em paralelo, já se discute a reformulação do programa do Microempreendedor Individual (MEI). 

Uma das preocupações da área econômica é com as contas da Previdência, pois esses trabalhadores não contribuem para o sistema e mais tarde tenderão a cair na dependência da União, seja na aposentadoria por idade ou no Benefício de Prestação Continuada (BPC). Segundo um técnico a par das discussões, ainda não há um diagnóstico fechado sobre o universo e a renda desses trabalhadores, mas é sabido que muitos conseguem um bom rendimento e teriam condições de recolher tanto para a Previdência quanto para a Receita. 

Pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgada em agosto revelou que o número de trabalhadores por conta própria bateu a marca recorde de 24,2 milhões de pessoas de um total de 93,5 milhões de ocupados com mais de 14 anos. Uma proposta está sendo discutida no Grupo de Altos Estudos do Trabalho (Gaet), criado pelo governo com a participação de especialistas, para cobrar desses trabalhadores Imposto de Renda (IR) ou obrigá-los a aderir ao MEI. 

Os inscritos no programa recolhem 5% sobre o piso nacional (o que hoje dá R$ 49,90 ) e têm direito a cobertura previdenciária – o que inclui a proteção social de auxílio-doença, salário-maternidade etc. – e a um benefício equivalente ao mínimo na aposentadoria. No caso da cobrança de imposto, a Receita Federal acionaria as empresas de aplicativos para ter acesso à renda desses trabalhadores e, assim, enquadrá-los nas faixas de IR. 

As discussões envolvem também uma reformulação no MEI, revela Bruno Quick, diretor técnico do Sebrae. Hoje, essa forma de tributação é destinada a quem tem um faturamento bruto anual de até R$ 81 mil e emprega apenas um funcionário. “O governo está estudando alterar os limites do MEI – diz Quick, acrescentando que, para os trabalhadores, será mais vantajoso aderir ao programa do que ser obrigado a pagar Imposto de Renda.” 

A ideia é ampliar o limite de faturamento, o número de empregados para até três e aumentar a alíquota para trabalhadores com renda mais alta. Em contrapartida, o benefício previdenciário no futuro seria superior ao piso nacional. A contribuição dos inscritos no MEI já foi de 11%, mas a ex-presidente Dilma Rousseff reduziu o percentual para combater a inadimplência, o que não surtiu efeito. 

Em maio, um decreto presidencial permitiu aos motoristas de aplicativos aderir ao MEI, mas não incluiu os demais trabalhadores de aplicativos. Em agosto, uma portaria do comitê gestor do Simples criou a ocupação específica de motorista de aplicativo independente e, segundo a Receita Federal, 17.680 trabalhadores foram formalizados. O MEI, criado em 2008, tem ao todo nove milhões de inscritos e arrecadou em 2018 R$ 2,3 bilhões. Esta cifra poderia até dobrar, pois o índice de inadimplência é bastante elevado, na casa de 50%.

Segundo Quick, com as novas tecnologias, há um universo enorme de trabalhadores, sobretudo no ramo de serviços, que poderiam ser alcançados. Há empresas, destaca ele, com mais de 500 mil prestadores cadastrados, como designers, manicures e trabalhadores domésticos. 

“As pessoas estão começando a ver que o mundo do trabalho não se resume a ter uma carteira assinada.”

Contudo, a proposta divide especialistas e até técnicos do governo. “O objetivo da medida é formalizar uma atividade que já existe na realidade e não tem qualquer regulamentação. Esse é o trabalho do futuro – diz um economista que participa diretamente das negociações.”

Para outros integrantes do grupo, não é trivial cobrar impostos dessas pessoas, pois há um aspecto social a ser observado. “Os aplicativos acabaram virando uma alternativa de trabalho durante a crise econômica e a alta do desemprego”, aponta um integrante da equipe de Paulo Guedes. 

No mundo, essa preocupação também existe. Uma lei aprovada no Senado da Califórnia no mês passado deve forçar empresas como Uber e Lyft a contratar como empregados de fato os motoristas desses aplicativos de transporte. Nos EUA, ao considerar o motorista como empregado, ele passa a ter direito a um salário mínimo e a pagamento de horas extras, além de outros benefícios. 

No Brasil, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que um caso envolvendo um motorista de aplicativo e a empresa dona do serviço seja julgado pela Justiça comum em vez da trabalhista. A Segunda Seção do Tribunal considerou que não há relação empregatícia entre os dois, entendimento que deve prevalecer em outros casos similares.

A informalidade é um dos principais desafios ao sistema previdenciário atual, que é financiado pelas contribuições dos segurados. O País tem hoje 11,8 milhões de trabalhadores sem carteira assinada, de acordo com o IBGE. Pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva no início deste ano, estima que 5,5 milhões de brasileiros utilizam ou já utilizaram aplicativos de transporte para trabalhar. 

Apesar disso, apenas 17.680 desses motoristas contribuem como microempreendedores individuais (MEIs), possibilidade criada em maio deste ano pelo Ministério da Economia para estimular a formalização entre esses trabalhadores.

Para o economista e professor da FGV Mauro Rochlin, a Previdência Social pode ser onerada por esse grupo, caso os motoristas continuem sem recolher para o sistema durante os próximos anos. Isso porque, ainda que não contribuam, eles podem passar a receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC/Loas), no valor de um salário mínimo, quando atingirem 65 anos, caso tenham renda familiar abaixo de um quarto do salário mínimo.

“Cinco milhões de pessoas é um número bastante significativo. Se de fato essas pessoas não contribuem porque não têm vínculo empregatício, nem recolhem como autônomas, poderiam onerar a Previdência. Pelo menos nos próximos dois anos, o crescimento do mercado informal tende a ser maior que o formal, o que influencia na arrecadação do sistema”, afirma. 

O problema, porém, não será contornado pela criação de uma nova legislação, segundo o professor de Direito Previdenciário do Ibmec RJ e da Uerj, Fábio Zambitte. Isso porque a lei já determina que pessoas que exercem atividade remunerada devem contribuir para a Previdência como autônomos. 

“Os motoristas de aplicativo já são segurados obrigatórios da Previdência. Se não recolhem, são considerados devedores. A questão é que no caso dos profissionais que recebem remunerações menores, é mais difícil ter esse controle, que normalmente é feito com a ajuda da Receita Federal. Se a pessoa declara uma renda, mas não contribui para a Previdência, é feito um auto de infração, e ela é obrigada a pagar as contribuições devidas com juros e multa. Mas se o profissional não declara a renda que recebe, o controle é dificultado”, explica Zambitte. 

Em maio o governo publicou um decreto permitindo que motoristas de aplicativos se inscrevam junto à Previdência na categoria Contribuinte Individual, podendo optar por MEI. O decreto prevê que a responsabilidade pela inscrição é do próprio motorista e que a fiscalização cabe aos municípios. Ele poderá optar pelas alíquotas de 20% (para benefício acima do salário mínimo), 11% ou 5%, no caso do MEI. 

Além da aposentadoria, os segurados passam a ter direito a benefícios como auxílio-doença, salário-maternidade e aposentadoria por incapacidade. “Não existe nenhum seguro com cobertura tão ampla quanto o INSS no mercado”, aponta Zambitte. (Reprodução/Jornal do Comércio)

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