Programas de perdão fiscal são inevitáveis no atual sistema tributário

Publicado em: 22 maio 2018

Campo Grande (MS) – Os programas de recuperação fiscal, que concedem redução de multa e de juros sobre débitos fiscais e ampliam o prazo para pagamento das dívidas com o Fisco, viraram uma constante no Brasil. Grosso modo, poderíamos considerar que a cada dois ou três anos, haverá um Refis, com esse ou com outro nome (Paes, Paex, PRT, Pert). Essa percepção é muito prejudicial à economia e à arrecadação tributária, pois deixar de recolher tributos devidos, esperando pelo próximo programa, passou a ser quase que uma forma de “planejamento tributário”.

É inquestionável que esses parcelamentos com perdão fiscal (anistia) incentivam a prática da sonegação, por um lado, e, por outro, desestimula aqueles contribuintes que “não conseguem dormir” em razão de dívida com o Fisco a continuar mantendo sua postura de retidão e “compliance”tributário.

Dessa forma, além dos prejuízos às finanças públicas, com a diminuição da arrecadação tributária, esse tipo de programa governamental compromete a competitividade entre as empresas. Isso é tão mais grave quanto maior for o impacto dos tributos na formação do preço dos produtos e serviços e no lucro que remunera os sócios das empresas, quem sejam, os empreendedores e investidores.

Acontece que o pior de tudo é que esses programas de anistia fiscal e de parcelamento a longo prazo são inevitáveis no atual sistema tributário brasileiro.

Por um lado, a complexidade da legislação e do controle da apuração de tributos expõe demasiadamente os contribuintes à fiscalização e autuação, com imputação de altas penalidades. Um exemplo: uma mera informação equivocada no sistema eletrônico de controle (Sped) pode resultar em aplicação de multa com base no faturamento da empresa, independentemente de culpa do contribuinte ou da ausência de recolhimento de tributo. Basta a informação inadequada para ensejar a cobrança de penalidade – e essa adequação dependerá do entendimento da autoridade fiscal.

De outro lado, a exposição fiscal dos contribuintes é potencializada pela insegurança jurídica, inclusive e principalmente, por parte do Poder Judiciário. Outro exemplo: no fim de 2016, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o ICMS não compõe a base de cálculo de PIS/Cofins. Porém, passados mais de um ano e meio, as empresas ainda não sabem como aplicar essa decisão e a partir de quando. Considerando que essa é uma questão tributária que impacta diretamente a formação de preço das mercadorias, qualquer caminho que o administrador resolva seguir está colocando a empresa em risco: ou porque perderá mercado ou porque estará formando uma contingência fiscal que pode se tornar impagável.

Dado esse quadro, os programas de recuperação fiscal, por mais deletérios que sejam, acabam por servir para que as empresas “coloquem a casa em ordem” e reavaliem as decisões tributárias tomadas no meio de períodos tormentosos. No caso de haver mudança de orientação da prática fiscal, esses programas ajudam a regularizar a situação das empresas em direção a outro sentido.

Infelizmente, os programas de recuperação fiscal são parte inerente do sistema tributário nacional e cumprem uma função diante da insegurança que acomete os contribuintes brasileiros. Portanto, exorcizar os fantasmas desses programas requer, de maneira inescapável, a mudança significativa da atual estrutura tributária do Brasil. (Reprodução/Valor Econômico)

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