Reforma tributária, só com justiça fiscal

Publicado em: 20 ago 2019

Campo Grande (MS) – O que nenhuma das três propostas de reforma tributária em tramitação no Congresso traz é justiça tributária. Elas não mexem nas estruturas que perpetuam uma inversão injusta e desumana, que não contribui em nada para o desenvolvimento da nação, como para a paz social. 

O Congresso Nacional retomou, há cerca de duas semanas, a intensidade nos debates da construção de um processo de reforma Tributária, que deve ser conduzido em algumas décadas. Porém, para muito além do tempo que leve ou do calor e da complexidade técnica dos debates, o que nenhuma das três propostas de reforma tributária em tramitação no Congresso traz é justiça tributária. Elas não mexem nas estruturas que perpetuam uma inversão injusta e desumana, que não contribui em nada para o desenvolvimento da nação, como para a paz social. A carga tributária brasileira ou a sua contribuição para a formação do PIB, está um pouco acima da média da OCDE, cerca de 36%. Contudo, individualmente, o brasileiro paga uma alíquota máxima de Imposto de Renda da Pessoa Física, de 27,5%, quando, na referida comunidade, a média é de 41,58%. 

No Brasil, recolhem essa alíquota, tanto quem tem renda mensal de R$ 4.665 quanto quem a renda é de R$ 300 mil. Nesse sentido, o Partido dos Trabalhadores possui um projeto de ampliação do número de faixas de renda e de incidência das alíquotas, da tabela do IRPF, que tornam isentos os contribuintes cuja renda seja de até R$ 5 mil. Diferente da maioria dos países da OCDE, a maior parte da carga tributária deste país é sobre o consumo. As duas rendas supracitadas pagam o mesmo imposto sobre os produtos da cesta básica, o que impacta de forma extremamente desigual, pesando mais para a maioria da classe trabalhadora. A PEC pretende substituir ISS, IPI, ICMS, Cofins e PIS pelo Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) e por um outro, seletivo, dirigido a produtos que causam impactos negativos à sociedade, como automóveis, que poluem, e cigarros, que pressionam o sistema de saúde. Porém, essa medida e a desoneração das exportações e da produção não podem ser consideradas como determinantes para a produção da justiça fiscal. 

Para tornar o processo viável, a medida propõe suspender as isenções dos produtos da cesta básica. Rendas altas e médias altas podem não sentir muito. Porém, levando em consideração que, mais de 70% da classe trabalhadora recebem não mais que dois salários mínimos, a PEC será não apenas injusta, mas promoverá, deliberadamente, o subdesenvolvimento, construindo barreiras para o acesso a bens básicos. Entretanto, há na PEC a proposta de devolver o imposto cobrado aos brasileiros de baixa renda, em troca da apresentação de nota fiscal eletrônica. Ocorre que, os locais onde as pessoas de baixa renda deixam o que recebem não se emite nota fiscal física, que dirá a eletrônica. A PEC sugere usar como referência, para a restituição, o Cadastro Único. Entretanto, ele não abarca todas as pessoas para quem os impactos das desonerações são deletérios. Ainda que a renda mensal de um grande contingente ultrapasse R$ 160 per capta, ela não é o suficiente para proteger as famílias em condições de vulnerabilidade alimentar, da tributação dos produtos da cesta básica. Uma das soluções seria cadastrar os CPFs e devolver com a emissão de um cartão eletrônico destinado a esse resgate. A faixa de renda que sofrerá fortes impactos pela oneração é extensa. 

Dentro do já antigo debate que se trava na sociedade, sobre reforma tributária, a PEC tem o mérito de propor a desburocratização e um caminho para o apaziguamento da guerra fiscal. Ocorre, que não será fundindo cinco impostos em dois que a tornará justa. A justiça fiscal se dará quando o andar de cima pagar impostos, o que não acontece. A classe trabalhadora paga 27,5% de IRPF. Já quem é acionista de um banco, ou de uma empresa, e dele retirou, por exemplo, em 2018, R$ 2 bilhões em juros e dividendos sobre aplicações financeiras, não pagou, em 2019, um único centavo de IR sobre esse valor. Esse privilégio é graças a uma lei de 1995, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que isentou de IRPF renda auferida de aplicações. A PEC não toca nesse ponto, que é crucial para que se digne ter o nome de reforma tributária e não um arremedo para escamotear ainda mais a indecente, imoral, desumana e anti-desenvolvimentista concentração de privilégios. 

Igualmente, a PEC não propõe imposto sobre veículos de uso exclusivo da elite, como helicópteros, aviões, jet sky e iates e lanchas de luxo. O proprietário de um veículo de mil cilindradas paga IPVA. Já veículos cuja manutenção é tão cara quanto o seu valor de mercado não são taxados. No Brasil, a taxa máxima do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação, ou imposto sobre herança, é de 8%, mas nunca é cobrado mais que 4%. Nos EUA, Meca do capitalismo sabujo e caipira brasileiro, é de 29%. Na Inglaterra, 40%. Alemanha, Suíça e Japão, 50%. 

A PEC, em nenhum ponto sugere adentrar no único caminho que dará dignidade ao nome de reforma tributária, no sentido de produzir justiça fiscal, que é a taxação da renda e do patrimônio. Fora dessa proposta, o máximo que ela fará é desburocratizar, e olhe lá. Basta passar os olhos nas três propostas que tramitam no Congresso para saber que, a reforma tributária que promoverá justiça fiscal só será alcançada com uma contundente pressão popular. Sem a participação, uma injustiça tão grande quanto a reforma da Previdência, será aprovada pelo Congresso Nacional, por parlamentares comprometidos com a parasita elite financeira desde País. Sem reação social, não haverá justiça fiscal. 

Enio Verri é Deputado federal e professor licenciado do departamento de Economia da Universidade Estadual do Paraná

  • Compartilhar:
  • Facebook
  • Facebook
  • Facebook