Campo Grande (MS) – Na sistemática da substituição tributária, há uma concentração do imposto devido em toda a cadeia, o qual fica sob responsabilidade geralmente da indústria ou do importador. Dessa maneira, o ICMS é antecipado, utilizando-se, para tanto, uma base de cálculo presumida, que não corresponde necessariamente ao preço que será praticado pelo atacadista/varejista.
Nesse contexto, muitos contribuintes começaram a questionar o alcance do artigo 150, parágrafo 7º, da Constituição Federal, que autoriza a restituição da quantia paga caso não se realize o fato gerador presumido, mas é omisso quanto ao descasamento entre a base presumida e a base efetiva.
A discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal por meio do RE 593.849/MG (tema 201 da repercussão geral), tendo sido fixada a seguinte tese: “É devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para a frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”. Em outras palavras, se a base de cálculo efetiva for inferior à presumida, cabe a restituição do valor pago a maior.
Na mesma sessão de julgamento foi apreciada a ADI 2.777, julgada improcedente, reconhecendo-se como constitucional o artigo 66-B, inciso II, da Lei estadual 6.374/89, o qual versa sobre a restituição em casos comprovados de que a operação final ficou configurada como obrigação tributária de valor inferior à presumida.
A questão foi finalmente analisada pelo Supremo e tudo parecia resolvido. Contudo, não é essa a realidade do contribuinte paulista, o qual enfrenta a limitação imposta pelo parágrafo 3º do artigo 66-B da Lei estadual 6.374/89, que não foi objeto de apreciação pela suprema corte.
O referido dispositivo restringe a possibilidade de restituição do imposto antecipado às hipóteses em que a base de cálculo do imposto devido por substituição tributária tenha sido fixada pelas autoridades fiscais (preço sugerido em pauta), excluindo as demais situações.
Há, portanto, uma decisão do STF inequívoca no sentido de que cabe a restituição do imposto se a base de cálculo presumida for superior à efetiva, sem qualquer restrição. Por outro lado, as autoridades fiscais paulistas têm limitado esse direito aos casos de restituição do imposto cuja base de cálculo tenha sido determinada por pauta fiscal, contrariando a suprema corte.
A maior parte dos contribuintes não segue a pauta fiscal, adotando como base de cálculo do ICMS antecipado as tabelas dos fabricantes ou a metodologia da margem de valor agregado, o que gerou dúvidas a esses contribuintes quanto à restituição do imposto.
Nesse contexto, a fim de esclarecer o posicionamento paulista decorrente da aplicação da tese firmada pelo Supremo, em maio de 2018, foi editado o Comunicado CAT 06/2018, embasado no Parecer PAT 03/2018 emitido pela Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo. Por meio do mencionado comunicado CAT, a Sefaz afirmou a aplicabilidade da limitação prevista no artigo 66-B, parágrafo 3º, da Lei 6.374/89, autorizando, portanto, a restituição do imposto apenas nos casos em que a base de cálculo tenha sido determinada por pauta fiscal.
É evidente que essa restrição é inconstitucional, não se encaixa no entendimento firmado pela suprema corte e, ainda, dá um tratamento desigual aos contribuintes, ferindo o princípio da isonomia ao privilegiar certos segmentos econômicos em detrimento de outros.
Em outras palavras, o posicionamento restritivo das autoridades fiscais paulistas está na contramão da tese firmada pelo STF e prejudica muitas empresas, principalmente aquelas que atuam no comércio de automóveis, combustíveis e cervejas, que obtiveram respostas negativas junto à Sefaz (Resposta à Consulta 17.502/2018, 16.764/2017 e 16.661/2017).
Diante da negativa no âmbito administrativo, muitos contribuintes estão recorrendo ao Poder Judiciário a fim de obter o direito à restituição do ICMS pago a maior, sendo certo que a maioria tem obtido êxito, sob o argumento de que a restrição prevista no artigo 66-B, parágrafo 3º, da Lei 6.374/89 não se coaduna com o decidido em sede de repercussão geral, razão pela qual não deve ser observada.
Em que pese os contribuintes estejam obtendo decisões favoráveis, o posicionamento da Sefaz-SP é um verdadeiro afronto à decisão da suprema corte, de modo que um tema já analisado e julgado por esse órgão em sede de repercussão geral está sendo objeto de novas discussões, não se atingindo a uniformização, celeridade e segurança jurídica.
Não há dúvidas de que a Sefaz-SP continuará aplicando a restrição prevista no artigo 66-B, parágrafo 3º, da Lei estadual 6.374/89, o que possivelmente culminará em nova análise pelo STF futuramente. Até lá, cabe aos contribuintes lesados ingressarem com ação judicial cabível para obter o reconhecimento de seu direito à restituição do imposto pago a maior de acordo com a tese firmada pela suprema corte.