Campo Grande (MS) – As vitórias dos candidatos bolsonaristas na Câmara e no Senado animaram o mercado financeiro com a possibilidade de votação de várias reformas travadas no Congresso. O Ibovespa fechou a 3ª feira (2.fev.2021) em alta, o real se valorizou 1,7% em relação ao dólar e no mercado futuro os prêmios dos contratos de títulos brasileiros caíram. Desde o início da pandemia, quase 1 ano atrás, não se via o mercado tão otimista. O nome disso é bolha.
Nesta 4ª feira (3.fev), Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes devem se reunir com os novos presidentes, deputado Arthur Lira e senador Rodrigo Pacheco, para juntos acertarem uma agenda mínima de votações de temas econômicos. Guedes tentará convencer os 2 a aprovarem o orçamento de 2021 sem recriar o auxílio emergencial. Em troca, como mostrou o Poder360, o governo liberaria o 13º dos aposentados antecipado e anteciparia o pagamento do abono salarial. Mal comparando, é como tentar apagar um incêndio com um balde.
No mundo panglossiano de Guedes, as novas direções do Congresso deveriam esquecer o auxílio e centrar seus esforços em reafirmar o respeito ao teto de gastos e aprovar medidas para sinalizar ao mercado que o clima mudou entre Executivo e Legislativo. A agenda Guedes inclui a autonomia do Banco Central, os novos marcos para os setores elétricos, ferroviário, gás natural, câmbio e startups e as reformas constitucionais administrativa, tributária, emergencial e de fundos públicos. Para a turma da avenida Faria Lima, a aprovação desta agenda seria o Shangri-la e criaria uma espiral de alta, mas não tem realismo algum.
Deputados e senadores voltaram a Brasília depois de passar seu mês de férias coincidindo com as primeiras semanas dos brasileiros miseráveis sem o auxílio. Como não puderam viajar para o exterior, os políticos ficaram expostos à pressão de prefeitos e cabos-eleitorais com apenas 2 assuntos: auxílio e vacinas contra a covid-19. O Brasil que no final do ano acumulava 14 milhões de desempregados e 27 milhões de pessoas vivendo com menos de R$247 por mês (o indicador de pobreza extrema) só tende a piorar.
Sob pressão de uma panela social perto de explodir, a aprovação de mais alguns meses de auxílio independe do que acha Bolsonaro, Guedes ou os traders da Faria Lima. É a sobrevivência dos eleitores que está em jogo. Se o Ministério da Economia não enxergar, será atropelado pelos fatos como foi na 1ª aprovação do auxílio pelo Congresso.
A ilusão é cair no conto de Guedes e Bolsonaro de que a agenda econômica não estava sendo votada por picuinha do ex-presidente Rodrigo Maia. Bobagem. O Congresso é o mesmo e segue com as mesmas restrições que antes em enquadrar os salários de servidores públicos, eliminar subsídios de empresas e acabar com estatais.
Agora presidente da Câmara, Arthur Lira é o mesmo deputado que em abril dizia que Paulo Guedes estava “mais preocupado com bancos, com mercado financeiro e bolsa de valores do que com a reconstrução do país” e atacava o governo por contingenciar os recursos para obras. À época, quando Guedes bombardeava o plano do ministro Rogério Marinho de concluir paradas, Lira dizia que só não pedia a cabeça do ministro da Economia porque “não é hora de tacar fogo no Brasil em plena pandemia”.
Já o novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, segue sendo o mesmo político que, como herdeiro de empresas de ônibus em Minas Gerais, apadrinhou servidor do seu gabinete para a agência que fiscaliza o setor. Em janeiro, já favorito na corrida pelo Senado, Pacheco descartou as privatizações da Eletrobras e dos Correios. “Não é raciocínio fácil dizer que a Eletrobras precisa ser vendida. Episódios recentes da vida nacional (se referindo ao apagão no Amapá) demonstraram que a iniciativa privada é muito boa, mas por vezes não tem compromisso social que o setor público tem”.
Sobre a privatização dos Correios –outra prioridade de Guedes –, Pacheco disse que ela “não pode ser entreguismo sem critério num momento de muita dificuldade econômica porque, se não, vira uma gota de água na chapa quente do orçamento”.
Lógico que algumas pautas econômicas serão votadas, até porque o país está à beira do precipício, mas imaginar que Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e os políticos do Centrão vão tocar a agenda econômica de Guedes é tão ingênuo quanto imaginar que as reformas são prioridades de Jair Bolsonaro. Nenhum deles estava na estrada de Damasco e se converteu ao liberalismo.
*Thomas Traumann, 53 anos, é jornalista, consultor de comunicação e autor do livro “O Pior Emprego do Mundo”, sobre ministros da Fazenda e crises econômicas. Trabalhou nas redações da Folha de S. Paulo, Veja e Época, foi diretor das empresas de comunicação corporativa Llorente&Cuenca e FSB, porta-voz e ministro de Comunicação Social do governo Dilma Rousseff e pesquisador de políticas públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Dapp). Escreve semanalmente para o Poder360.
Fonte: Poder 360