Campo Grande (MS) – Chamada de “nova reforma trabalhista”, a Medida Provisória (MP) nº 1.045/2021 divide opiniões de especialistas.
Se, por um lado, as mudanças podem alterar as regras que trazem garantias aos trabalhadores, por outro, pode ampliar a oferta de empregos, apontam os especialistas.
O texto-base apresentado pelo relator Christino Áureo (PP-RJ) incluiu temas como programas de primeiro emprego e de requalificação profissional, mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e definição de quem pode contar com gratuidade no acesso à Justiça.
Originalmente, a MP reeditou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEM), em que trabalhadores tinham contratos suspensos ou redução de carga horária e salários.
Para o advogado trabalhista e presidente da Comissão dos Advogados Trabalhistas da OAB-MS, Diego Granzotto, as mudanças prejudicarão a classe trabalhadora.
“Essa MP é terrível para os trabalhadores. Ela cria uma forma de contratação de pessoas de 18 a 29 anos que estão sem vínculo ou pessoas de baixa renda que estejam desempregadas há mais de dois anos”.
“Ela retira 13°, férias e fundo de garantia, assim como o recolhimento de INSS e direito ao seguro-desemprego. Realmente é terrível para o trabalhador”, explicou.
Para o doutor em Economia Michel Constantino, as novas modalidades de trabalho podem ser animadoras para os empresários.
No caso da manutenção da suspensão e da redução de jornada e salário, por exemplo, há possibilidade de que mais vagas sejam criadas.
“Ela ajuda porque o governo entra com uma parte do salário e a empresa não manda embora o funcionário. Então, isso é importante para a manutenção de emprego”.
“Por outro lado, tem também a questão do primeiro emprego, que reduz algumas obrigações da empresa para com o funcionário. Isso também estimula a empresa a abrir novos postos para primeiro emprego”.
TRAMITAÇÃO
No dia 10, a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base da MP, que, no geral, renovaria o BEM, mas já com as mudanças embutidas. O texto seguiu para análise no Senado.
Caso parlamentares alterem o texto, ele volta à Câmara, caso nenhuma alteração for feita, a proposta vai para sanção presidencial.
Na semana passada, o senador Paulo Paim (PT-RS) afirmou que vai apresentar requerimento de impugnação de matérias estranhas à medida.
Segundo o senador, a matéria faz duas “minirreformas”, uma trabalhista e uma previdenciária. “Essa é uma das propostas que tem mais jabutis, de todas que já vi chegar nessa Casa”, afirmou.
ALTERAÇÕES
A MP cria o Programa Nacional de Prestação de Serviço Social Voluntário. Nessa modalidade, o empregado não terá direito a salário, férias, 13º salário e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e poderá receber apenas vale-transporte.
Sem qualquer vínculo trabalhista, o programa será destinado a jovens de 18 a 29 anos e a pessoas com mais de 50 anos. É necessário realizar curso de qualificação profissional.
A remuneração não pode ser inferior ao salário mínimo/hora e a União poderá ajudar nesse pagamento, com até R$ 125 por mês.
Há ainda a possibilidade de manutenção do programa original de redução de salário e jornada, além da suspensão de contrato. Em contrapartida, o governo pagará a parcela do seguro-desemprego a que o empregado teria direito.
Ainda entre as mudanças, caso a MP for aprovada, categorias como bancários, jornalistas e operadores de telemarketing, entre outros trabalhadores com jornadas menores do que oito horas por dia, terão redução no valor do pagamento de horas extras.
Além disso, estão previstos o aumento da jornada de trabalho para oito horas diárias e a determinação de que o pagamento da hora extra seja de apenas 20%.
JUSTIÇA GRATUITA
A MP ainda traz a restrição do acesso à Justiça gratuita. Nesta situação, só terá direito aquele trabalhador que tiver renda per capita de até meio salário mínimo ou renda familiar mensal de até três salários mínimos.
O Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) está em busca de soluções para que haja proteção às famílias de pessoas de baixa renda e que não tenham condições de arcar com as custas.
“O ponto mais danoso, e que nos chamou mais a atenção por conta da preocupação, é com relação aos artigos 89, 90 e 91, inseridos nessa minirreforma”, ressalta a advogada previdenciária e membro da diretoria do IBDP, Juliane Penteado.
“Nós chamamos isso de jabuti, que é quando o objeto da lei é um, mas ele inclui uma outra coisa no meio dos artigos e acaba passando, se ninguém prestar atenção”.
Hoje, a pessoa que pretende ter acesso à Justiça gratuita pode provar por escrito que não tem condições. Se a MP for aprovada, isso não poderá ser mais usado.
Outro fator que Juliane destaca é que, dentro da proposta, os empregadores não seriam obrigados a pagar a contribuição previdenciária. Com isso, trabalhadores não teriam o tempo de trabalho computado para aposentadoria.
“Traz consequências na contribuição previdenciária, até porque, dentro dessa proposta, os patrões não seriam obrigados a [pagar a] contribuição previdenciária, então, essas pessoas poderiam estar bem cientes de que, optando por uma forma de trabalho como essa, esse tempo não seria computado para aposentadoria”.
–OUTROS PROGRAMAS
O texto ainda cria o programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore), voltado para jovens de 18 a 29 anos, para garantir o acesso ao primeiro emprego com registro em carteira, e para pessoas com mais de 55 anos que estejam sem vínculo formal há mais de 12 meses.
A remuneração máxima será de até dois salários mínimos.
O repasse do FGTS pelo empregador seria menor do que os atuais 8%, sendo de 2% a 6%. Ao fim do contrato, o trabalhador receberia o valor de multa de 20% do FGTS.
Ainda há o programa de qualificação e inclusão produtiva, chamado de Requip, que prevê o pagamento do Bônus de Inclusão Produtiva (BIP) pelo trabalho em jornadas semanais de até 22 horas e de uma bolsa por participação em cursos de qualificação de 180 horas ao ano.
Este programa também será destinado para pessoas com 18 a 29 anos que estejam sem registro na carteira de trabalho há mais de dois anos.
O trabalhador receberia dois benefícios diferentes, um pago pelo governo, e outro, pelo empregador, ambos no valor de até R$ 275. O Requip não será considerado para qualquer fim trabalhista, previdenciário ou fiscal.
Fonte: Correio do Estado