Mais combustível para a tragédia da fome

Publicado em: 13 jun 2022

Campo Grande (MS) – A tragédia da fome voltou a devastar o Brasil. Segundo estudo da Rede PENSSAN, 125,2 milhões de brasileiros estão em situação de Insegurança Alimentar e mais de 33 milhões em situação de fome, expressa pela “Insegurança Alimentar Grave”. Em apenas um ano (2021/2022), mais 14 milhões de seres humanos no Brasil passaram a padecer de fome.

O Norte e o Nordeste concentram mais da metade de brasileiros nessa situação. Do total de 33,1 milhões de pessoas passando fome no Brasil, 4,8 milhões residem na Região Norte e 12,1 milhões na Região Nordeste. Ainda segundo o estudo, houve um aumento expressivo de Insegurança familiar no meio rural. Em apenas um ano, a fome dobrou em domicílios em extrema pobreza. Mais de 90% dos domicílios cuja renda per capita era inferior a 1/4 SM possuíam algum grau de Insegurança Alimentar.

A fome é relativamente mais severa nos domicílios com responsáveis do sexo feminino; nos chefiados por pretos ou pardos; nos que têm responsáveis com baixa escolaridade; nos com responsáveis desempregados (mais da metade deles estava em situação de Insegurança grave ou moderada); e nos domicílios com crianças e adolescentes, o que terá efeitos negativos e imediatos e irreversíveis sobre potencialidades físicas e cognitivas dessa geração.

Em 2014, as Nações Unidas anunciaram que o Brasil tinha saído do Mapa da Fome. A volta desse flagelo teve início com o golpe parlamentar de 2016 e a consequente retomada da agenda neoliberal que mergulhou o país na mais grave crise socioeconômica e humanitária da história.

A condução da economia dos governos Temer e Bolsonaro, somada aos efeitos da pandemia, fizeram com que o PIB de 2020 retornasse para o patamar de 2010, com reflexos negativos sobre o emprego, o desemprego, o desalento e a subutilização da mão de obra. A inflação é uma das mais altas do mundo, o que corrói a renda dos pobres. Ainda assim a taxa de juros no Brasil está entre as mais elevadas na comparação internacional. A pobreza voltou a subir, atingindo, em 2019, patamares próximos aos de dez anos atrás. A desigualdade da renda do trabalho, medida pelo Índice de Gini, voltou a crescer de forma expressiva.

A “austeridade” serviu, assim, para suprimir direitos sociais, restringir a capacidade de atuação do Estado e desmontar o tardio Estado de bem-estar social. Para cumprir esse objetivo, destaca-se, dentre outras medidas, a aprovação do “Teto de Gastos” – que criou, por 20 anos, um teto para crescimento das despesas não financeiras. A asfixia do gasto social foi alcançada comprometendo uma série de direitos em diversas áreas. Na Segurança Alimentar, foram destruídas todas as medidas apontadas pela FAO/ONU como responsáveis por tirar o Brasil do Mapa da Fome. A extinção do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional e o abandono da Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional são outras peças da desestruturação institucional e financeira do setor. Também se destaca a extinção do Programa Bolsa Família, um dos um dos mais premiados e reconhecidos programas sociais do mundo, que atendia cerca de quarenta milhões de pessoas em situação de pobreza e custava cerca de R$ 30 bilhões por ano.

Mas o atual governo não se dá por satisfeito. O desmonte do Estado de bem-estar continua avançando em marcha forçada. A última investida é a proposta de uma agressiva redução de tributos sobre combustíveis. Estima-se que a limitação em 17% da alíquota do ICMS sobre combustíveis, energia e telecomunicações vai tirar em torno de R$ 20 bilhões de recursos da Educação e R$ 11 bilhões do SUS. A proposta de zerar os tributos federais sobre a gasolina e o etanol vai tirar do Orçamento da União R$ 40 bilhões, além de afetar mais uma vez os Estados.

Essas medidas irão reduzir ainda mais os gastos sociais da União, além de fragilizar as receitas de estados e municípios e, por consequência, comprometer os gastos sociais desses entes federativos. Agindo assim, o Governo Bolsonaro joga mais combustível na tragédia social brasileira. Difícil explicar por que o Brasil ainda não “pegou fogo”.

*Auditor Fiscal de Receitas do Estado do Pará e presidente licenciado da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) e do Sindifisco-Pará.

Fonte: Fenafisco

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