Campo Grande (MS) – O teto de gastos nada mais é do que uma promessa: a de que os gastos públicos irão crescer de forma limitada durante certo período de tempo. A regra estabeleceu um ajuste gradual das contas públicas ao atrelar o crescimento dos gastos à inflação. E ofereceu garantias de que seria mantida ao longo do tempo planejado ao constar de forma explícita na Constituição.
Ele é uma estratégia de ajuste fiscal que funciona quando está ligada a dois importantes pilares: previsibilidade e credibilidade. É através desta promessa que se melhoram as perspectivas de solvência do governo, com redução de prêmios de riscos e taxas de juros, em um grande círculo virtuoso que estimula o crescimento, ainda que o resultado final do ajuste fiscal seja visto apenas muitos anos à frente.
Mas desde a promulgação da PEC (Proposta de Emenda a Constituição) dos Precatórios ao final de 2021, vimos o uso acelerado de novas PECs para contornar os limites constitucionais definidos pelo próprio teto. Em exemplo recente, a PEC das bondades (kamikaze), aprovada na semana passada, referendou expansão fiscal de R$ 40 bilhões fora do teto.
Das duas, uma: ou vivemos tempos de extraordinária excepcionalidade, ou desconfiamos do uso abusivo deste instrumento legislativo para violar as regras fiscais que estão na Constituição.
O problema é que o ativismo fiscal via emendas à Constituição tem implicações mais amplas do que o mero aumento de gastos que são autorizados por cada uma das propostas. De forma muito mais relevante, ele representa o fim da possibilidade de suavizar e diferir temporalmente novos ajustes fiscais que se façam necessários.
O uso indiscriminado de PECs retira do arcabouço básico do funcionamento do teto toda e qualquer previsibilidade sobre evolução dos gastos do governo.
As novas PECs vêm permitindo expansão fiscal sempre que as circunstâncias políticas demandam. Não há garantia de que novas PECs não sejam propostas em futuro próximo, como, por exemplo, a extensão da PEC das bondades para além de 2022.
Perdemos a capacidade de antever como a despesa do governo irá se comportar nos próximos anos. Sua evolução não parece mais estar atrelada apenas à inflação.
A facilidade na aprovação de PECs mina a credibilidade das emendas como fiadoras de novos ajustes.
Infelizmente, descobrimos que critérios rigorosos de alteração de norma constitucional não são parâmetros estruturais e estáveis do processo legislativo. Em resposta ao constrangimento imposto pelo teto dos gastos, trivializou-se os trâmites de novas emendas à Constituição.
A PEC das bondades lançou mão de um estado de emergência um tanto quanto duvidoso –a alta imprevisível dos combustíveis– além de ter seu tempo de tramitação acelerado ao ser apensada a outra emenda em estágio mais avançado de análise.
Se regras fiscais cravadas em texto constitucional perdem previsibilidade e credibilidade, qual outro instrumento legislativo será capaz de fazer o próximo governo prometer um ajuste fiscal daqui a cinco ou dez anos para fazer frente ao aumento de gastos dos próximos anos?
A experiência recente mostra que enfrentaremos dificuldades com novas promessas de ajuste fiscal.
Eventuais aumentos de gastos que se fizerem necessários precisarão contar com aumento equivalente na arrecadação, via ajustes na boca do caixa, como os que são estabelecidos através de metas de superávit primário.
Com isso, perde-se toda a capacidade de se fazer uma política fiscal anticíclica, já que, em linhas gerais, períodos recessivos, de menor crescimento e arrecadação, precisarão vir acompanhados por redução equivalente de gastos.
Os custos do ativismo fiscal via PEC são muito maiores e mais duradouros do que se supõe. Um país sem palavra e sem comprometimento com as promessas que faz está fadado a ficar refém da sorte do momento.
Fonte: Folha de São Paulo