Campo Grande (MS) – Entre os efeitos colaterais para a economia de uma taxa de juros em patamar elevado —em 13,75% ao ano desde agosto passado—, está a deterioração da renda média dos brasileiros, disseram especialistas à CNN.
“A renda depende da atividade econômica do país. Quando o Produto Interno Bruto (PIB) cresce, também crescem salários e lucros de empresas”, explica Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master.
“A economia está desaquecendo como consequência da taxa de juros e o mercado de trabalho já está sentindo os efeitos disso, a exemplo dos últimos dados do Caged. Com menos emprego e crédito comprometido, provavelmente teremos uma queda na renda média.”
A análise acontece, enquanto o brasileiro já sente no cotidiano os efeitos colaterais de uma elevada taxa Selic — ferramenta do Banco Central no controle da inflação. É o dito “remédio amargo” da economia: em nome da recuperação do poder de compra dos brasileiros no longo prazo, há uma série de revezes no curto prazo que podem trazer dificuldades no dia a dia.
“Os juros elevados têm a capacidade de, digamos assim, ‘atrapalhar’ a atividade econômica. Por exemplo, fica muito mais caro financiar a aquisição de um bem de maior valor agregado, como carros e eletrodomésticos, o que tende a reduzir o ritmo do consumo”, avalia Juliana Trece, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
“Na outra ponta, a renda dos brasileiros fica mais comprometida, já que bens não-duráveis, como alimentos e itens farmacêuticos, também ficam mais caros por causa da inflação e é muito difícil reduzir o consumo desse tipo de produto.”
Além da taxa nominal elevada, o Brasil continua sendo o país com um dos juros reais mais altos do mundo — que descontam a inflação do cálculo. O ranking foi elaborado pela gestora Infinity Asset Management, que acompanha um grupo das 40 principais economias globais.
A lista dos maiores juros reais é liderada por outros países latinos que vêm logo na sequência do Brasil: no México, a taxa descontada da inflação está em 5,5%, no Chile é 4,7% e, na Colômbia, 3%.
Na análise dos especialistas, o elevado patamar da Selic influencia, também, no endividamento das famílias brasileiras. Segundo um levantamento da Serasa Experian, o número de inadimplentes passou de 59,3 milhões, em janeiro de 2018, para 70,1 milhões, em janeiro de 2023 — recorde da série histórica.
“O alto endividamento das famílias também mostra que a renda delas já está comprometida, e os juros geram um impacto ainda maior nas contas”, afirma Trece.
Os especialistas chamam atenção, porém, para o fato de que uma redução “forçada” da taxa de juros pode não ser o melhor caminho para driblar o ônus de uma Selic elevada. Segundo eles, um recuo precipitado pode provocar um repique inflacionário, levando a uma convivência prolongada de juros altos e inflação alta.
“É importante entender motivo pelo qual o BC sobe juros: reduzir a inflação. O BC tenta reduzir a demanda, já que a oferta não vai mudar. As consequências negativas são os mecanismos de funcionamento para que a inflação recue. Sem essas consequências, a inflação sobe e isso dificulta a vida dos consumidores e produtores”, pondera Thais Zara, economista da LCA Consultores.
Em entrevista recente à CNN, o ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, sócio fundador da Tendência Consultoria, se referiu a esse recuo precipitado como um “completo e perfeito desastre”.
“A percepção, caso os juros reduzissem ‘na marra’, seria de que acabou a independência do Banco Central”, avalia.
“Os juros futuros subiriam muito, impactando o custo do Tesouro Nacional e o crédito na economia, e isso desaceleraria ainda mais o crescimento. A fuga de capitais provocaria depreciação forte do câmbio, que ampliaria a aceleração da inflação. Ou seja, um completo e perfeito desastre.”
Fonte: CNN Brasil