Governo é forçado a renegociar desoneração, e Haddad teme ampliação de benefício

Publicado em: 30 abr 2024

Ala política defende mais diálogo com municípios e empresas; ministro diz estar aberto, mas tem receio de custos maiores

Ministros da ala política do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) insistem para que Fernando Haddad (Fazenda) amplie as negociações sobre a desoneração da folha de pagamentos também para empresas, além dos municípios.

Em conversas reservadas, Haddad diz que não resiste a negociar. Ele afirma que, desde o ano passado, tenta construir uma alternativa em debates com os setores afetados.

No entanto, o ministro já expressa a pessoas a par do assunto o temor de que novas discussões abram brechas para incluir mais setores além dos 17 já contemplados —o que representaria perda de receita ainda maior em um cenário fiscal de desequilíbrio.

O governo já ofereceu uma proposta de reoneração gradual dos setores. O Congresso, porém, não a abraçou e ainda defende a prorrogação da renúncia fiscal.

O impasse político levou o governo a recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal), onde conta com um cenário favorável sobre o tema, mas corre o risco de novos reveses no Congresso —que pode aprovar outra proposta para estender a desoneração até 2027.

O avanço das articulações dependerá de uma conversa com o presidente do SenadoRodrigo Pacheco (PSD-MG), hoje contrariado com o recurso do governo ao STF. O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) deverá se reunir com o presidente da Casa nesta terça-feira (30).

A percepção no Palácio do Planalto é que Haddad ficará isolado no debate sobre a desoneração da folha de pagamentos se teimar fazer valer apenas a posição do governo no STF.

Na avaliação de aliados do presidente Lula, existe ainda risco de derrotas no Congresso caso Haddad se limite aos termos da proposta já apresentada, de escalonamento da alíquota aplicada às empresas.

Na noite desta segunda-feira (29), Haddad afirmou a jornalistas que tem conversado com os setores afetados e com os representantes dos prefeitos.

“Está havendo conversas, o placar do STF [pró-reoneração] está deixando claro que temos que buscar um caminho para não prejudicar a Previdência. A reforma da Previdência tem uma cláusula que deve ser considerada, se não daqui a três ou cinco anos vai ter de fazer outra reforma da Previdência se não tiver receita”, disse.

“Temos de ter muita responsabilidade com isso. A receita da Previdência é sagrada, é para pagar aposentados. Não dá para brincar com essas coisas. Mas acho que está tudo bem. Conversamos com muita gente. As coisas estão bem. Estou muito confiante. Vai acontecer o que aconteceu com o Perse [acordo]”, afirmou.

O programa de incentivo ao setor de eventos foi prorrogado com menos custos ao Tesouro.

Em fevereiro, o Executivo enviou um projeto de lei ao Congresso no qual propõe um escalonamento da alíquota aplicada às empresas na desoneração.

Segundo relatos, a relatora da matéria, deputada Any Ortiz (Cidadania-SP), afirmou a membros do governo que pretende manter o que foi aprovado pelo Congresso no ano passado.

No começo do mês, o governo retirou o regime de urgência da proposta a pedido da relatora. Dessa forma, o texto seguirá em análise pelas comissões temáticas da Câmara antes de ir à votação em plenário.

Há uma avaliação no governo, no entanto, de que ela terá de ceder, uma vez que o STF já se manifestou contrariamente à desoneração sem apresentação de fontes alternativas de recursos que venham a compensar a perda de arrecadação.

Embora Haddad resista à retomada das tratativas após uma vitória no Supremo, cresce no governo a constatação de que será necessário ceder aos 17 setores atingidos pela medida, sob pena de novas derrotas no Congresso Nacional.

A AGU (Advocacia-Geral da União) recorreu à corte para suspender lei aprovada no Congresso Nacional no ano passado que prorrogou a desoneração da folha de municípios e 17 setores da economia até 2027.

O ministro Cristiano Zanin deu uma liminar, com efeito imediato, suspendendo a lei. O julgamento já tem quatro votos favoráveis ao governo, mas foi suspenso após pedido de vista do ministro Luiz Fux.

Como a Folha mostrou, o ministro da Fazenda está disposto a ceder a uma parte de uma proposta apresentada por municípios que trata da negociação de dívidas e também da reoneração da folha.

Mesmo que Haddad não aceite a totalidade da proposta, prefeitos ampliaram a articulação no Congresso para angariar apoios a uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que abarca a tese defendida por eles.

Isso inclui a retomada da reoneração da folha de pagamentos num escalonamento a partir de 8% em 2024, passando por 10% em 2025, depois 12% em 2026 e fixando em 14% a partir de 2027.

O presidente da CNM (Confederação Nacional dos Municípios), Paulo Ziulkoski, disse que o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) apresentou uma emenda aglutinativa à PEC 66, que trata da dívida de municípios com o regime de Previdência, com a proposta defendida pelos prefeitos.

Ziulkoski afirmou também que já reuniu assinaturas de 32 senadores em apoio a essa emenda e que espera conseguir 50. “Queremos aprovar a nossa proposta”, disse.

O texto defendido pela CNM foi entregue a Haddad e a outros ministros do governo. Haddad sinalizou em conversas que aceita a parte da proposta que renegocia a dívida dos municípios.

Para ele, isso poderia servir como uma compensação ao fim da desoneração da folha. Ziulkoski, porém, não vê isso como suficiente. “O governo pode até ganhar em um momento, judicialmente, mas vai perder logo ali em adiante [no Congresso].”

A desoneração da folha foi criada em 2011, na gestão Dilma Rousseff (PT), e prorrogada sucessivas vezes.

A medida permite o pagamento de alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salários para a Previdência.

No ano passado, o benefício havia sido prorrogado até o fim de 2027 e estendido às prefeituras. Mas o texto aprovado pelo Congresso foi vetado na totalidade por Lula. Em dezembro do mesmo ano, o Legislativo derrubou o veto.

A desoneração vale para 17 setores da economia. Entre eles está o de comunicação, no qual se insere o Grupo Folha, que edita a Folha. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, entre outros.

Fonte: Folha de S. Paulo

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