Por Francelino Valença*
Campo Grande (MS) – O ex-presidente da República e sua família protagonizaram crises envolvendo denúncias de corrupção. Foram muitos os casos, mas aqui vamos nos ater a três. Foi por meio de um servidor público do Ministério da Saúde que o suposto esquema de compra de vacinas contra a Covid-19 foi denunciado. Também foi um servidor público, um delegado da Polícia Federal, que primeiro acusou o Ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro de não periciar madeira ilegal contrabandeada da Amazônia. E foram os auditores fiscais do serviço público brasileiro que resistiram às várias tentativas de “carteiradas” do governo Bolsonaro para reaver as “joias árabes”.
Em todos esses casos, o papel do servidor público foi cumprido contra os supostos corruptores de ocasião. Isso foi possível porque esses trabalhadores são protegidos pelas garantias constitucionais do funcionalismo para que possam aplicar a Lei – o que prova que o combate à corrupção, tão caro à população brasileira, passa obrigatoriamente pela defesa do serviço público. A estabilidade funcional, por exemplo, dá o poder ao trabalhador de dizer não em casos de assédio ou de corrupção ativa.
A população brasileira deveria observar atentamente esses fatos, para além da busca por justiça. Isso porque, no Congresso Nacional, um grupo de parlamentares trabalha para a aprovação de instrumentos que vão beneficiar corruptos e corruptores. É o caso da PEC 32, a Reforma Administrativa, que altera de forma grave os princípios da administração pública e imputa insegurança jurídica aos servidores, que estarão submetidos ao desmando de governantes em exercício; e do PLP 17, que chamamos de ‘Código de Defesa do Sonegador’. Este traz instrumentos absurdos que dificultam ou impedem uma fiscalização criteriosa e efetiva, o que contribuirá para facilitar a sonegação, a fraude fiscal e a corrupção.
A Reforma Tributária, por sua vez, pode ter um papel fundamental para alçarmos o fisco ao patamar de excelência dos países desenvolvidos, caso seja aprovada com a inclusão de comandos constitucionais que definam claramente as competências tributárias dos respectivos entes federativos e possibilitem a reestruturação da Administração Tributária, dotando os integrantes das carreiras de atribuições e prerrogativas necessárias e prevendo dispositivos que assegurem a autonomia da administração tributária, distanciando assim essas carreiras de nefastas ingerências políticas.
A corrupção, em qualquer lugar do mundo, causa prejuízos ao povo. A extração ilegal de madeira, por exemplo, acarreta prejuízos ambientais, sociais e econômicos, porque desvaloriza a madeira produzida por manejo florestal. Por sua vez, a má fé no uso do dinheiro público no setor da saúde resulta em mortes. Já a sonegação fiscal, que também constitui um crime, limita o investimento em políticas públicas, infraestrutura, serviços sociais e de seguridade social. Trata-se, afinal, de menos dinheiro para o combate à fome e ao desmatamento, menos investimento em hospitais, em escolas, na agricultura ou para o desenvolvimento da indústria. Para se ter uma ideia, segundo estudo feito pela Fenafisco, a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital, empresas devem, no Brasil, quase 1 trilhão de reais em impostos, dinheiro esse que fortaleceria o desenvolvimento do país.
Os trabalhadores estão na linha de frente do serviço público e precisam de isenção, independência funcional e estabilidade para denunciar situações que considerem suspeitas sem receber retaliações. Caso contrário, os casos que vimos acima irão se multiplicar aos milhares e os recursos públicos serão, como nos versos do poeta, subtraídos em tenebrosas transações.
*Francelino Valença, Doutorando em direito, auditor fiscal do Tesouro do Estado de Pernambuco e Presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco)
Fonte: Carta Capital