4 em cada 10 pobres são adolescentes e crianças

Publicado em: 13 jul 2021

Campo Grande (MS) – Crianças e adolescentes respondiam, em 2019, por 40,3% de todos os pobres brasileiros. Ao todo, eram 20,8 milhões de pessoas que enfrentavam, no início de suas vidas, restrições que comprometem as oportunidades para o futuro. Estudo exclusivo do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) calcula que são necessários R$ 49,8 bilhões por ano para erradicar a pobreza infantil no país, considerando uma linha nacional e única para a definição do critério de pobreza.

Quando se considera a pobreza por linhas regionalizadas (que refletem diferenças no custo de vida local), o número de crianças e adolescentes é menor (15,8 milhões) e também é inferior a parcela do total de pobres (31,2%). Por esse cálculo, o montante estimado em transferências de renda para eliminar a pobreza infantil é de R$ 28,2 bilhões por ano.

No grupo de zero a 17 anos, a incidência de pobreza – a parcela de pobres em relação ao total da população daquela faixa etária – é de 41%, mais que o dobro que a da população acima de 18 anos (19,5%), considerando a linha nacional.

O trabalho usa os dados mais recentes disponíveis da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua anual, relativos a 2019. Mas o cenário de pobreza infantil deve se mostrar ainda pior quando saírem as informações relativas ao ano passado, em outubro, diante das consequências da pandemia e do aumento do desemprego, apontam especialistas.

“Sem dúvida, a pobreza se intensificou em 2020. A pandemia trouxe uma piora
intensa do mercado de trabalho, concentrada nos grupos de renda mais baixa. A
renda é um dos critérios para a definição de pobreza. E no Brasil tem um papel mais
proeminente, já que bens públicos como educação, saúde e cultura são mais

limitados”, afirma o economista Paulo Tafner, responsável pelo estudo e diretorpresidente do instituto.
O cálculo para a erradicação de pobreza infantil do IMDS estima o valor que seria
necessário em transferências de renda para garantir que as famílias às quais essas
crianças e adolescentes pertencem deixem a chamada linha da pobreza. Na linha
nacional, são usados critérios do Banco Mundial, que correspondiam, em 2019, a
cerca de R$ 436 por mês per capita.

Já na conta pelas linhas regionalizadas, há valores diferentes de acordo com a região
do país, a partir de metodologia desenvolvida por Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe (Cepal), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na área metropolitana de
São Paulo, por exemplo, é de R$ 392,42 por mês per capita, enquanto na área rural
do Nordeste é de R$ 312,55 per capita.

Para o economista, os valores encontrados para a erradicação da pobreza infantil
[R$ 49,8 bilhões e R$ 28,2 bilhões por ano] “não são muito dinheiro” para a realidade
brasileira e é preciso que o país invista mais nas crianças e em mecanismos que
possam ajudá-las a deixar a pobreza para trás.

“Temos mais de R$ 300 bilhões em subsídios a empresas. É preciso pensar em como
criar uma sociedade brasileira mais dinâmica em termos de mobilidade social e
definir prioridades”, afirma Tafner, lembrando que o fato de nascer pobre não
deveria ser determinante para o futuro das crianças.

“O Brasil ainda não acordou para o fato de que a pobreza é muito concentrada entre
aqueles com até 17 anos. A gente não investe no futuro.”

São crianças como os cinco filhos de Ana Maria Silva, de 36 anos. Antônia (3 anos),
Hellena (6 anos), Octávio (8 anos), Laura Gabryelle (12) e Kauan Ury (15 anos) vivem
com a mãe em uma casa construída no terreno da avó, no Parque Santo Antônio, na
periferia de São Paulo. A família vive atualmente apenas da renda do auxílio-doença
da mãe, que sofreu um acidente e está afastada do trabalho de auxiliar de
sorveteiro, pelo qual recebia salário bruto de R$ 1.500, que viravam pouco mais de
R$ 1 mil líquidos.

“Cheguei a ganhar mais de R$ 3 mil em um trabalho anterior, mas perdi o emprego
e a vida mudou. Agora, é tudo bem regrado”, conta ela.
Diretora de Programas da ActionAid, Ana Paula Brandão diz que a pesquisa mostra
em números o aumento da pobreza que já tinha sido percebido pela organização
nos trabalhos em diferentes áreas do país, antes mesmo da pandemia, que acabou
por agilizar esse avanço.

“É muito difícil romper o ciclo da pobreza no Brasil e o que se vê é que a inclusão da
classe média não foi uma transformação de fato. A situação dessas pessoas é ainda
muito insegura. E as crianças são muito vulneráveis, são as mais impactadas”,
afirma.

Mais do que a situação atual de pobreza vivida por essas crianças, aponta o diretor executivo
da Ação da Cidadania, Rodrigo Kiko Afonso, chamam a atenção as
consequências para o futuro. Segundo ele, o atual modelo da sociedade brasileira
“perpetua” a pessoa na pobreza, ao não dar condições de saída dela, por falta de
acesso a renda e a direitos como saúde e educação de qualidades.

“A realidade é muito dura para essas crianças e jovens, que precisam enfrentar
muitas barreiras. Sair da pobreza é quase um milagre”, afirma Afonso, destacando

que a pandemia intensificou ainda mais a pobreza e a fome. “Não consigo ter um
olhar de melhoria da situação a curto e a médio prazos.”
O estudo também traz dados por Estado brasileiro: São Paulo, Rio de Janeiro e
Maranhão são alguns dos que se destacam negativamente em pobreza de crianças
e adolescentes.

São Paulo, por exemplo, reúne 12,6% das crianças e jovens pobres do país, embora
a incidência seja de 25,4%, ou seja, pouco mais de 2 a cada 10 crianças que moram
no Estado são pobres. Já o Maranhão tem 7,2% das crianças pobres do país, mas
quase sete a cada dez crianças e jovens do Maranhão são pobres (69%), o pior
desempenho em todo o país neste quesito, considerando a linha nacional de
pobreza.

Os dados completos do estudo foram  publicados no site do Instituto Mobilidade e
Desenvolvimento Social (IMDS).

Fonte: Valor Econômico

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