Campo Grande (MS) – Depois da pressionar para que o relatório da proposta de reforma tributária fosse apresentado esta semana, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu extinguir a Comissão Mista que trabalhou no assunto. A decisão foi anunciada logo após o relator da reforma, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentar seu parecer de 110 páginas, na tarde de ontem, e provocou polêmica. Na prática, a medida invalida o relatório e lança dúvidas sobre a continuidade das discussões.
Arthur Lira, porém, sustentou que sua decisão teve caráter meramente técnico, por entender que o número máximo de sessões foi extrapolado. Ao todo, foram realizadas mais de 70 reuniões, sendo que a previsão regimental para comissões mistas é de 40. Segundo ele, devido à complexidade e à delicadeza do tema, foi necessário extinguir a Comissão Mista, tendo em vista que o texto poderia ser contestado judicialmente por descumprir o regimento do Congresso Nacional.
Além disso, afirmou que os trabalhos da comissão não serão perdidos. “O objetivo, na realidade, é o de preservar a tramitação da reforma tributária no Congresso Nacional. Quero agradecer imensamente ao relator Aguinaldo Ribeiro, pelo excelente e extraordinário trabalho. E acho que nós partiremos de um conjunto de reflexões já avançadas. Nada se desperdiça no Congresso Nacional. E o relatório final da reforma, sem dúvidas, irá incorporar alguns pontos do relatório do Aguinaldo, senão uma grande parte. Não tenho dúvidas disso”, disse.
O presidente da Câmara acrescentou que trabalhará com o relator para construir um texto que possa ser aprovado rapidamente. E repetiu uma frase que usa com frequência: “Entre o tudo e o nada, eu prefiro o melhor possível. É o que faremos”, disse. “Se é votando um texto completo da reforma sobre consumo, se é da reforma sobre renda, se é fatiado, ou o que for mais conveniente. Mas o que todos os brasileiros precisam ter consciência é que terá respaldo, segurança jurídica e a maior brevidade possível, com a amplitude de debates nesta Casa para que o sistema tributário brasileiro seja mais simples, menos burocrático e com mais segurança jurídica”, completou Lira.
A confusão indica que não há, ainda, consenso no Congresso sobre a melhor forma de tramitação ou sobre o conteúdo da reforma. Na semana passada, após reunião com o ministro da Economia, Paulo Guedes, o presidente da Câmara disse que pretende — com aval do governo — começar as discussões da reforma tributária pelos pontos sobre os quais há consenso, para agilizar a aprovação. Temas mais polêmicos, como a recriação de um tributo nos moldes da antiga CPMF, ficariam para o final.
Com isso, o texto pode ser fatiado em quatro partes, com metade dos projetos na Câmara e a outra metade no Senado — ideia que gerou críticas de parlamentares na semana passada. Em discurso no plenário da Câmara, o líder do governo na Casa, Ricardo Barros (PP-PR), afirmou que o objetivo é começar pela simplificação tributária, com a união de impostos. “Vamos começar pela simplificação tributária e, depois, avançar na direção de organizar um sistema tributário mais fácil, mais simples, que custe menos para o contribuinte”, disse, na ocasião.
Para o cientista político André Rosa, o clima pode esquentar no Congresso após a decisão. Isso porque ele acredita que o relator deve rejeitar a ideia de um fatiamento, pois isso o faria perder o protagonismo no tema. Além disso, com a queda do relatório, todas as emendas também se perdem, sendo que cada uma delas coletou 171 assinaturas na Câmara ou, no caso do Senado, 27.
“Reforma tributária é um tema importante, que chama a atenção. O apoio a uma reforma sempre existiu, mas é uma pauta complexa. Envolve muitos setores e indústrias. O relatório do deputado Aguinaldo foi muito amplo, mexeu com muitos setores e, consequentemente, com muitos interesses ao mesmo tempo. Por isso, a narrativa do Lira de fazer uma mais enxuta”, disse André Rosa.
Relator desenhou projeto amplo e abrangente
O relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), lido ontem no plenário da Câmara, prevê a realização de uma reforma tributária ampla e abrangente. O texto propõe a unificação de cinco tributos em um único imposto, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Com isso, seriam extintos o PIS, a Cofins e o IPI, que são tributos federais; o ICMS, que é estadual; e o ISS, municipal.
O objetivo, segundo o parecer do relator, é “modernizar e simplificar o sistema tributário, dar mais transparência aos cidadãos sobre o quanto lhes é cobrado a título de impostos, combater a regressividade tributária, findar a guerra fiscal e garantir aos entes tributantes a receita necessária ao desempenho de seu papel constitucional, instituímos o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que será complementado pelo Imposto Seletivo”.
O relatório foi apresentado na forma de um substitutivo às propostas de Emenda Constitucional nº 45/2019 e nº 110/2019.
O parecer prevê, ainda, a instituição de um Imposto Seletivo, que incidiria sobre determinados bens, como cigarros e bebidas, algo nos moldes do que é chamado entre especialistas por “imposto do pecado”, e já foi defendido pelo ministro Paulo Guedes, no ano passado.
A transição para o novo sistema tributário, segundo o relatório, seria gradativa e ocorreria em um prazo de seis anos — menor período do que o previsto pela PEC 45/2019. Após esse processo, a alíquota do IBS seria decidida, sendo a soma dos impostos da União, dos estados e dos municípios.
Ribeiro havia sugerido que fossem preservados benefícios fiscais pelo dobro do período de transição para atividades como a agropecuária, serviços de saúde e educação, entre outros. Além disso, o parecer também recomendava a implementação de um programa para restituição do imposto pago por famílias de baixa renda em alimentos, ao invés das atuais isenções de tributos.
Na proposta do relator, o IBS não seria cumulativo. Por isso, as empresas só recolheriam o imposto após descontar o valor gasto com os insumos. De acordo com o deputado, essa medida diminuiria a procura na Justiça para a recuperação de créditos fiscais.
Segundo o texto, o IBS também evitaria a sonegação e poderia diminuir o número de ações judiciais por questões tributárias. “Verificamos que os processos de execução fiscal são verdadeiros gargalos na atividade do Poder Judiciário, sendo os principais responsáveis por sua alta taxa de congestionamento”, disse o deputado.
Fonte: Correio Braziliense