Campo Grande (MS) – Apesar do adiamento do anúncio das novas regras para as contas públicas pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o texto deve ganhar prioridade na Câmara dos Deputados e ser votado antes mesmo da análise da reforma tributária.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), quer pautar as mudanças nas regras fiscais ainda no primeiro semestre, logo após o envio formal do texto ao Congresso.
A relatoria deve ficar com um parlamentar do PP, mesmo partido de Lira. O presidente da Casa afirmou à reportagem que ao menos cinco deputados da legenda estão sendo considerados para a relatoria.
A indicação havia sido prometida ao deputado Mendonça Filho (União Brasil-PE), mas, segundo relatos feitos à Folha, o fracasso das negociações entre o partido e o PP para a formação de uma federação partidária entre as duas legendas acabou minando o acordo.
O projeto deve passar à frente da proposta que une e simplifica os tributos sobre consumo —que, diferentemente do novo marco, já está em tramitação. As duas agendas são prioritárias para o Ministério da Fazenda.
O próprio governo admite que a aprovação da regra fiscal deve ser mais célere. O ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT), disse nesta quarta-feira (22) que “com certeza” o projeto será votado antes da reforma tributária.
Lira afirmou que tem dado “sinais públicos de fortalecimento” do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), na discussão sobre o novo arcabouço fiscal.
“Haddad está sofrendo críticas do mercado e do PT. [Se recebe] crítica dos dois lados, é porque está bom o texto”, disse Lira a jornalistas na noite de terça-feira (21).
“Ficamos de ter uma reunião com todas as lideranças na quarta até que [o governo] decidiu adiar para depois da viagem do Lula para a China [o anúncio da nova regra], porque achava ruim anunciar e viajar”, afirmou.
Segundo o presidente da Câmara, o governo ainda não apresentou projeções dos efeitos do novo marco fiscal nos próximos anos. Como mostrou a Folha, ainda há indefinição em relação a parâmetros que ditarão a dinâmica futura dos gastos. Por isso, ainda há ajustes a serem feitos na proposta.
A decisão sobre a ordem de prioridades entre as duas matérias está relacionada a questões legislativas e políticas.
A nova regra fiscal será um projeto de lei complementar, que tem tramitação mais simples no Congresso, mas requer maioria absoluta de votos: 257 deputados e 41 senadores, em apenas um turno de votação em cada Casa.
Já a reforma tributária é uma PEC (proposta de emenda à Constituição), que segue um rito próprio de tramitação. O texto já passou por comissões na Câmara e está pronto para ir ao plenário, mas, diante da perspectiva de mudanças, é atualmente debatido em um grupo de trabalho.
Para ser aprovada, uma PEC precisa do apoio de 308 deputados e 49 senadores, em dois turnos de votação em cada Casa.
Além disso, o tema da reforma tributária é considerado mais complexo. Embora parlamentares, integrantes do governo e empresários digam que há um consenso sobre a necessidade de simplificar o atual sistema, as minúcias da proposta mexem com interesses de grandes grupos —que se tornam vetores de pressão sobre o Parlamento.
O setor de serviços é um dos que temem a elevação da carga tributária sobre o segmento, que hoje sofre menor incidência de PIS e Cofins, dois tributos federais que seriam unificados no novo IVA (Imposto sobre Valor Agregado). O agronegócio também tem dado dor de cabeça nas negociações, impondo resistências.
Por isso, a avaliação do presidente da Câmara é que não há ambiente para a reforma tributária ser votada antes da nova regra fiscal.
Parlamentares da Casa afirmam que a aprovação do novo marco, por sua vez, pode dar uma sinalização importante ao mercado financeiro, no momento em que o governo amplia os apelos para que o Banco Central corte a taxa básica de juros, a Selic, hoje em 13,75% ao ano.
A aceleração do projeto de lei, na avaliação de deputados, transmitiria uma mensagem de compromisso com as contas públicas que seria benéfica para a imagem do governo e do país, atraindo investidores e criando um ambiente favorável para que o BC consiga relaxar sua política monetária.
O deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) diz que Lira tem dialogado com os parlamentares sobre o avanço da pauta econômica.
“Há sentimento de que podemos priorizar a âncora fiscal. Com essa pauta aprovada, daremos previsibilidade, buscaremos redução da taxa de juros e teremos uma sinalização clara para o equilíbrio das contas públicas, além de melhorar nossa nota de crédito e a imagem do Brasil para buscar investimentos internacionais”, avalia.
VEJA O PERCURSO DA NOVA REGRA FISCAL NO CONGRESSO
Onde começará a tramitação?
Por se tratar de um projeto de lei complementar encaminhado pelo Poder Executivo, o texto começará a tramitar na Câmara dos Deputados. A Casa terá a palavra final sobre o conteúdo, caso o Senado promova alterações durante a apreciação.
Por onde a proposta de regra fiscal pode passar na Câmara?
Um projeto de lei complementar normalmente é encaminhado para análise das comissões especializadas em temas contemplados pela proposta —chamadas comissões de mérito. Há ainda as comissões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça, que podem analisar o mérito e/ou a admissibilidade dos projetos de lei complementar, isto é, se eles estão de acordo com regras orçamentárias e preceitos constitucionais. Todos devem passar também pelo plenário.
O projeto pode ir para uma comissão especial?
Projetos que tratam de assuntos relativos a mais de três comissões de mérito são enviados para uma comissão especial, que substitui todas as outras.
Pode tramitar em regime de urgência?
O plenário pode aprovar um requerimento para que o projeto de lei complementar passe a tramitar em regime de urgência. Geralmente, isso depende de acordo de líderes. O presidente da República também pode solicitar urgência para votação de projeto de sua iniciativa. Nesse caso, a proposta tem que ser votada em 45 dias, ou passará a bloquear a pauta da Câmara dos Deputados ou do Senado (a depender de onde estiver no momento).
Como funciona o regime de urgência?
Projeto em regime de urgência pode ser votado rapidamente no plenário, sem necessidade de passar pelas comissões. Os relatores da proposta nas comissões dão seu parecer durante a sessão no plenário. O texto é lido na tribuna, e há possibilidade de votação imediata.
O que é preciso para a proposta ser aprovada no Congresso?
Projetos de lei complementar exigem maioria absoluta de votos favoráveis, isto é, mais da metade dos integrantes de cada Casa. Isso significa reunir ao menos 257 votos na Câmara e 41 votos no Senado.
Qual é o percurso final da tramitação?
Um projeto de lei complementar enviado pelo Executivo é apreciado primeiro pela Câmara dos Deputados. Em seguida, o texto segue para o Senado. Caso não haja mudanças, o texto vai à sanção presidencial.
No entanto, se os senadores fizerem modificações no texto, o projeto retorna para a Câmara, que terá palavra final —os deputados podem acatar as mudanças dos senadores ou restituir o texto originalmente aprovado na Câmara. Após nova votação, o texto é remetido à sanção do presidente da República.
O chefe do Executivo tem 15 dias úteis para sancionar o projeto integral ou com vetos parciais em alguns dispositivos, ou ainda vetá-lo totalmente. Todos os vetos passam pela validação do Congresso, que pode derrubá-los mediante maioria absoluta de deputados (257) e senadores (41).
Idiana Tomazelli , Julia Chaib , Victoria Azevedo , Cézar Feitoza , Thiago Resende e Nathalia Garcia
Fonte: Folha de São Paulo