Campo Grande (MS) – No dia 26 de abril, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei 13.655/2018, que inseriu no Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do Direito Público. Essas alterações, no entanto, provocarão grande influência na área de Direito Tributário, especialmente quando se analisa a sua aplicação nas decisões declaratórias de inconstitucionalidade ou de ilegalidade de atos normativos em favor do contribuinte.
De fato, quando se analisa tais alterações à luz do Direito Tributário, algumas preocupações são despertadas, chamando atenção a utilização de termos abertos em sua redação e o impacto na motivação das decisões judiciais. Nesse sentido, cabe destacar que a própria Procuradoria-Geral da República encaminhou nota técnica à Presidência da República, elaborada pelas 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 7ª câmaras de Coordenação e Revisão do MPF e pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, concluindo que deveria haver veto integral ao projeto de lei da referida norma. Não obstante o parecer dessa nota técnica, houve a promulgação da lei, levantando grandes discussões, as quais se destacam neste breve ensaio acerca da influência nas decisões judiciais envolvendo matéria tributária.
Não é desconhecido que o argumento pragmático ou consequencialista de cunho econômico vem sendo levantado pelas Procuradorias para afastar decisões favoráveis aos contribuintes. Esse argumento é baseado em números “mágicos” e alarmantes, com previsões apocalípticas sobre as dificuldades financeiras que o governo enfrentará caso a decisão seja desfavorável aos seus interesses. Contudo, apesar de apelativo e sensacionalista, o argumento do “rombo” nos cofres públicos vem sendo aguerridamente combatido pelos contribuintes.
Ocorre que, ao determinar que não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão, as mencionadas alterações na LINDB, trazidas pela Lei 13.655/2018, especificamente no artigo 20, acabaram por permitir que direitos sejam afastados, em virtude de tais argumentos pragmáticos ou consequencialistas de cunho econômico. Isso acontece porque as decisões que declaram a inconstitucionalidade de leis tributárias que criaram ou majoraram determinado tributo provocam o direito à repetição de indébito para o contribuinte. Com base nessa situação, o Fisco vem alegando, insistentemente, que tais decisões provocarão consequências práticas graves aos cofres públicos e, consequentemente, a administração pública, na medida em que suas atividades serão afetadas.
Com efeito, o novo artigo 20 da LINDB refere que as decisões judiciais devem considerar as suas consequências práticas quando foram fundamentadas em valores abstratos. Esse novo dispositivo traz grande preocupação, na medida em que vem atender justamente ao clamor do Fisco para que o Judiciário passe a tomar decisões desfavoráveis ao contribuinte com base nas consequências da saúde financeira estatal, porquanto as decisões declaratórias de inconstitucionalidade de leis tributárias, em tese, provocam consequências práticas gravosas aos cofres públicos, seja porque o governo deixará de arrecadar tributos, seja porque o contribuinte passará a ter o direito à repetição de indébito. Assim, quando essas decisões forem embasadas em princípios, como o da legalidade ou anterioridade, ou qualquer outro princípio que limita o poder de tributar do Estado, tais decisões deverão analisar as consequências práticas e, caso negativas, convalidarão inconstitucionalidades?
Essa preocupação ganha grande destaque quando se trata da decisão de modular os efeitos das decisões declaratórias de inconstitucionalidades de leis tributárias, pois os requisitos materiais desse instituto jurídico, quais sejam, segurança jurídica e excepcional interesse social, são justamente conceitos jurídicos indeterminados e, assim, as decisões de modular os efeitos das declarações de inconstitucionalidades passarão a ter forte influência das consequências práticas, o que desperta grande preocupação quando se trata de Direito Tributário.
De fato, o instituto da modulação temporal de efeitos segue prosseguimento especial, previsto na Lei 9.868/99, e não há referência nesse dispositivo legal ao tribunal analisar as consequências práticas de suas decisões, sendo que tal procedimento especial possui primazia sobre aquele previsto na LINDB. Contudo, não se tem como afirmar que o Judiciário, após as novas disposições da LINDB, passará a inserir o pragmatismo ou consequencialismo em suas decisões acerca da modulação.
De qualquer modo, a confirmação da inserção do argumento pragmático ou consequencialista de cunho econômico como condicionante de uma decisão judicial em matéria tributária, sobrepondo argumentos jurídicos, provocaria a terrível sensação de que o Poder Judiciário, de fato, passaria a exercer a função de uma espécie de “segunda instância do governo”. Isso acontece porque o Judiciário passaria a confirmar situações de inconstitucionalidade ou ilegalidade promovidas pelo Legislativo e pelo Executivo. Ademais, as decisões que reconhecem que há violação a determinados direitos dos contribuintes, mas que são julgadas em seu desfavor, sob o fundamento de que provocariam consequências práticas negativas a saúde financeira do Estado, funcionariam como um incentivo para o Estado continuar violando esses direitos dos contribuintes, pois, ao final, ele sofrerá as mesmas consequências do que seguir a risca as determinações constitucionais ou legais, ou seja, obteria a arrecadação dos tributos.
Como pode ser observado, tais circunstâncias acabam provocando grandes preocupações, porquanto o Judiciário desempenha um importante papel contramajoritário, especialmente quando é chamado a invalidar atos proferidos pelos outros Poderes que violam direitos e garantias constitucionais. Dessa maneira, caso o Judiciário passe a afastar a declaração de determinados direitos aos contribuintes, em virtude das consequências financeiras e econômicas que essas decisões poderiam provocar à saúde financeira do Estado, não haveria mais o cumprimento do dever daquele que seria o guardião dos direitos e garantias constitucionais.
Entretanto, cabe destacar que não se quer dizer que o Judiciário não deve avaliar as consequências de suas decisões, tampouco que não deve haver um diálogo com a sociedade e com os demais Poderes, mas que as decisões judiciais devem ser embasadas em fundamentos jurídicos, sendo que as consequências práticas possuem a função de mero reforço nessa fundamentação. Logo, as consequências práticas não podem, por si só, determinar a decisão a ser tomada pelo julgador, ou seja, quando o magistrado se depara com uma situação em que a lei ou a Constituição garanta determinado direito, seja através de regra ou princípio, a avaliação das consequências práticas dessa decisão não pode afastar tal direito do cidadão. Assim, o reconhecimento de determinado direito não deveria estar condicionado às consequências práticas que essa decisão poderia acarretar.
Outro ponto preocupante é o fato de que decisões que tratam de situações semelhantes poderão ser tomadas de forma diferente, pois cada magistrado pode avaliar as consequências dessas decisões de forma diversa, embora semelhantes entre si, ocasionando insegurança naqueles que postulam perante o Judiciário seus direitos. Desse modo, não há como falar em segurança jurídica nas prolações de decisões judiciais.
Portanto, não se sabe ainda como serão aplicados estes novos dispositivos legais da LINDB nas decisões judiciais, especialmente quando se trata de decisões de matéria tributária, em que provocará prejuízo financeiro ao Estado para que, assim, seja garantido determinado direito do contribuinte. Todavia, o que se sabe é que as referidas alterações da LINDB que visam promover segurança jurídica, na verdade, podem promover insegurança jurídica. Cabe, assim, ao contribuinte aguardar para ver como o Poder Judiciário enfrentará esse tipo de questão.
*Maceno Lisboa da Silva é advogado na área de Direito Tributário.