Opinião: PIS/Cofins, conceito de insumos e despesas comerciais

Publicado em: 08 jun 2018

*Por Paulo Roberto Andrade e Marcos Tranchesi Ortiz 

Campo Grande (MS) – O Superior Tribunal de Justiça julgou, neste primeiro semestre de 2018, um dos mais rumorosos leading cases tributários da atualidade (REsp 1.221.170), no qual se debatia o alcance do conceito de “insumos” para fins de creditamento no regime não cumulativo de PIS/Cofins. 

Com necessário esforço de síntese, três correntes hermenêuticas disputavam, em doutrina e jurisprudência, a primazia do conceito, a saber: 

(a) uma corrente mais restrita, haurida do IPI e prestigiada nas famigeradas IN/RFB 247/02 e 404/04, que acolhia como insumos somente itens que se incorporassem ao produto final ou, quando menos, que se desgastassem em contato direto com este; 

(b) uma corrente mais elástica, que subsumia ao conceito todo e qualquer dispêndio necessário ao desempenho do empreendimento econômico, à semelhança das “despesas necessárias” aplicáveis ao Imposto de Renda (RIR/99, artigo 299); e 

(c) uma corrente intermediária, calibrada a meio caminho entre os dois extremos acima, segundo a qual são insumos os dispêndios pertinentes à etapa produtiva da atividade do contribuinte, sem, porém, necessidade de que interajam diretamente com o produto final em elaboração. 

Essas três correntes ganharam voz e espaço no leading case. A mais elástica foi inicialmente empunhada pelo ministro relator Nunes Maia, na já longínqua primeira sessão de julgamento do caso, em setembro de 2015. A corrente mais restrita foi encampada pelos ministros Og Fernandes, Benedito Gonçalves e Sergio Kukina, que formaram a minoria vencida. Prevaleceu, então, a mais salomônica corrente intermediária, sustentada no colegiado inicialmente pelo ministro Mauro Campbell, dela já bastante convencido desde que relatara o REsp 1.246.317 na 2ª Turma (caso “Domingos Costa”). 

O voto trazido, na sequência, pela ministra Regina Costa a princípio alinhava-se conceitualmente ao do ministro Mauro, nada mais que com diferentes nuances terminológicas na catalogação dos fenômenos relevantes, conforme consignou o próprio ministro Mauro no segundo aditamento ao seu voto[1]. O relator Nunes Maia, então, aderiu ao entendimento intermediário, tanto quanto os ministros Gurgel de Faria e Assusete Magalhães, compondo-se, assim, por 5 votos, a maioria vencedora. 

Transcrito ipsis literis no voto do relator, o voto da ministra Regina acabou sendo, no seu conteúdo, o voto vencedor do acórdão. 

Triunfou, portanto, no leading case, a referida exegese intermediária, que aceita como insumos bens e serviços “essenciais” ou “relevantes” — na dicção do próprio julgado — ao processo produtivo do contribuinte. Por mais importantes que possam ser à geração de receita e ao empreendimento globalmente considerado, os dispêndios desvinculados do segmento de produção — leia-se, da etapa produtiva — do contribuinte não galgarão, nunca, a condição de insumos. 

É por isso, aliás, que apenas indústrias e prestadores de serviços estão referidos no inciso II do artigo 3º da Lei 10.833/03. Empreendimentos exclusivamente comerciais não apropriam insumos simplesmente porque nada produzem. 

No leading case, o reflexo mais objetivo dessa constatação foi a definição dos dispêndios do contribuinte cuja análise de essencialidade e relevância foi delegada ao tribunal de origem. Dentre os vários itens que compunham o seu pedido, apenas aqueles afeitos à produção foram selecionados para o “teste de subtração”[2], a saber: água, combustíveis, lubrificantes, materiais de laboratório, materiais de limpeza e equipamentos de proteção individual. 

Todos os dispêndios vinculados aos segmentos administrativos e comerciais do contribuinte — seguros, viagens, comissões a representantes comerciais, promoções, propaganda, telefonia — não foram convocados ao teste, simplesmente porque desatendiam o requisito primeiro de vínculo ao processo produtivo. Vênia ao trocadilho, seria irrelevante examinar-lhes a relevância. 

No voto do ministro Mauro, esse fundamento para a exclusão dos tais itens veio exposto de maneira bastante clara e conclusiva: 

“É que tais custos e despesas não são essenciais ao processo produtivo da empresa que atua no ramo de alimentos, de forma que a exclusão desses itens do processo produtivo não importa a impossibilidade mesma da prestação do serviço ou da produção” (fl. 62). 

No voto da ministra Regina, diversamente, esse fundamento não aparece com a mesma clareza. Ao contrário, há nele passagens que mitigam a necessidade de vínculo ao processo produtivo (indústria/serviço) e sugerem a adoção de um conceito mais amplo, muito próximo, senão idêntico, ao das “despesas necessárias” do IR, compatível com a corrente mais elástica supostamente recusada pelo colegiado. 

Em respaldo ao seu entendimento, sua excelência chega a referir dois precedentes seus do TRF-3, nos quais deferiu o creditamento sobre despesas de publicidade e de taxas de cartão de crédito em favor de grandes redes varejistas. Mais “corrente do IR” do que isso impossível… 

Fica-nos a dúvida, então, se a ministra Regina reviu o entendimento que comungava à época de desembargadora federal, recuando o seu conceito de insumos para dentro das fronteiras do processo produtivo, ou se, ao contrário, manteve-o íntegro e inalterado; nessa segunda hipótese, será difícil conciliá-lo com o entendimento do ministro Mauro, com quem formalmente convergiu no julgamento do leading case. 

Será, talvez, que a ministra Regina manteve o crédito de despesas comerciais apenas para empresas comerciais, como se vendas fossem, por analogia, o setor “produtivo”, ou o core business, de uma empresa comercial? É uma especulação possível. 

Essa fundada hesitação quanto ao verdadeiro alcance do conceito de insumos impregnou a própria tese de direito consagrada na ementa. Confira-se: 

“b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item — bem ou serviço — para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”. 

Um postulado verdadeiramente afinado com a corrente intermediária deveria se referir à “atividade produtiva”, ou à “atividade industrial e de prestação de serviços”, nunca à “atividade econômica”, expressão com amplitude semântica inequivocamente maior; ao preferir “atividade econômica”, a tese fixada no acórdão legitima operadores do Direito a nele enxergarem a prevalência de um conceito mais abrangente de insumos, que alcance também despesas desvinculadas da produção, desde que igualmente relevantes ao empreendimento, como são, por exemplo, as despesas com marketing e publicidade (tanto para empresas comerciais quanto para industriais e prestadoras de serviço, registre-se). 

Na nossa percepção, os debates travados no leading case centraram-se muito mais em torno da intensidade do vínculo (essencialidade, relevância, pertinência) do que do próprio vínculo em si. Buscou-se obstinada resposta à pergunta “qual a intensidade do vínculo?”, e descuidou-se da pergunta mais singela “vínculo com o quê?”. Daí porque o tratamento das despesas desconectadas do segmento produtivo tenha ficado, a nosso ver, um tanto “solto”. 

O cenário pedia embargos declaratórios, sem sombra de dúvidas. O contribuinte, e as entidades que lhe assistiam como amici curiae, contudo, optaram por não os interpor. Ainda mais interessada em um aclaramento que ratificasse a limitação do conceito à etapa produtiva, neutralizando exegeses mais assanhadas para o acórdão, a PGFN até apresentou embargos, que não feriram o ponto, porém. 

O acórdão, portanto, transitará em julgado sem entregar tudo o que prometia. Uma das pontas do conceito de insumos foi, sim, conclusivamente costurada: não é necessário que o item tenha qualquer contato direto com o produto em elaboração; as IN/RFB 247/02 e 404/04 são, pois, ilegais. Já a outra ponta segue razoavelmente em aberto, ante as imprecisões aqui referidas. Enfim, sabe-se bem, agora, onde o conceito começa, mas não está absolutamente claro onde termina. 

Caberá, doravante, às 1ª e 2ª turmas darem a “interpretação autêntica” do acórdão repetitivo, a respeito da inclusão ou não das despesas comerciais essenciais no conceito de insumos. Em nosso prognóstico, não tardará para que o próprio STJ logre dúvida sobre o que decidiu no leading case. Aliás, isso já está a ocorrer. Em sessões realizadas em abril e maio últimos, foi à pauta da 2ª Turma o REsp 1.642.014, no qual uma rede varejista pedia o creditamento sobre despesas com taxas de administradoras de cartão de crédito, alegando serem essenciais ao seu empreendimento (e quem duvidará que o sejam?). 

Era de se esperar, então, que o tribunal julgasse o caso sem maior hesitação, aplicando-lhe o entendimento que, afinal, firmara semanas antes no leading case. Nas duas confusas sessões, porém, simplesmente não houve consenso e, em meio a pedidos de vistas cancelados e questões de ordem suscitadas, o caso foi retirado de pauta e retornou ao ministro relator Og Fernandes para reanálise. 

Aguardemos os próximos capítulos dessa novela que insiste em não terminar. 

[1] “Para o somatório das três situações dei o signo de ‘pertinência e essencialidade’, que agora a Min. Regina Helena batizou de ‘essencialidade e relevância’, mas o conteúdo é idêntico.”

[2] A expressão foi cunhada pelo ministro Mauro Campbell para referir ao grau de importância dos custos e despesas na geração do produto final. Atendem, nesse sentido, ao “teste de subtração” os dispêndios cuja supressão prejudica a própria obtenção do produto final sob seus atuais parâmetros de qualidade ou quantidade.

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