O objetivo é reduzir os altos gastos de pessoal no setor estatal, aumentar sua eficiência e reduzir privilégios entre funcionários públicos.
O Brasil destina 13,8% de seu PIB a despesas com servidores públicos. Isso é duas vezes mais do que a média dos mercados emergentes. O Estado gasta agora quase todo seu orçamento em pessoal e pagamentos de pensão para funcionários públicos aposentados. Como resultado, não sobra dinheiro para investimentos.
Faz sentido, portanto, que o projeto de lei mire primeiro privilégios obviamente absurdos desta classe: muitos funcionários públicos têm três meses de licença remunerada a cada cinco anos. Os juízes têm 60 dias de férias anuais. A punição máxima por má conduta no cargo – como corrupção – é uma aposentadoria bem dotada. E se o horário de trabalho for reduzido, por exemplo, por razões de economia, o salário não pode ser cortado.
Os privilégios em comparação com os do setor privado, mas também de outros aparelhos estatais no mundo inteiro, são grotescos. Em nível federal já foram parcialmente abolidos, mas em muitos casos ainda são válidos nos estados e municípios.
Mas aí aparece o primeiro problema: a elite dos funcionários públicos se excluiu dos cortes. Trata-se de altos funcionários do Judiciário, dos próprios parlamentares e dos militares. Com o argumento de que sua independência deve ser garantida, estas profissões só podem decidir elas mesmas sobre cortes ou reformas.
Isso é particularmente absurdo no Judiciário: há poucos países nos quais juristas em função pública – ou seja, juízes e promotores públicos – ganham tanto quanto no Brasil. Eles reivindicam 1,5% do PIB para si mesmos. Como comparação: na Alemanha, a classe fica com 0,34% do PIB.
O alto custo do Legislativo é alvo constante de escrutínio, inclusive aqui na DW Brasil. Mas também senadores e deputados jogam, mundialmente, na liga dos salários altos. Sobretudo seus privilégios, somados a – elevadas – remunerações têm enormes custos para o Estado.
O problema decisivo para o progresso das mudanças é, porém, que o modelo de reforma administrativa é geral. Decisivas são as leis de implementação, que devem ser aprovadas em duas rodadas subsequentes. E é aí que o diabo está nos detalhes.
Um exemplo: a Constituição de 1988 já prevê que os funcionários públicos podem ser demitidos por má conduta. Mas em três décadas, os políticos não foram capazes de aprovar leis simples para regulamentar isso. Na prática, funcionários públicos são indemissíveis.
Acima de tudo, porém, a reforma tem poucas chances de ser implementada porque há pouco apoio político. A resistência a ela será enorme.
O próprio presidente Jair Bolsonaro continua a se ver como um representante dos interesses dos militares. Ele não tem a intenção de restringir os privilégios deles ou os de membros do baixo clero no Congresso. Ele mesmo foi um deles por mais de três décadas.
Além disso, o lobby dos funcionários públicos e o do parlamentares são extremamente assertivos – especialmente quando confrontados com uma reforma complicada, cujo significado e intenção é bastante estranho à maioria dos brasileiros. Fora isso, há eleições municipais em outubro. E nenhum parlamentar vai querer mexer seus privilégios e dos burocratas.
Mas apesar dessas perspectivas frustrantes, o projeto de lei é positivo. Pela primeira vez os parlamentares estão tentando chegar a um consenso sobre como reformar o ineficiente aparato estatal. É o início de uma longa maratona de negociações. As primeiras privatizações nos anos 1990 – nas telecomunicações, por exemplo – aconteceram após anos de debate. A reforma previdenciária implementada no ano passado ocorreu também após muitas tentativas fracassadas. É assim que funciona a democracia.
Fonte: DW