Moeda única no Mercosul coloca em risco a política monetária

Publicado em: 24 jan 2023

Campo Grande (MS) – A criação da “sur”, moeda única a ser adotada por Brasil e Argentina, voltada às exportações do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e pensada para diminuir a dependência do dólar, não foi bem digerida entre economistas de Mato Grosso do Sul. 

Eles acreditam que o assunto leva tempo para obter avanços e ser implementado. No campo geopolítico dos dois países, a Argentina se mostra mais ávida para a criação da moeda, enquanto o Brasil defende estudos mais amplos e detalhados. Para os analistas, a ideia favorece apenas um lado, e não é o brasileiro. 

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mostrou-se contra a ideia, embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha se colocado como defensor.

Pela Argentina, o ministro da economia, Sergio Massa, frisou que se trata de um projeto bilateral entre as maiores economias da América do Sul e que seria apresentado como um convite aos outros países do continente.

 Entretanto, os dois países defendem que a ideia é embrionária e carente de profundidade. O mercado financeiro começa a levantar preocupações, principalmente porque o presidente Lula tem criticado as metas de inflação do Brasil. 

Já na vizinha Argentina, o olhar mais atento do mercado financeiro se volta para a série de graves problemas monetários. Os novos passos do governo nesse campo serão acompanhados atentamente pelos investidores.

A economista Adriana Mascarenhas avaliou a ideia do “sur” como muito prematura. “Não acredito que isso vá adiante e, mesmo que acontecesse, esse processo demoraria”, resumiu.

 Para ela, a situação econômica mostra que, em caso de criação da moeda, só um país lucraria: a Argentina. E a explicação é muito simples: enquanto o Brasil registra seguidos superavits nas exportações, a Argentina vai no caminho e oposto e se afunda em sucessivos deficits, que acontecem quando um país importa mais do que exporta. 

“Vejo essa ideia como uma utopia, e se isso fosse realmente acontecer, o Brasil teria de procurar um país em situação igual ou melhor, e não pior, como no caso da Argentina”, analisou Mascarenhas.

A Argentina fechou 2022 com crise econômica ainda mais forte: a inflação dos preços ao consumidor bateu os 94,8%, e a taxa de juros chegou a 75% de aumento. No Brasil, o indicador fechou o ano em 5,79%.

No mercado financeiro, não houve grandes oscilações em relação ao tema da nova moeda, que serviria apenas para uniformizar as exportações entre os dois países. O dólar comercial fechou o dia a R$ 5,1964, ou seja, com uma pequena queda de 0,21%. Já o dólar turismo fechou a R$ 5,3887, o que significa queda de 0,25%. 

O mestre em economia Eugênio Pavão lembrou que a ideia de criar uma moeda única para o Mercosul foi planejada desde a constituição do bloco. Ele ressaltou, ainda, que desde 1991 essa ideia não vigorou, seja por questões políticas ou econômicas. 

Segundo ele, a moeda única realmente teria algum impacto na dependência do dólar, a exemplo do euro, mas o mercado europeu é muito forte e inovador.

“Na América Latina, temos uma dependência muito grande de vários mercados. Sobre a possibilidade do pânico dos mercados, ela é bem remota, dada a baixa influência da região no mercado global. A ideia da moeda comum pode ser extremamente atraente, mas coloca em risco a política monetária dos países”. 

“Na minha concepção, essa realidade será possível só no longo prazo, quando a região estiver livre de crises políticas, tentativas de golpes e impeachments”, destacou Pavão.

CÚPULA

Na prática, a criação da moeda “sur” seria para impulsionar o comércio e reduzir a dependência do dólar. No entanto, os países continuariam usando paralelamente suas moedas locais: o peso e o real. 

Ao longo desta semana, a ideia será discutida em uma cúpula em Buenos Aires, com outros líderes da América Latina. No entanto, mesmo se confirmada, deverá demorar muitos anos para se concretizar. 

Os ministros Fernando Haddad e Sergio Massa afirmaram que, no caso da União Europeia, foram necessários 35 anos de estudos e discussões até a implementação do euro, que nunca contou com a presença do Reino Unido, embora ele tenha permanecido no bloco até o Brexit, em 31 de janeiro de 2020.

O presidente Lula se reuniu ontem com Alberto Fernández na Argentina para discutir laços de fortalecimento do Mercosul. Antes do encontro, foi anunciada a criação da moeda única. 

Em artigo conjunto publicado no periódico argentino Perfil, os mandatários confirmaram: “Pretendemos superar barreiras às nossas trocas, simplificar e modernizar regras e incentivar o uso de moedas locais. Também decidimos avançar nas discussões sobre uma moeda comum sul-americana que possa ser utilizada tanto para fluxos financeiros quanto comerciais, reduzindo os custos de operação e diminuindo a nossa vulnerabilidade externa”, disse o texto publicado pelos políticos.

Saiba: O real e o peso não devem ser extintos – Uma eventual moeda comum, nos moldes em que tem sido discutida, não acabaria com o real nem com o peso.

Diferentemente do euro, que é a moeda em circulação em vários países da União Europeia, essa moeda comum seria formatada para o propósito específico de ser usada em transações comerciais e financeiras entre os países, para que haja uma menor dependência do dólar.

Fonte: Correio do Estado

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