Recuo das commodities e problemas com “carry trade” são explicações mais recentes, mas fiscal brasileiro também
Após a disparada em junho do dólar, este mês vinha sendo de alívio para a cotação da moeda norte-americana. Parte disso, segundo analistas, creditada ao fato de o governo estar “mais comportado” em suas declarações e atos.
Nas primeiras semanas de julho, o governo se comprometeu, por exemplo, mais explicitamente a cortar gastos e trouxe as primeiras estimativas. Além disso, Lula parou de atacar o presidente do BC, Roberto Campos Neto – por conta dos juros altos –, aliviando as tensões.
Assim, o dólar, que beirou os R$ 5,70 – na virada entre os meses de junho e julho – caiu para a faixa dos R$ 5,40, nas primeiras semanas deste mês.
No entanto, o real segue perdendo força frente ao dólar e a taxa de câmbio voltou a romper os R$ 5,65, ameaçando até mesmo superar os patamares vistos no sexto mês de 2024.
Especialmente nestes últimos dias, são fatores externos, que se sobressaíram aos internos, para explicar a alta do dólar.
São eles: o recuo do preço das commodities e o desmonte de posições em iene japonês de carry trade – que são operações realizadas por investidores que buscam lucrar com o diferencial de juros entre os países.
Recessão e commodities
No primeiro ponto, das commodities, o real vem sofrendo pela perspectiva de desaceleração econômica das maiores economias do mundo — Estados Unidos e China.
Com isso, a visão é de que elas consumirão uma quantidade menor de matérias-primas, ou seja, as commodities, que são os principais produtos exportados pelo Brasil. Como consequência, se reduz o saldo da balança comercial e a arrecadação de impostos.
Hoje, nos Estados Unidos, a publicação de dados macroeconômicos levou investidores a se preocuparem com uma desaceleração mais forte da maior economia do mundo. O PMI Industrial de julho teve leitura de 49,5, quando o consenso previa 51,7.
“A gente vinha falando que a economia americana ia ter uma dor de cabeça neste ano ou, no mais tardar, no início do ano que vem. E uma recessão nos Estados Unidos, no primeiro momento é ruim para o real”, fala José Raymundo Faria Júnior, diretor da Wagner Investimentos.
Fora os EUA, a economia da China também vem preocupando investidores no que tange às commodities. A China é um grande consumidor de metais industriais e a diminuição da demanda por lá impacta diretamente as economias emergentes, que são grandes exportadoras desses recursos.
“Outro elemento que contribui para essa pressão é a queda nos preços de metais industriais, como o minério de ferro. Esses metais atingiram mínimas de três meses e meio, refletindo uma perspectiva negativa da demanda chinesa após os números de crescimento econômico do país ficarem abaixo das previsões”, menciona Leandro Marchioretto, sócio e diretor de câmbio da Alta Vista Investimentos.
Há uma semana, por exemplo, foi divulgado que o produto interno bruto chinês do segundo trimestre cresceu menos do que o esperado. Nos últimos dias, nem mesmo a notícia de que o gigante asiático cortou taxas básicas de juros foi suficiente para animar o mercado.
Fora a questão da balança comercial, investidores, em um cenário de menor crescimento econômico no mundo, também buscam a segurança do dólar mesmo com rendimentos menores. Quando as maiores economias crescem pouco, os outros países acabam também não entusiasmando.
Porém, a visão é de que quando houver mais certeza em relação à queda dos juros dos Estados Unidos, a tendência mude. Treasuries pagando menos deve levar investidores a aceitarem mais riscos — e trazer capital para o Brasil, fortalecendo o real.
“Caso os dados de inflação nos EUA acompanhem e venham mais positivos, as chances de o Federal Reserve iniciar uma redução nas taxas de juros aumentam. Esse cenário pode favorecer os países emergentes, levando a um possível enfraquecimento do dólar frente ao real”, fala Marchioretto.
No Japão….
Fora as economias mais fracas nos Estados Unidos e na China, algo que está acontecendo no Japão também vem afetando o real.
A moeda japonesa tem acumulado ganhos contra a divisa norte-americana em meio a suspeitas de intervenção cambial das autoridades e à especulação de que o Banco do Japão elevará os juros em sua reunião na próxima semana.
Um iene valorizado ante o dólar e a possibilidade de diminuição no diferencial de juros entre Japão e Estados Unidos levam investidores a reverterem operações de “carry trade”, quando tomam ativos em locais com juros baixos para rentabilizar em outros com juros mais altos. Isso provoca uma fuga de capitais de emergentes para sustentar essa reversão no mercado japonês.
“Essa valorização do iene tornou as operações de carry trade, que envolvem o empréstimo a baixas taxas de juros no Japão para investir em ativos de países com juros mais altos, menos atrativas. A desmontagem dessas operações têm gerado uma pressão adicional sobre as moedas emergentes, incluindo o real”, explica o diretor da Alta Vista.
Risco fiscal enfraqueceu, mas continua
Por fim, a visão dos especialistas é, também, de que apesar de o governo brasileiro estar tentando “apagar o fogo” que ele mesmo acendeu durante junho, o mercado está mais cauteloso.
“O mercado está compreendendo que o arcabouço pode não ser bom nem no curto prazo. A Lei de Orçamento falou que haveria um superávit de R$ 9 bilhões neste ano, mas o relatório de acompanhamento de receitas e despesas do terceiro bimestre já colocou um déficit de R$ 29 bilhões. É quase R$ 40 bilhões de piora em seis meses”, fala Faria Júnior.
Para o especialista, o governo está trabalhando para aumentar a arrecadação mas o gasto está “no limite” e os anúncios de cortes propostos até agora não convencem. Com isso, a curva de juros brasileira segue precificando uma Selic mais alta em 2025.
“Qualquer coisa que sair de errado nas contas do governo (sobre o déficit) não conta mais com espaço para se elevar (despesas). Você está com a inflação perto de 4,5%, com o dado de julho, e você está com o fiscal com déficit de 0,25% do PIB. É o limite do limite. As coisas seguem desconfortáveis”, diz Júnior.