Campo Grande (MS) – A entrada de novos profissionais por conta própria no mercado de trabalho acentuou desigualdades de renda já latentes no Brasil. Dependendo do gênero e da cor do trabalhador, a redução dos rendimentos daqueles que iniciaram suas atividades há menos de dois anos em relação ao grupo que já trabalhava nessa situação antes da crise de 2014-2016 foi ainda maior.
Segmento menos favorecido dentro do levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) com base em dados do IBGE de 2017, as mulheres negras foram as mais prejudicadas pela precarização. Uma mulher com essas características entrou no mercado como conta própria ganhando, em média, R$ 809 durante 2015 e 2016 – 16,3% a menos do que uma mulher negra que já exercia alguma função por conta própria no período anterior à recessão.
Em termos relativos, a maior perda ocorreu no grupo de mulheres não negras, que recebiam, em média, R$ 1.125 tendo começado a trabalhar como conta própria nos anos de recessão, rendimento 41,2% inferior ao de mulheres não negras que já estavam nesse ramo antes de 2014. Para homens, a redução da renda real em igual comparação foi de 21,9% para homens negros, para R$ 1.040, e de 31,2% no grupo de homens não negros, para R$ 1.637. Este é o segmento da amostra com maior renda, tanto antes quanto depois da crise.
“A diferença de renda entre homens e mulheres foi ampliada com a precarização do trabalho por conta própria”, especialmente para as mulheres negras, diz Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese. “As mulheres negras pouco qualificadas ocupam postos com pouco reconhecimento social e baixíssima qualificação. Essa é uma desigualdade que vai além da renda”, observa Lúcio, para quem a recessão agravou disparidades já existentes na sociedade brasileira.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua de 2017, do IBGE, o rendimento médio mensal real de todos os trabalhos das pessoas brancas ficou em R$ 2.814 naquele ano, 75,1% superior à renda das pessoas pardas (R$ 1.606) e 79,2% acima dos rendimentos de pessoas negras (R$ 1.570).
Na comparação por gênero, a mulheres receberam, em média, R$ 1.868 ao mês como renda proveniente de todos os trabalhos no ano passado, 22,5% a menos do que os homens (R$ 2.410).
Para Tiago Cabral Barreira, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), o efeito “trabalhador adicional” também aumentou a discrepância entre os rendimentos de homens e mulheres ao longo da crise, principalmente nas atividades exercidas por conta própria.
Com a perda do emprego por chefes de família, mulheres que antes não estavam no mercado de trabalho precisaram ajudar na composição da renda familiar, diz Barreira. “Muitas vezes, essas mulheres entram na força de trabalho como conta própria, em postos que exigem pouca experiência e qualificação”, observa o economista.