Reforma tributária trará aumentos de impostos em diferentes setores, tornando os serviços, principalmente, mais caros.
O governo sancionou a primeira fase da Reforma Tributária sobre o consumo há dois meses, por meio da Lei nº 214/2025. Nos próximos 10 anos, até a total implementação, o novo sistema fará mudanças significativas nas regras de cobrança de impostos. O objetivo é aumentar a eficiência e a transparência na arrecadação. Entre as principais alterações, destaca-se a unificação de impostos que eram cobrados em diferentes esferas, simplificando o processo para contribuintes e melhorando a fiscalização.
Entretanto, na prática, espera-se que as mudanças sugeridas causem um impacto relevante nas empresas. Como resultado, essa interferência afetará o comportamento dos consumidores e a dinâmica do mercado. Isso porque as mudanças na carga tributária podem influenciar diretamente os preços de bens e serviços, resultando em alterações nos padrões de consumo.
Quem explica melhor as armadilhas que podem engolir os despreparados é o advogado tributário Lucas Ribeiro, CEO da ROIT: “Na nova estrutura, o IBS e a CBS substituem tributos como ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI. A ideia parece ser uma simplificação, mas a realidade é bem mais complexa. As bases de incidência desses tributos serão consideravelmente ampliadas, afetando operações que anteriormente estavam isentas de tributação. Setores que desfrutavam de uma relativa ‘zona de conforto’ agora enfrentarão uma rede mais ampla de obrigações fiscais”.
Reforma Tributária: mais aumento

Só para exemplificar, na fase pré-Reforma, muitos serviços e segmentos estavam isentos ou tinham bases de cálculo reduzidas. “Agora, praticamente tudo será tributado — desde a locação até serviços educacionais, muitas vezes sem levar em conta a essencialidade ou a capacidade contributiva”.
Em efeito cascata, com o aumento da tributação em determinados setores, é provável que alguns produtos se tornem mais caros, resultando em uma possível diminuição na demanda. Isso pode gerar uma reação em cadeia, afetando os fabricantes e vendedores que poderão enfrentar quedas nas vendas, e consequentemente, uma pressão sobre os lucros.
“As empresas do Simples Nacional, se permanecerem no regime simplificado, correm o risco de se tornarem ‘ilhas fiscais’. Ou seja, elas acumularão tributos sem a possibilidade de repassar créditos integrais para os clientes. Essa situação cria uma perda de competitividade gritante, especialmente em cadeias produtivas longas”.
Simplificação do sistema?

Flávio Bernardes é sócio do Bernardes Advogados e especialista em Direito Tributário. Ele questiona se o novo modelo realmente trará simplificação ao sistema, considerando a divisão das competências tributárias entre os diferentes entes federativos e a criação de um Comitê Gestor, que se revela complexo e oneroso. “Ademais, é possível que haja um aumento da carga tributária, o que pode ter efeitos inflacionários”.
Como se não bastasse, a estrutura de repasses e a possibilidade de conflitos entre estados e municípios quanto à arrecadação podem resultar em uma série de litígios, dificultando ainda mais a implementação do novo modelo. A falta de clareza nas regras de distribuição dos recursos pode gerar insegurança jurídica, afetando diretamente o planejamento financeiro de empresas e cidadãos.
O fim dos incentivos fiscais
Lucas atuou diretamente na Câmara dos Deputados e no Senado Federal para a concretização da Reforma Tributária. Ele garante que a promessa de um sistema mais transparente vem acompanhada de um custo elevado. Isso porque a unificação dos impostos resultará em valores consideravelmente mais altos. Ele então explica que o Brasil abandonará a prática de “negociar” incentivos fiscais em troca de contrapartidas regionais e setoriais. Portanto, sem benefícios fiscais específicos, muitos setores que dependiam de regimes diferenciados para se manterem competitivos — como o ISS fixo ou desonerações específicas de ICMS — enfrentarão um aumento significativo nos custos.
“A transição também prevê um sistema com alíquotas múltiplas: produtos “essenciais” terão alíquota zero ou reduzida, enquanto outros enfrentarão taxas integrais, resultando em uma confusão tributária para empresas que atuam em diferentes segmentos”, informa Lucas Ribeiro.
A confusão das alíquotas específicas
E, embora a proposta de simplificação pareça atrativa em teoria, a prática demonstra que ainda existirão alíquotas variadas para casos específicos. Isso constitui um grande desafio operacional. O CEO da ROIT comenta que as empresas precisarão adotar sistemas eficientes para monitorar essas diferenças e prevenir erros de cálculo. “Precipuamente, essa situação pode levar a autuações e multas significativas, uma vez que a tributação será baseada no destino, ou seja, dependerá do município do comprador”.
Diante de um cenário em constante transformação, a adoção de uma postura proativa para adaptação às novas normas tributárias se torna não apenas recomendável, mas essencial para a sustentabilidade e crescimento das empresas no mercado competitivo.
Os tributos
A Reforma Tributária instituiu três novos tributos: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que é de competência dos Estados e Municípios; a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que é de competência da União e segue a mesma legislação de regência; e o Imposto Seletivo (IS), também arrecadado pela União. Gradualmente e de forma transitória, serão substituídos o ICMS, ISS, IPI (exceto na Zona Franca) e as contribuições do PIS e da Cofins.
Flávio Bernardes explica que essa mudança altera a forma de apuração de alguns desses tributos por meio da dedução de créditos. Ela também prevê uma alíquota final de 28%, abrangendo o IBS e a CBS. “A expectativa é que a carga tributária final aumente significativamente para o setor de serviços e com menor intensidade para o comércio. Óbvio que isso impactará sim diretamente nos preços finais dos bens e serviços adquiridos pelos consumidores”.
Adicionalmente, será exigido o Imposto Seletivo sobre bens que são prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, o que também elevará a carga tributária. “Nesse sentido, bebidas alcoólicas e açucaradas (vinhos, destilados e refrigerantes), tabaco e carvão mineral terão impacto desse tributo”, finaliza Flávio.