Artigo: Os negacionistas de grife

Publicado em: 13 abr 2021

“Negacionismo é a escolha de negar a realidade como forma de escapar de uma verdade desconfortável. Trata-se da recusa em aceitar uma realidade empiricamente verificável, sendo essencialmente uma ação que não possui validação de um evento ou experiência histórica. Na ciência, o negacionismo é definido como a rejeição de conceitos básicos, incontestáveis e apoiados por consenso científico em favor de ideias tanto radicais quanto controversas”.

Wikipedia, “Negacionismo”

Campo Grande (MS) – Nunca se falou tanto em negacionismo e negacionista, como de 2018 para cá, e mais ainda a partir de março de 2020, quando o novo coronavírus fez a primeira vítima fatal no Brasil.

Nega-se, sem cerimônia e sem vergonha, a esfericidade da Terra, as mudanças climáticas provocadas pelo desmatamento e emissão de gases poluentes, a eficácia de vacinas, a necessidade de distanciamento social e do uso de máscara como medidas de contenção da Covid-19. Nega-se o racismo, a homofobia, a misoginia, e por aí vai.

Mas há uma categoria especial de negacionistas cujo negacionismo doentio, muitas vezes, passa ao largo da nossa percepção. Refiro-me aos super-ricos – os multimilionários e bilionários. São os “negacionistas de grife”, os que promovem regabofes, concedem entrevistas, anunciam nos grandes veículos da imprensa, fazem lobbies, patrocinam eventos, assinam artigos e encabeçam manifestos – como a carta lançada no último dia 21 de março, criticando a negligência do governo Bolsonaro na gestão da pandemia e condenando o que chamam de “falso dilema” entre salvar vidas e a economia.

Os negacionistas de grife negam a desigualdade social, negam direitos trabalhistas, salários e aposentadoria dignos aos trabalhadores, negam-se a tirar as mãos do orçamento público, negam-se a pagar impostos na medida de sua capacidade econômica, negam que elegeram o governo que aí está e que são, portanto, cúmplices desse genocídio.

Há negacionismo mais deletério que o dos “negacionistas de grife”?

Um olhar mais atento a todas as medidas incentivadas e alardeadas como salvadoras da pátria ao longo dos últimos anos nos dá a resposta. A austeridade foi, mais uma vez, a pedra de toque de uma impiedosa agenda de reformas neoliberais.

Prometeram mais empregos, equilíbrio das contas e fim dos privilégios previdenciários. O que entregaram está aí: desemprego recorde, inflação alta, aumento exponencial da fome, centenas de milhares de mortos pela Covid-19 e, como “cereja do bolo”, vinte bilionários a mais no seleto grupo dos negacionistas.

Não satisfeitos, agora acenam com um tiro de misericórdia no serviço público, última trincheira de defesa das populações mais vulneráveis.

A esta altura da pandemia, o “falso dilema” nos conduziu para um terço das mortes por Covid-19 em nosso território – resultado da pressão dos “negacionistas de grife” que usam seu poder para alimentar o caos e potencializar o abandono governamental.

É de pasmar e revoltar que, em 2020, a despeito da tragédia humanitária, o grupo de bilionários brasileiros tenha saltado de 45 para 65 pessoas, com uma fortuna acumulada em R$ 1,2 trilhão, enquanto o número de pessoas em estado de fome absoluta chega à casa dos 19 milhões.

A morte e a fome nunca foram tão lucrativas e vantajosas para esse seleto grupo de negacionistas. Os super-ricos sugam os pobres, enquanto defendem o Estado mínimo e pressionam mais e mais por austeridade, valendo-se de um velho dito popular adaptado para a doutrina neoliberal: “austeridade nos olhos dos outros é refresco”.

Na “dura”, longa e enfadonha carta do dia 21 de março último, os negacionistas criticam, exigem e prescrevem o que deve ser feito, mas se negam – como autênticos negacionistas – a dar qualquer cota de contribuição para ajudar o país a sair do abismo no qual foi jogado, contraditoriamente, por eles mesmos.

*Charles Alcantara é presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital – Fenafisco.

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