‘Só reforma da Previdência não será suficiente’, diz OCDE

Publicado em: 08 jan 2019

Campo Grande (MS) – O principal desafio do governo do presidente Jair Bolsonaro é fazer reformas, sobretudo a da Previdência, para “garantir a sustentabilidade das contas públicas”, afirma Jens Arnold, economista da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) responsável pelas análises sobre o Brasil. 

“Mas só a reforma da Previdência não será suficiente. O Brasil terá de fazer mais”, disse o economista alemão em entrevista à BBC News Brasil. 

O país, acrescenta Arnold, também deve direcionar melhor seus gastos na área social, investindo mais recursos no Bolsa Família para reduzir a pobreza. Maior produtividade e mais investimentos também são fundamentais para reforçar o potencial de crescimento da economia brasileira, na avaliação da organização. “Seria muito bom o novo governo enviar uma mensagem forte mostrando a capacidade de reformar, de melhorar algumas coisas”, ressalta Arnold. 

Ele afirma ainda que a equipe econômica de Bolsonaro já elaborou várias propostas sobre como melhorar a concorrência e o clima de negócios. “Só falta encontrar o consenso político para implementá-las. Se o governo puder fazer várias reformas no início do mandato, será melhor”, diz o economista. Ele afirma que algumas medidas anunciadas pelo novo governo já vão na linha de sugestões feitas pela OCDE. A seguir, as principais recomendações de políticas macroeconômicas e sociais feitas pela organização ao Brasil: 

Desvincular a aposentadoria do salário mínimo 

A reforma da Previdência brasileira é “urgente”, na avaliação da OCDE, e considerada a ação prioritária que deve ser realizada pelo novo governo. “É a condição necessária para assegurar a sustentabilidade das contas fiscais”, avalia Arnold. Segundo ele, a trajetória nas despesas previdenciárias causou a deterioração das contas públicas, e essa tendência vai seguir se nada for feito. “É importante atuar agora para fazer uma reforma que permita assegurar a sustentabilidade da dívida pública e abrir, dessa forma, espaço para outros gastos importantes.” 

O sistema previdenciário do Brasil custa quase 12% do PIB (Produto Interno Bruto), o que é considerado alto, já que a população do país é jovem, afirma a entidade. A OCDE sugere elevar a idade mínima de aposentadoria -atualmente de 56 anos para os homens e 53 anos para as mulheres-, que está “muito abaixo” da idade média de aposentadoria nos países da organização, de 66 anos para homens e mulheres. A entidade também recomenda que o salário mínimo não seja mais considerado como piso para o valor dos benefícios previdenciários e sociais e propõe a indexação das aposentadorias a um índice de preços ao consumidor (pela inflação), o que “preservaria o poder de compra dos aposentados e pensionistas.”. 

Segundo a organização, o valor dos benefícios previdenciários poderia ficar abaixo do salário mínimo (fixado em R$ 998), o que não é atualmente permitido pela Constituição. A medida precisaria ser encaminhada por emenda constitucional. O regime de aposentadoria por capitalização (no qual o trabalhador contribui para a sua própria aposentadoria), defendido pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, tem benefícios, na avaliação de Arnold. Segundo ele, o Brasil poderia fazer uma transição gradual e ter um sistema parcialmente capitalizado. Mas o economista alerta que esse regime não funciona se for aplicado sozinho, como única forma de aposentadoria. “Tem de haver medidas para assegurar um nível mínimo do benefício”, diz. 

Ampliar o Bolsa Família 

Para a OCDE, a prioridade da agenda social no Brasil deve ser o aumento os investimentos em programas sociais para os mais pobres, como o Bolsa Família. “O Bolsa Família funciona muito bem. É importante acelerar os gastos nesse programa para acelerar a redução da pobreza”, afirma o economista da organização especializado na análise do Brasil. O programa beneficia 14 milhões de famílias, e o benefício médio recebido é de R$ 187. Para a entidade, o Bolsa Família também é um instrumento fundamental para proteger os mais vulneráveis, inclusive mulheres, afrodescendentes e indígenas. 

A OCDE aponta que a taxa de pobreza é elevada entre crianças e jovens no Brasil, atingindo 30% da população com até 17 anos, enquanto na média dos países da OCDE ela é de cerca de 13%. Arnold destaca que o nível de pobreza tem um componente cíclico, ligado ao crescimento econômico. Mas o governo pode agir, favorecendo a geração de empregos, fator que mais contribui para a redução da pobreza, e na melhoria da qualidade da educação, que propicia trabalhos mais bem remunerados. “O Bolsa Família é o último recurso para quem não tem acesso a isso”, diz. 

Reduzir subsídios à indústria 

Para a OCDE, o Brasil deve reduzir exonerações fiscais e subsídios ao setor industrial. Nos cálculos da organização, isso representaria uma economia potencial de até 0,8% do PIB por ano. “O Brasil tem espaço para diminuir os gastos públicos. Há muita gordura para ser cortada”, diz o economista Arnold, se referindo aos subsídios à indústria e ao crédito. Segundo ele, isso melhoraria a eficiência dos gastos do país. Nos cálculos da OCDE, programas voltados a segmentos do setor industrial, como eletrônicos, automotivo e modernização tecnológica, custam 4,5% do PIB por ano. A maior parte desse custo ocorre por meio de desonerações fiscais, mas também há subsídios. 

A Organização Mundial do Comércio (OMC) considerou que algumas dessas medidas violaram as regras do órgão. Para a OCDE, na maioria dos casos, os benefícios fiscais ao setor industrial resultaram no aumento de preços ao consumidor, sem evidências sólidas de efeitos positivos a longo prazo. 

Simplificação dos impostos 

A reforma tributária no Brasil vem sendo recomendada há anos pela OCDE, que sugere consolidar os tributos federais e estaduais sobre o consumo em um único imposto sobre valor agregado com regras simples, seguindo o exemplo recente da Índia. 

A organização critica o fragmentado sistema de impostos sobre o consumo, com ICMS diferentes para cada estado, que elevam o custo do capital. “O principal problema é que o sistema tributário no Brasil é muito complicado. É importante simplificar”, afirma Arnold. O texto aprovado em 11 de dezembro por uma comissão especial da Câmara dos Deputados vai na linha da recomendação da OCDE, unificando nove tributos no novo Imposto sobre Operações de Bens e Serviços (IBS). A proposta ainda tem de ser aprovada pelos plenários da Câmara e do Senado. A OCDE também recomenda reformar o Simples Nacional, regime tributário diferenciado para pequenas e médias empresas, diminuindo o atual teto de faturamento de até R$ 4,8 milhões por ano. Segundo a organização, o sistema é usado por 74% das empresas brasileiras e representa um estímulo para que as companhias se mantenham pequenas, reduzindo a possibilidade de ganhos de produtividade.

 

Integração à economia global A maior integração do Brasil à economia global, com a redução de barreiras à importação, é considerada pela OCDE um elemento importante para que as empresas tenham acesso a equipamentos melhores e mais baratos e possam aumentar sua competitividade. A participação do Brasil no comércio internacional é baixa e o desempenho exportador do país tem sido fraco na última década, avalia a entidade, que também critica as diversas exigências de conteúdo nacional na fabricação de produtos. “As exportações e o crescimento poderiam ser maiores se as empresas obtivessem os melhores insumos e bens de capital no mercado internacional”, afirma a organização.

 

Atualmente, o Brasil tem acordos bilaterais com apenas cerca de 10% do PIB mundial, enquanto o Peru e o Chile têm acordos comerciais que cobrem cerca de 70% a 80% do PIB mundial, segundo a OCDE. Para a organização, a redução das tarifas de importação beneficiaria principalmente as famílias de baixa renda, que teriam ganhos potenciais no poder de compra com a queda nos preços dos importados.

 

Aumentar a produtividade

 

A questão da produtividade industrial no Brasil, “estagnada nos últimos 15 anos”, está ligada, na avaliação da OCDE, às barreiras comerciais impostas pelo país. “O crescimento da produtividade no país é muito fraco”, diz Arnold, destacando a necessidade de ampliar a concorrência em mais setores da economia. Para a OCDE, estimular a concorrência promoverá o crescimento e a criação de empregos. E a maior parte dos setores se beneficiaria da abertura comercial.

 

O economista ressalta que algumas empresas, com a maior competição, podem perder participação de mercado ou mesmo encerrar atividades. Por um lado, afirma, isso permitirá que o capital e a mão de obra fluam para companhias ou setores mais produtivos, com criação de postos com salários mais altos. Mas, por outro lado, trabalhadores também podem perder o emprego e precisam ter apoio nessa fase de transição, com programas de capacitação profissional e de proteção social. Melhorar o ensino profissional e básico A OCDE recomenda a ampliação do ensino profissional para reduzir lacunas na qualificação dos trabalhadores do Brasil. No país, menos de 5% dos alunos de ensino médio fazem cursos profissionais e técnicos, enquanto a média na OCDE é de mais de 25%.

 

“É muito importante oferecer mais cursos de ensino técnico”, diz Arnold, citando o Programa Nacional de Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), do governo federal. O Brasil ainda gasta pouco com programas de capacitação profissional, na comparação com países da América Latina e da OCDE. O ensino básico também deve ser privilegiado. Segundo a OCDE, o setor público brasileiro gasta 5,4% do PIB em educação, acima da média dos países da organização e da América Latina, embora esteja entre os piores resultados dos testes de conhecimentos do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos).

 

Para Arnold, há espaço para melhorar a eficiência das despesas na área, transferindo gastos com o ensino superior para o infantil, fundamental e médio. O governo Bolsonaro sinalizou que as prioridades na área serão a educação básica e a qualificação profissional. “Quanto mais jovem for a criança, maior é o rendimento no campo da educação”, diz o economista da OCDE. A organização destaca que a oferta de educação pré-escolar diminui significativamente a probabilidade de evasão de estudantes desfavorecidos do sistema de ensino.

 

Reforçar o investimento

 

O Brasil, segundo o economista da OCDE, tem uma taxa de investimento estruturalmente baixa, sobretudo em infraestrutura, que não chega a 2% do PIB, inferior a de países como Chile, Costa Rica, Paraguai e Colômbia. A OCDE também sugere fomentar a entrada de bancos privados nos financiamentos de longo prazo, hoje concentrados no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

 

Para a OCDE, maiores investimentos elevariam o potencial de crescimento da economia brasileira e reforçariam o aumento da produtividade, com a possibilidade de aumentos de salários sem colocar em risco a competitividade dos produtores nacionais. “As reformas para melhorar o clima de negócios também vão levar ao aumento de investimentos”, diz Arnold.

 

Restringir indicações políticas nas estatais

 

A governança das empresas públicas precisa ser melhorada no Brasil, segundo a OCDE. Uma das recomendações é a restrição de indicações políticas nas estatais. “Um cargo de diretoria em uma estatal é usado como moeda de troca em negociações políticas. É pouco provável que o escolhido seja a pessoa mais qualificada para a melhor governança de uma empresa pública”, ressalta Arnold. A lei das estatais de 2016 impôs alguns limites às indicações, estabelecendo requisitos técnicos mínimos para exercer o cargo.

 

Segundo o economista, as privatizações –defendidas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para reduzir a dívida pública– devem ser vistas sob a ótica de melhorar a eficiência e governança das empresas, e não sob o ângulo fiscal. Segundo ele, o aspecto que deve ser observado é como fazer com que essas empresas sejam mais eficientes e ofereçam melhores serviços a um custo menor.

 

Fortalecer o ‘crescimento verde’

 

A OCDE destaca ainda que o desmatamento na Amazônia voltou a subir. No ano passado, atingiu o maior nível em uma década, segundo dados do governo. A organização afirma que é necessário garantir o declínio do desmatamento, por meio da aplicação rígida das leis e de “um claro compromisso” de não redução das áreas atualmente sob proteção ambiental. 

Bolsonaro fez várias críticas às áreas de proteção ambiental e já prometeu, por exemplo, rever a criação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima. Ele também prometeu flexibilizar a legislação que regula a exploração econômica de áreas preservadas.

  • Compartilhar:
  • Facebook
  • Facebook
  • Facebook