Campo Grande (MS) – Saudemos a reforma tributária! depois de gestada e discutida por décadas, uma reforma constitucional que é o passo inicial para a substituição de um complexo sistema tributário nacional, confuso, ineficiente, um emaranhado com milhares de normas, instruções, resoluções, uma colcha de retalhos.
Mas a aberração do sistema tributário em substituição não se criou sozinha. Não é um ser que se desenvolve por inércia ou alguma força da natureza. É resultado da criação legislativa e infra legal de nossos legisladores, reguladores e fiscalizadores, que produziram um emaranhado legal e os consequentes especialistas, únicos capazes de analisar, interpretar e até encontrar brechas legais nesse caos.
Agora, o primeiro argumento a favor da reforma tributária é o da simplificação. A racionalidade de eliminar milhares de normas e iniciar-se um sistema similar ao adotado em várias partes do mundo, sobretudo por países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que o Brasil quer fazer parte.
Mas da mesma forma como a aberração em que se transformou o “antigo” sistema tributário foi obra dos homens da lei, o novo sistema está sendo construído por eles. É uma leitura acurada do texto da reforma, nos leva a conclusões preocupantes para o que poderemos ter a médio prazo.
A reforma constitucional é principiológica e não prevê aspectos operacionais, o que é correto. Para tais aspectos, em vários momentos o texto aprovado aponta para a necessidade da criação de legislação complementar.
Assim, por exemplo, estabelece-se que os municípios e o Distrito Federal poderão criar leis para o custeio de serviços de iluminação pública, sistemas de segurança e preservação de logradouros públicos. O Brasil possui mais de 5.500 municípios, se somente 20% deles se valer dessa faculdade, teremos mais de 1.000 leis somente em relação a este tema.
E nessa toada segue o texto da reforma tributária, prevendo legislação complementar para imposto sobre bens e serviços de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e municípios; prevendo que cada Estado fixará alíquota própria para seus impostos e prevendo inclusive que resoluções do Senado Federal fixarão alíquotas de referência para cada esfera federativa, se outra não houver sido estabelecida pelo próprio ente federativo.
Ao longo do texto temos a menção de praticamente uma centena de legislações complementares que serão obrigatoriamente produzidas. Tais legislações, multiplicadas pelos números de Estados e de municípios nos levarão novamente a milhares de normas, a um novo emaranhado tributário nacional. O emprego dos especialistas está mais do que garantido.
Portanto, e esse artigo restringe-se a esse ponto de simplificação de um novo sistema tributário nacional, trata-se de uma meia verdade. Na realidade temos a estimativa de que milhares de normas complementares serão produzidas, mas com uma variável: a depender da vontade de nossos legisladores esse número poderá ser ainda maior. E a sanha legislativa minuciosa tem sido uma constante no país.
Como neste ponto, é necessária uma leitura acurada do texto aprovado da reforma tributária, antes de chegarmos a conclusões apressadas que a médio prazo podem se mostrar equivocadas.
Que a reforma era necessária, não resta dúvidas. Mas, podemos torná-la ineficaz ou uma nova colcha de retalhos é uma possibilidade.
(*) Francisco Gomes Júnior é presidente da Associação de Defesa de Dados Pessoais e do Consumidor (ADDP)
Fonte: O Tempo