Carf altera competência de turmas, e tributaristas temem mudança de entendimento

Publicado em: 18 out 2021

Campo Grande (MS) – O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) publicou na última quinta-feira (14/10), no Diário Oficial da União, a Portaria Carf / ME 12.202, que distribui temas de competência da 1ª Turma da Câmara Superior à 2ª e à 3ª em caráter temporário.

O compartilhamento, que vale apenas para processos ainda não distribuídos, repercutiu entre advogados, que temem que a mudança pode levar à alteração de entendimento em algumas matérias. A portaria não especifica quanto tempo a medida irá durar.

Entre os temas com potencial para gerar debate ou mudança de entendimento, especialistas apontaram discussões sobre Juros sobre Capital Próprio retroativos, subvenção para investimento e custeio e segregação de atividade simulada no grupo econômico.

Segundo nota divulgada pelo Carf, o objetivo da medida é reequilibrar a quantidade de recursos entre as turmas, já que a 1ª Turma, responsável pela análise de casos sobre IRPJ e CSLL, tem um volume maior de processos que a 2ª e a 3ª, responsáveis, respectivamente, por processos envolvendo contribuição previdenciária e IRPF e IPI e PIS/Cofins. A redistribuição, segundo o Carf, aumentará a celeridade processual.

De acordo com o tribunal, a medida deve reduzir de 299 para 251 o estoque de processos na 1ª Turma da Câmara Superior. Na 2ª Turma, a expectativa é que os recursos a serem julgados passem de 55 para 72 e, na 3ª Turma, de 53 para 84.

Segundo o advogado Carlos Augusto Daniel, do Daniel e Diniz Advogados, a alteração de competência das turmas do Carf tem previsão regimental, mas é uma medida excepcional  “A prerrogativa da presidência de estender a competência de uma seção é excepcional, por alterar uma repartição feita pelo Regimento Interno, e só pode ser estabelecida de maneira temporária e visando à adequação do acervo e à celeridade de sua tramitação”, afirma.

Mudança de entendimento

A portaria traz uma lista de 24 temas que serão provisoriamente compartilhados pela 1ª Turma com a 2ª e a 3ª. Alguns deles deixaram advogados que atuam no Carf em alerta.

“Isso irá implicar, possivelmente, em decisões divergentes, até porque a 1ª Turma não é tida como pró-fisco, como acreditamos serem as demais. A delegação temporária pode gerar jurisprudência conflitante e, portanto, maior insegurança jurídica”, acredita Anete Mair Maciel Medeiros, sócia do Gaia, Silva, Gaede Advogados.

“É de se esperar alguma mudança no resultado de julgamentos, principalmente em temas até então pacificados pela 1ª Turma e, também, por conta da mudança da aplicação do voto de qualidade”, afirma Maria Teresa Grassi, advogada do contencioso tributário do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados. Ela cita que o mecanismo de desempate pró-contribuinte recentemente alterou o entendimento da 1ª Turma em um processo sobre dedução de Juros sobre Capital Próprio de forma retroativa.

O tema dos Juros sobre Capital Próprio retroativos era historicamente decidido de forma favorável ao fisco, porém uma decisão do dia 7 de outubro da 1ª Turma no processo 10950.006120/2007-10 foi favorável à empresa após a aplicação do desempate pró-contribuinte. A discussão, que irá para a 2ª Turma da Câmara Superior, diz respeito à possibilidade de dedução, da base do IRPJ e da CSLL, de JCP pagos em exercícios anteriores.

Para o advogado tributarista Breno Vasconcelos, do Mannrich e Vasconcelos Advogados, os temas subvenção para investimento e custeio (quando as empresas recebem benefícios fiscais em troca de contrapartidas) e segregação de atividade simulada no grupo econômico (criação de empresas com atividades diferentes no mesmo grupo com vistas, aos olhos do fisco, a pagar menos tributos) também podem sofrer uma alteração de entendimento. Com a portaria, ambos passam a ser julgados pela 3ª Turma da Câmara Superior.

“Eu não gosto da ideia de afirmar que a simples mudança de turma pode gerar mudança de entendimento. Por outro lado, o que dá para dizer é que alguns desses temas já foram julgados no passado de modo contrário aos contribuintes nessas outras turmas”, comentou.

No caso da subvenção para custeio e subvenção para investimento, o advogado destaca que, em agosto deste ano, a 1ª Turma proferiu decisão favorável ao contribuinte em caso envolvendo o IRPJ, no processo 3116.721486/2011-29. Já a 3ª Turma proferiu decisão pró-fisco em abril em caso envolvendo a Cofins, no processo 10314.720434/2015-34.

“Com relação à segregação de atividade simulada, há jurisprudência já forte na 1ª Turma sobre em quais casos vai ser caracterizada simulação, e são hipóteses muito mais permissivas. A 3ª Turma, pela competência histórica, julga questões de IPI, e a legislação tem um regramento muito restritivo sobre a possibilidade de segregação de atividade”, destaca.

Retirada de pauta

A advogada Fernanda Lains, sócia do Bueno e Castro Tax Lawyers, vê como possível consequência da alteração de competências o aumento dos pedidos de retirada de processos de pauta por advogados. “O que pode acontecer é, em casos que sejam mais expressivos, tanto em relação a valores quanto com alguma especificidade, provavelmente o advogado pedir a retirada de pauta, e aí vai ter que justificar esse pedido. Pode ser que a gente veja esse movimento, por [temor de] ser julgado por um conselheiro de quem ele não conhece o entendimento ou que não está acostumado a julgar aquela matéria”, afirma.

O Carf promoveu alterações nas competências das turmas em pelo menos em duas outras ocasiões. Em 2018, a portaria 146 estendeu temporariamente à 1ª Seção e à 1ª Turma da Câmara Superior o julgamento de casos envolvendo Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), tema da 2ª Seção. Já em 2020, a portaria 22564 estendeu à 2ª Turma da Câmara Superior a competência de julgar uma série de temas da 1ª Turma da Câmara Superior.

Fonte: JOTA

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