Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Losso explica que é preciso corrigir a base de cálculo sobre a qual se aplicam as alíquotas. “Ocorre que os salários são corrigidos anualmente, no mínimo pela inflação do ano anterior. Com isso, pessoas que eram isentas passam a pagar imposto em determinado momento. Pessoas que estavam em faixas mais baixas passam a pagar em faixas mais altas com a simples correção do salário pela inflação. Ora, isso é uma forma de aumentar a base de arrecadação da receita, já que as pessoas não estão ganhando mais em termos reais quando seus salários são corrigidos monetariamente. Ora, como a base de arrecadação é baixa, os mais pobres acabam pagando ainda mais imposto”.
Outra medida que deveria ser considerada numa reforma tributária, diz, é a redução da carga tributária indireta sobre serviços. “O primeiro benefício da redução da carga indireta é a redução do imposto progressivo, afinal o pobre e o rico pagam o mesmo preço pelo tomate, mas o imposto embutido é proporcionalmente maior em relação à renda do pobre. O segundo benefício é estimular as relações comerciais pela redução dos preços das mercadorias. Isso tem o efeito de estimular a economia como um todo, fortalecendo-a e gerando mais emprego. Por isso, a tributação de produtos e serviços deve ser evitada, já que causa ineficiências econômicas”. Na avaliação do economista, “a gestão tributária deve ter como objetivo estimular o desenvolvimento econômico. É claro que pode ser usada para combater a pobreza e minimizar a situação de risco das pessoas menos favorecidas, mas o combate sustentável à desigualdade não necessariamente decorre de aumento de impostos”.
Segundo Losso, a tributação de grandes fortunas não seria eficaz porque a “base de arrecadação/pessoas atingidas não é tão grande assim” e, portanto, a medida seria “inócua”. “A tributação desse tipo dificilmente teria impacto no enfrentamento das desigualdades”. Ao contrário, sugere, é necessário reconhecer algumas distorções. “Em primeiro lugar, é preciso reconhecer os gastos com salário e aposentadorias descolados do que recebem trabalhadores de mesmo nível na iniciativa privada. Segundo, é preciso entender que os gastos com judiciário e legislativo não têm paralelo com países desenvolvidos como proporção do PIB, o mesmo ocorrendo com os gastos de aposentadoria. A distorção que existe no Brasil é incrivelmente nociva. Dito isso, podem-se formular políticas sociais de êxito sem gerar crise fiscal alguma, basta construir essas políticas usando a melhor técnica econômica, exemplo de êxito em outros países ou regiões etc.”
Rodrigo de Losso é doutor em Economia pela Universidade de Chicago e atualmente leciona na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo – FEA/USP.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são, na sua avaliação, as principais distorções geradas pela tributação brasileira?
Rodrigo de Losso – Há várias distorções importantes. A maior, sem dúvida, é tributar fortemente o consumo e a produção no lugar de tributar a renda. Com isso, o imposto arrecadado torna-se altamente regressivo, ou seja, quem é mais pobre e ganha menos paga proporcionalmente mais imposto.
IHU On-Line – Alguns especialistas têm defendido que é preciso corrigir o cálculo das alíquotas de tributação, especialmente do Imposto de Renda, para reverter o caráter regressivo da tributação. Que tipo de correções seriam necessárias?
Rodrigo de Losso – As alíquotas de imposto de renda no Brasil são mais baixas quando comparadas às de países ricos. Creio que é a isso que se refere a correção das alíquotas. Ocorre que são baixas porque a maior parte da arrecadação vem do consumo. Nesse sentido, é preciso aumentar as alíquotas de imposto de renda e reduzir as de consumo.
Outro ponto é a necessidade de corrigir a base de cálculo sobre a qual se aplicam as alíquotas. Ocorre que os salários são corrigidos anualmente, no mínimo pela inflação do ano anterior. Com isso, pessoas que eram isentas passam a pagar imposto em determinado momento. Pessoas que estavam em faixas mais baixas passam a pagar em faixas mais altas com a simples correção do salário pela inflação. Ora, isso é uma forma de aumentar a base de arrecadação da receita, já que as pessoas não estão ganhando mais em termos reais quando seus salários são corrigidos monetariamente. Ora, como a base de arrecadação é baixa, os mais pobres acabam pagando ainda mais imposto.
IHU On-Line – O que tem justificado a tributação elevada sobre serviços e produtos no caso brasileiro? Que tipo de benefícios econômicos a redução da carga tributária indireta traria para a economia do país?
Rodrigo de Losso – A tributação elevadasobre serviços e produtos decorre da facilidade de arrecadação. Nesse caso, são muito menos contribuintes sendo tributados, apenas as pessoas jurídicas, e há um controle maior da cadeia produtiva, possibilitando maior fiscalização e maior arrecadação. Tributar a renda da pessoa física, que seria mais eficiente do ponto de vista econômico, é mais trabalhoso e menos rentável por contribuinte. Por isso, essa grande distorção no Brasil.
O primeiro benefício da redução da carga indireta é a redução do imposto progressivo, afinal o pobre e o rico pagam o mesmo preço pelo tomate, mas o imposto embutido é proporcionalmente maior em relação à renda do pobre. O segundo benefício é estimular as relações comerciais pela redução dos preços das mercadorias. Isso tem o efeito de estimular a economia como um todo, fortalecendo-a e gerando mais emprego. Por isso, a tributação de produtos e serviços deve ser evitada, já que causa ineficiências econômicas.
Finalmente, a tributação indireta, por ser ineficiente, gera uma necessidade de se criarem desonerações fiscais. Nesse caso, só os setores mais organizados são beneficiados com tais desonerações, em geral distorcivas. Por isso, o terceiro grande benefício da redução da tributação indireta é reduzir as distorções tributárias e ineficiências econômicas decorrentes de alíquotas diferentes entre produtos e desonerações fiscais aos setores mais organizados.
IHU On-Line – Também tem sido feita uma crítica à não tributação de lucros e dividendos. O senhor, ao contrário, tem dito que é correto que lucros e dividendos sejam isentos de imposto de renda, porque a pessoa jurídica que gerou esses lucros e dividendos já foi tributada. Entretanto, alguns especialistas contra-argumentam que isso só se aplica a pequenas empresas, mas não às grandes. Quais diria que são as razões para defender tanto a tributação quanto a isenção de lucros e dividendos? Qual seria o impacto dessa política no enfrentamento das desigualdades sociais?
Rodrigo de Losso – Esse assunto é complicado e, pessoalmente, não tenho uma posição consolidada sobre isso. Em primeiro lugar, definitivamente não faz sentido tributar lucros, pois o lucro é o resultado depois da tributação. Seria o caso de tributar dividendos recebidos pela pessoa física. Os dividendos, no entanto, são extraídos do lucro, que já foi tributado. A ideia de tributar os dividendos existe para estimular as empresas a investirem e gerarem mais em empregos em vez de retirar os lucros das empresas para distribuir aos acionistas como dividendos. Nesse sentido, acredito que os dividendos de fato possam vir a ser tributados e teriam um efeito positivo na economia. Por outro lado, se já houve a tributação antes do lucro, é difícil entender qual o sentido de tributar ainda mais, qual o propósito do governo de arrecadar mais. Em resumo, acredito que se possa aumentar a alíquota do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ, desde que se reduzam os impostos indiretos. Acredito que se possa pensar em tributar dividendos, desde que as razões para isso estejam bem definidas.
Não creio que o raciocínio anterior seja diferente para pequenas ou grandes empresas. O que pode acontecer é que alguns profissionais conseguem ser remunerados por meio de sua pessoa jurídica, com isso pagando menos impostos. Ocorre que isso acontece porque a legislação tributária procura beneficiar os pequenos negócios e empresas que, geralmente, geram muitos empregos. É aí que há brechas para os profissionais que abrem suas PJs. Há quem veja nisso um benefício para essas pessoas. Pode ser, de fato, uma forma de pagar menos impostos. Nesse caso, seria necessário pensar em uma reforma tributária de caráter amplo se for para corrigir alguma distorção. Por outro lado, as pessoas que usam suas PJs para receber honorários correm riscos, têm despesas que não teriam se recebessem na pessoa física e estão sujeitos a grande volatilidade/riscos em seus ganhos, o que não ocorre com os assalariados. Por isso, acho complicado criticar essa forma de remuneração.
Finalmente, critica-se o acionista majoritário das empresas por receberem dividendos e não serem tributados. É preciso deixar claro que esse acionista tem que ser remunerado pelo capital que disponibiliza à empresa. Naturalmente, se os dividendos forem tributados, é certo que o retorno que o acionista requererá será maior. Isso poderá ter efeitos no preço do produto final que a empresa produz.
Aparentemente, a ideia de tributar os dividendos para reduzir a desigualdade é por meio da distribuição aos pobres dos impostos arrecadados. A melhor forma de resolver essa desigualdade, no entanto, é melhorar dotação inicial dos mais pobres via acolhimento de mães grávidas e melhoria do ensino fundamental.
IHU On-Line – Alguns especialistas têm proposto a tributação de patrimônio e grandes fortunas como alternativas para enfrentar as desigualdades. Como você avalia esse tipo de proposta? Tributações desse tipo teriam que impacto sobre o enfrentamento das desigualdades? Como e por quê?
Rodrigo de Losso – A tributação de grandes fortunas é uma ideia estúpida e inócua. Primeiro, a base de arrecadação/pessoas atingidas não é tão grande assim. A transmissão das fortunas é infrequente. Todavia, suponha que isso resultasse numa grande arrecadação, quem é rico iria encontrar um jeito de burlar essa legislação. Poderia transferir sua riqueza para outro país de forma legal, poderia transferir seu patrimônio a seus herdeiros de forma paulatina ao longo da vida, poderia fazer doações cuja alíquota seria menor, enfim não seria uma medida eficaz. Claro que se pode pensar em taxar mais as heranças e grandes fortunas, mas a eficácia é limitada.
A tributação desse tipo dificilmente teria impacto no enfrentamento das desigualdades. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que o Estado é ineficiente quanto ao uso dos recursos que arrecada. Portanto, mesmo que empregasse de forma diligente esses recursos, a ineficiência estatal cuidaria de dissipar seus efeitos. Segundo, a ideia que o enfrentamento das desigualdades é feito com aumento de arrecadação me parece equivocada. A literatura econômica mostra que são políticas públicasfocadas na mãe grávida e na educação fundamental que geram resultados mais eficazes. Ora, nem sempre é necessário aumentar os impostos por isso. A gestão tributária deve ter como objetivo estimular o desenvolvimento econômico. É claro que pode ser usada para combater a pobreza e minimizar a situação de risco das pessoas menos favorecidas, mas o combate sustentável à desigualdade não necessariamente decorre de aumento de impostos.
IHU On-Line – Que aspectos deveriam fazer parte de uma reforma tributária, considerando a renda média dos brasileiros e as desigualdades existentes no país?
Rodrigo de Losso – O principal aspecto é reverter a origem dos tributos de impostos sobre consumo e serviços para impostos sobre a renda. Com isso, o impacto será imenso, mas principalmente se reduzirá a progressividade do imposto no Brasil. É preciso concertar um pacto federativo nesse sentido, mas é aí que reside a maior dificuldade, pois os estados ricos serão os mais atingidos. É preciso acabar com as desonerações fiscais e instituir o imposto sobre valor agregado, extinguindo taxas e contribuições que se multiplicam, como PIS, Cofins, CSLL etc. Também acho que o governo deveria instituir metas de redução paulatina da carga tributária para níveis de países de igual desenvolvimento do Brasil. Acredito que uma reforma séria extinguira as vinculações constitucionais de gastos, pois essas vinculações agravam a crise fiscal do governo e não garantem uma boa qualidade de serviços públicos.
IHU On-Line – O aumento da carga tributária seria uma boa alternativa para resolver o desequilíbrio fiscal e o endividamento público?
Rodrigo de Losso – Não, é uma solução fácil e equivocada para um problema difícil. O que vai resolver o desequilíbrio fiscal e endividamento público é um controle sério de gastos associado a políticas de aumento de produtividade e eficiência do setor público. Isso inclui revisão de salários e benefícios dos funcionários públicos, estabilidade etc.
IHU On-Line – Do ponto de vista da sustentabilidade das finanças públicas, que modelo de tributação garantiria a realização de políticas sociais sem crise fiscal?
Rodrigo de Losso – As políticas sociais não geram necessariamente crise fiscal. Na verdade, a crise fiscal que o Brasil enfrenta decorre de gastos descontrolados não necessariamente vinculados a políticas sociais. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer os gastos com salário e aposentadorias descolados do que recebem trabalhadores de mesmo nível na iniciativa privada. Segundo, é preciso entender que os gastos com judiciário e legislativo não têm paralelo com países desenvolvidos como proporção do PIB, o mesmo ocorrendo com os gastos de aposentadoria. A distorção que existe no Brasil é incrivelmente nociva. Dito isso, podem-se formular políticas sociais de êxito sem gerar crise fiscal alguma, basta construir essas políticas usando a melhor técnica econômica, exemplo de êxito em outros países ou regiões etc.
IHU On-Line – Como, na sua avaliação, tem se dado o debate sobre reforma tributária no país?
Rodrigo de Losso – O debate vem melhorando ao longo do tempo, na medida em que estudiosos do assunto mais competentes têm sido ouvidos. Entretanto, os interesses políticos e corporativistas vão continuar a ser um grande entrave para avanços significativos. Qualquer reforma tributária requererá sacrifícios de alguns entes. Não há como todos os atores ganharem no curto prazo, embora seja certo que todos ganham no longo prazo se houver um sistema tributário racional, equitativo e eficiente. Ocorre que os tomadores de decisão que se prejudicam com a reforma tributária têm um horizonte político muito curto, razão pela qual sou pessimista quanto a avanços significativos no médio prazo.