Campo Grande (MS) – Pelo segundo dia seguido, a sessão da Câmara dos Deputados dedicada a analisar destaques ao texto-base da reforma da Previdência foi encerrada antes do previsto. Segundo o presidente da Casa, Rodrigo Maia, a decisão foi tomada por falta de quórum. Com a debandada de parlamentares, havia o risco de não obter os votos necessários para derrubar alterações que ameaçam desidratar demais a proposta.
— Tivemos muita dificuldade hoje até conseguir organizar o acordo dos destaques para não correr risco de perder. Com o risco de queda de quórum para menos de 450, com destaque supressivo, a possibilidade de derrota era quase absoluta. Então, é melhor a gente parar, compreender a divergência das posições, respeitar isso. Quero que termine tudo amanhã (hoje) à noite ou sábado de manhã, mas isso vai depender do que vamos conseguir amanhã à noite — disse Maia.
Destaques supressivos são aqueles que propõem retirar trechos do texto-base. Para derrubá-los, são necessários 308 votos, o mesmo quórum para aprovar o texto principal. Quanto menos deputados na Casa, maior o risco de não atingir esse número. A bancada governista já tinha tido dificuldades em conseguir derrubar o destaque do PSOL que mantinha a regra atual do abono salarial. A proposta de modificação foi rejeitada por 326 votos, apenas 18 a mais que o mínimo.
Com a mudança de planos, Maia já admite que a conclusão da votação da reforma da Previdência pode ficar para depois do recesso parlamentar, marcado para o dia 18 de julho. Depois da análise dos destaques, o texto ainda precisa ser votado em segundo turno pelo plenário. Antes dessa nova rodada de votação, no entanto, a matéria precisa retornar à comissão especial para ajustes. Embora pareça simples, a oposição deve usar manobras regimentais para atrasar essa etapa.
Oficialmente, continua o plano de tentar terminar tudo nesta semana. Uma sessão foi convocada para as 9h desta sexta-feira, e a votação iniciará assim que houver quórum. A votação dos destaques se estenderia até a tarde, o projeto seria encaminhado para a comissão especial e a votação em segundo turno começaria no início da noite, estendendo-se até a manhã de sábado. O plano é considerado ousado por parlamentares. O próprio presidente da Câmara admite que manter quórum alto no sábado é arriscado.
— É arriscado. Tem que ver que tipo de mobilização se consegue a partir de sexta-feira à noite — disse Maia.
Diante dessas dificuldades, Rodrigo Maia já admite que a conclusão do processo pode ficar para o segundo semestre. De acordo com ele, não haveria muito prejuízo, já que o Senado só vai analisar a matéria após o recesso.
— Não acho nem que… Acho que terminar tudo é melhor, mas como o Senado não vai votar agora, não teria nenhuma gravidade. Mas o ideal é que a gente possa terminar tudo nesse semestre — afirmou.
Risco de desidratação
A sessão foi encerrada em um momento crítico para o governo, que tinha pela frente uma sequência de destaques apresentados pela oposição que poderiam desidratar a reforma. O primeiro deles, cuja votação foi interrompida no meio, previa a mudança em uma das regras de transição que reduzia de 100% para 50% o pedágio para servidores e trabalhadores do setor privado, em uma das regras de transição. Assim, quem está a três anos de se aposentar, precisaria trabalhar por mais um ano e meio, em vez de mais três. Segundo cartilha distribuída a líderes, essa mudança, proposta pelo PDT, poderia diminuir o impacto fiscal da reforma em R$ 87 bilhões em dez anos.
Outro destaque, este do Solidariedade, criava uma nova regra de transição, com pedágio de 30% para trabalhadores do INSS. A estimativa dos líderes governistas é de que o impacto dessa alteração chegaria a R$ 200 bilhões. Outra modificação nas regras de transição preocupava os parlamentares: um destaque do PDT que acabava com a exigência extra de tempo de contribuição, permitindo uma transição baseada apenas na idade.
A votação terminou sem a análise de um destaque para o qual há um acordo em construção: o que prevê regras mais brandas para professores. Como antecipou o GLOBO, a mudança prevê redução da idade mínima de 58 para 55 anos, no caso dos homens, e de 55 para 52 anos, no caso das mulheres. Isso seria válido para os profissionais que optassem pela regra de transição que prevê pedágio de 100% sobre o tempo que falta para se aposentar.
Ainda faltam sete destaques
A decisão de Maia foi tomada após um desentendimento entre Maia e líderes de partidos importantes. A liderança do PP tinha entendido que a sessão terminaria antes e acabou liberando deputados da sua bancada. Diante da confusão, o entendimento foi encerrar a sessão.
A sessão analisou seis propostas de alteração. O plenário aprovou as seguintes modificações: regras mais brandas para mulheres e pensões ,com impacto de R$ 36,3 bilhões sobre a reforma, segundo documento da equipe econômica; transição mais suave para policiais federais ; e a manutenção da regra atual que exige 15 anos de tempo mínimo de contribuição para homens que se aposentam pelo INSS.
Em contrapartida, foram derrubados destaques da oposição que alteravam as mudanças previstas na reforma para o abono salarial , benefício de prestação continuada e cálculo do salário de contribuição. Ao todo, faltam seis votações, entre destaques e emendas.
Na quarta-feira, o texto foi aprovado pro 379 votos a favor e 131 contra.Por isso, a votação entre os deputados pode ser concluída apenas no sábado. Com isso, o Congresso suspendeu seu programa de visitas desta sexta até domingo.
Contribuição menor
A primeira mudança aprovada foi para beneficiar as mulheres, cumprindo acordo feito com a bancada feminina. O destaque permite às mulheres se aposentarem com um benefício maior a partir dos 15 anos de contribuição. Elas terão direito a 60% do valor do benefício aos 15 anos de contribuição, e não apenas aos 20 anos. A cada ano a mais na ativa, receberá mais 2%. Assim, seria possível para as mulheres ter direito a 100% do benefício com 35 anos de contribuição. Será necessário, porém, a cumprir idade mínima.
Por volta de 1h30m, os deputados reduziram o tempo mínimo de contribuição também para os homens, para 15 anos , contra os 20 estabelecidos no texto-base. O destaque, do PSB, foi aprovado por 445 votos a 15. Foi o último destaque a ser votado.
O aumento do tempo de contribuição vinha sendo criticado por integrantes da oposição, principalmente por causa da dificuldade de trabalhadores mais pobres se manterem por muito tempo no mercado formal. A alteração na regra não mexe na exigência de idade mínima, que segue sendo de 65 anos para homens e de 62 anos para mulheres.
A pensão por morte, porém, gerou polêmica com a bancada evangélica. O texto-base previa que a pensão não poderia ser inferior ao salário mínimo caso esse benefício fosse a única fonte de renda da família. A emenda permite que o benefício seja igual ao piso mesmo que alguém da família tenha uma renda informal.
A aprovação dessa emenda derrubou cinco destaques que tratavam do mesmo assunto. O impacto das mudanças para mulheres e pensões é de R$ 36,3 bilhões. Líderes do centrão reclamaram que o presidente Jair Bolsonaro se reuniu com a bancada evangélica nesta quinta e não tentou contornar as dificuldades, que atrasaram a votação.
Além disso, foi rejeitada a mudança nas regras do benefício devido a idosos carentes previstas no texto-base.
Maia afirmou, em entrevista à Rede Band, que a economia precisa ficar na ordem de R$ 900 bilhões a R$ 950 bilhões. Mais tarde, disse que as mudanças devem ser pontuais:
— Para mim, todos que votaram a favor da reforma tendem a defender o texto. Pode ter mudança em um ou outro ponto, mas não acredito que os deputados irão desidratar o texto aprovado.
Perguntado se seria o “general” da reforma, como disse Bolsonaro, Maia respondeu:
— Os generais estão apanhando muito no entorno do presidente também. Não sei se é um bom momento para ser general.
Professor ficou para esta sexta
O plenário também aprovou, por volta de 1h, emenda que garante regras mais brandas a policiais federais . O texto fora acordado com o governo, e o placar foi elevado: 467 votos a favor, e 15 contra. São beneficiados policiais federais, rodoviários federais, ferroviários federais, agentes penitenciários, socioeducativos, policiais civis do Distrito Federal e policiais legislativos federais.
Assim, essas categorias poderão se aposentar com 53 anos (homens) e 52 anos (mulheres), com pedágio de 100%. Também foi assegurada a integralidade (último salário da carreira) para quem ingressou na carreira até 2019. O impacto é de R$ 11 bilhões.
O governo também aceitou, em acordo que acabou ficando para ser votado nesta sexta, reduzir a idade mínima dos professores em uma das regras de transição para a aposentadoria dessa categoria de quem já está na ativa. A idade mínima cairia para de 58 para 55 anos no caso dos homens. E de 55 para 52 anos, no caso das mulheres. Isso será válido apenas na regra de transição que prevê o pagamento de um pedágio de 100% sobre o tempo que falta para a aposentadoria. Para os demais, a idade mínima nessa regra de transição é de 60 (homens) e 57 anos (mulheres).