Campo Grande (MS) – O relator da Reforma Tributária no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), avalia definir uma trava para a alíquota dos novos tributos criados pela PEC (proposta de emenda à Constituição). Dessa forma, a cobrança sobre o consumo de bens e serviços precisaria respeitar limites mínimos e máximos estabelecidos no texto.
A iniciativa ainda será discutida com os demais senadores, mas é concebida como uma tentativa de reduzir uma das principais incertezas que rondam o texto aprovado pela Câmara: qual será a alíquota final incidente sobre cada atividade.
“Acho talvez prudente que se tenha um comando constitucional de mínimos e máximos no IBS [Imposto sobre Bens e Serviços] e para a CBS [Contribuição sobre Bens e Serviços]. Se não, vai deixar para uma lei complementar, que é uma matéria infraconstitucional, com quórum mais baixo”, afirmou à Folha, ressaltando que ainda se trata de uma ideia e pretende ouvir os parlamentares sobre o tema.
Braga argumenta que o ICMS (imposto estadual que será extinto pela Reforma) já tem seus parâmetros definidos na Constituição. Para ele, deixar o tema para regulamentação posterior em lei complementar, como previsto no texto aprovado na Câmara, pode fazer com que os novos critérios de cobrança fiquem à mercê de surpresas políticas.
Durante a tramitação na Câmara, o Ministério da Fazenda evitou apresentar estimativas sobre a alíquota sob a justificativa de que o cálculo depende de diferentes variáveis —incluindo a quantidade de bens e serviços contemplados por tratamentos favorecidos ou cobranças reduzidas.
Como a intenção é manter o patamar atual de arrecadação, quanto mais exceções, maior a alíquota. Estimativas anteriores apontavam um patamar próximo a 25%, já somadas as cobranças da CBS federal e o IBS de estados e municípios, mas alguns especialistas temem que o percentual fique mais alto diante das concessões feitas a setores na reta final da votação pelos deputados.
“A Câmara fez um truque, e o Bernard Appy [secretário extraordinário de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda] também fez um truque. Discutiram muito a Reforma, mas a alíquota ninguém discutiu”, disse o relator no Senado.
Braga disse querer agora adotar total transparência nos debates, o que inclui expor as alíquotas e o efeito sobre elas de cada mudança. Na prática, o senador quer mostrar, com números, o quanto a carga tributária dos demais setores pode subir com a concessão de benesses a determinado bem ou serviço, ou o tamanho do alívio geral se a opção for restringir a lista de contemplados por tratamento favorecido.
Na avaliação do parlamentar, que é líder do MDB na Casa e um dos senadores mais influentes, isso pode ajudar na discussão das exceções. “Você vai analisar o custo-benefício, quanto custa dar exceção para determinada atividade. Acho que isso é fundamental para a gente poder perguntar ao povo brasileiro ‘Nós estamos a fim de fazer isso? Vai custar tanto’”, disse Braga.
“Questionam muito os benefícios fiscais, porque eles impactam a economia. Aí fazemos as exceções fiscais, que é uma forma de benefício fiscal, e nós temos que quantificar isso. Perguntar se isso está de acordo com o que a população quer”, afirmou.
Embora demonstre disposição em discutir a lista de exceções, outro ponto sensível da proposta, Braga evita dar pistas de quais considera problemáticas. Na reta final, o relator da Câmara flexibilizou o regime para segmentos que vão de clubes de futebol a igrejas.
“Há exceções que eu posso dizer que acho estranho. Mas não tenho opinião ainda formada”, afirmou. “Faz sentido a exceção para bares? Não sei. Olhando assim, a princípio, é estranho”, acrescentou, no único exemplo específico citado durante a entrevista.
“Poderia citar vários [pontos], mas prefiro ficar só nos bares, para dizer que é no mínimo estranho você ter uma exceção tributária para bares. Não consigo entender a lógica, mas respeito e queremos avaliar o custo-benefício e a lógica dessa exceção”, afirmou.
O relator também indica que fará mudanças no Conselho Federativo –órgão responsável pela gestão e arrecadação do IBS, bem como pelo repasse dos recursos que cabem a cada ente da federação. O formato do Conselho foi um dos principais alvos de resistência entre parte dos governadores, que viam perda de autonomia.
A principal voz contrária neste quesito era do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Para atrair seu apoio, Ribeiro mudou o sistema de votação no colegiado para dar mais peso a estados populosos, o que beneficia Sul e Sudeste —incluindo São Paulo. A mudança, porém, desagradou governadores do Norte e Nordeste, para quem o Brasil é uma federação e não há razão para dar mais peso de voto a um ou outro estado.
“Só que aqui [no Senado] são todos iguais. O peso relativo aqui é todo igual”, disse. “São Paulo tem três senadores, a Bahia tem três senadores, Pernambuco tem três senadores […]. Aqui é a casa da Federação”, afirmou.
“É claro que o apoio do Tarcísio é sempre importante, o apoio de todos os governadores é importante, o apoio dos prefeitos é importante. Mas, no final do dia, o que vai valer é a opinião do senador”, disse.
Braga indicou também que deve retomar o dispositivo que assegura incentivos fiscais às montadoras. Na Câmara, Ribeiro incluiu de última hora um dispositivo à montadora chinesa BYD (Beyond Your Dreams), que vai se instalar em Camaçari, na Bahia. A Stellantis, que tem uma fábrica em Goiana (PE), também seria contemplada.
Aliados do governo afirmam que foi um pedido do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em uma derrota para o Executivo, porém, o artigo foi derrubado por uma diferença de apenas um voto.
O relator no Senado atribuiu o resultado a uma “falha de comunicação” do governo, que não conseguiu colocar os 308 votos necessários para manter o texto e prescindiu do apoio de figuras importantes, como o líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu (PR).
Braga também indicou que pretende manter a isenção total do IBS e da CBS para produtos da cesta básica, apesar de economistas criticarem a falta de foco dessa política, que contempla todos os consumidores desses artigos, sejam eles de baixa ou alta renda.
“Você vai diferenciar quem compra arroz ou quem compra feijão?”, disse o senador. Para ele, os problemas existentes hoje na política de desoneração da cesta podem ser corrigidos com maior rigor na definição da lista de produtos contemplados. No formato atual, a proteínas nobres como salmão acabam sendo desoneradas porque fazem parte do grupo de peixes.
Braga ainda elogiou o tratamento dado na Reforma à Zona Franca de Manaus, que fica em seu estado, o Amazonas. Na Câmara, os deputados aprovaram a criação do chamado Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica, para ajudar a região na transição para um novo modelo econômico.
Hoje, a região tem vantagens competitivas porque os bens produzidos na Zona Franca são isentos de tributos como IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) ou contam com créditos presumidos de ICMS (usados para reduzir o valor recolhido aos cofres estaduais). Como esses tributos serão extintos pela Reforma, havia grande temor em relação ao futuro da região.
Segundo Braga, sem um tratamento especial para a Zona Franca, a Reforma poderia acabar com 15% a 25% da atividade econômica do Amazonas em duas décadas.
O senador ressaltou que a solução foi construída junto com o ministro Fernando Haddad. “A Câmara fez 95% do serviço, porque senão eu seria aqui um grande problema para a Reforma. E [agora] eu deixei de ser um problema para a Reforma. Eu sou um facilitador”, disse.
Fonte: Folha de S. Paulo