O custo do crédito e os impactos das políticas tributárias

Publicado em: 26 set 2023

Campo Grande (MS) – A taxa de juros Selic e a política monetária do Banco Central foram objeto das mais diversas críticas e elogios durante este ano. A Selic constitui um indicador principal direcionado do custo das linhas de crédito, mas é importante destacar que não é o único.

Como seria de esperar, tributos constituem um fator relevante para a composição do custo do crédito. Em um país com um sistema tributário como o brasileiro, tal fator torna-se mais relevante. É o que passamos a avaliar.

O Relatório de Economia Bancária de 2022, disponibilizado pelo Banco Central, apresenta a decomposição do Indicador de Custo do Crédito (ICC). O ICC estima o custo médio, sob a ótica do tomador, de todas as operações de crédito vigentes em um dado momento independentemente da data de contratação do crédito.

O indicador é decomposto em cinco componentes:

  • 1) custo de captação: despesas das instituições financeiras (IFs) com o pagamento de juros nas captações de recursos;
  • 2) inadimplência: perdas decorrentes do não pagamento de dívidas, juros não recebidos de operações com atraso e descontos concedidos;
  • 3) despesas administrativas: despesas diversas, necessárias para realizar operações de crédito;
  • 4) tributos e Fundo Garantidor de Crédito (FGC) — tributos sobre operações de crédito pagos pelos clientes e pelas instituições e contribuições mensais, por parte das instituições, para o FGC;
  • 5) margem financeira do ICC —  a parte do ICC que remunera o capital dos acionistas das instituições financeiras pelo crédito, e outros fatores incluindo erros e omissões nas estimativas.

Segundo o relatório, a porcentagem de cada um dos fatores ficou em:

  • custo de captação (35%);
  • inadimplência (20%);
  • despesas administrativas (16%);
  • tributos e FGC (14%);
  • margem financeira do ICC (14%).

A despeito de não ocupar maior proporção no ICC, os tributos representam um relevante fator para o custo do crédito no Brasil. Sobre esse ponto, há necessidade de mudança. Quando comparado a outros países, o Brasil possui volume reduzido de crédito. O crédito doméstico ao setor privado brasileiro chegou a 70% do PIB em 2020, enquanto os EUA apresentaram um valor de 216% e o Chile um montante de 124%.

Para o ano de 2023, conforme dados do Banco Central, o crédito ampliado a empresas situou-se em R$ 5,2 trilhões (49,9% do PIB). O crédito ampliado compreende tanto as operações de crédito do Sistema Financeiro Nacional (SFN) – empréstimos e financiamentos concedidos por bancos e outras instituições financeiras – quanto as operações de crédito dos demais setores institucionais residentes, os títulos de dívida públicos e privados e os créditos concedidos por não residentes (dívida externa).

E como as medidas tributárias podem alterar e melhorar esse cenário? A PEC 45/2019, que discute a reforma tributária no setor de consumo, apresenta características específicas para o setor de serviços financeiros. Por meio do artigo art. 156-A, § 5º, V, ‘b’, a PEC estabelece regimes específicos de IBS e CBS para serviços financeiros, dentre os quais estariam incluídos os serviços relativos a arranjos de pagamento e fintechs.

Conforme determina o referido artigo, a Lei Complementar deverá regulamentar a forma de apuração dos tributos, os quais poderão ser cumulativos. Eles poderão ter como base a receita ou o faturamento, e a alíquota será uniforme em todo o território nacional.

Não há uma clareza se o regime será apenas para os serviços tidos como financeiros ou para a totalidade das receitas auferidas para a empresa. Considerando a ausência de alíquotas, até o presente momento, em especial para regimes de tributação diferenciada para tal setor, não é possível avaliar os impactos sobre a tributação. Entretanto, caso ocorra um aumento da tributação atual, este será refletido diretamente no custo tributário do crédito.

Ademais, outro movimento de alteração legislativa possui relevante impacto para concessão de crédito.

Medida Provisória 1184/2023, conhecida como MP da Tributação de Fundos de Investimento, altera as regras de tributação de aplicações em fundos no Brasil. Seu objetivo é aplicar aos rendimentos apurados em fundos fechados as mesmas regras e as alíquotas atualmente em vigor relativas aos fundos abertos.

Especificamente quanto à antecipação de recebíveis, cabe destacar a relevante atuação dos Fundos de Investimento de Direito Creditórios (FIDC). Os FIDCs provêm às empresas de segmentos e portes diversos recursos necessários ao seu capital de giro, ou seja, criam liquidez às empresas detentoras de direitos, frutos do desenvolvimento de suas atividades, que, em contrapartida recebem o retorno financeiro imediato, mediante a antecipação de suas receitas, ao efetuar a cessão de crédito ao fundo. Isso propicia a realização de maiores investimentos no curto prazo, e assim sucessivamente, aumentando o seu crescimento e mobilizando ativamente a economia.

Em outras palavras, os FIDCs constituem fundamento essencial do processo de desbancarização e crescimento de fintechs, uma vez que representam uma fonte acessível e barata de capital para milhares de empresas dos mais diversos segmentos e tamanhos. Para muitas, como aquelas que estão em recuperação judicial, costumam ser a única fonte de capital disponível.

Entretanto, por meio da MP 1184, determina-se que tais fundos passem pelo denominado regime de tributação come-cotas. A sistemática do come-cotas concretiza-se no desconto automático do Imposto de Renda pelo administrador do fundo de investimento, pressupondo, deste modo, que a mera valorização das cotas representa verdadeira remuneração auferida pelo investidor ao final de determinado período.

Entretanto, tal medida abre espaço para a judicialização. Como o racional de que haveria ilegalidades de tal método de tributação, que despreza os conceitos de disponibilidade econômica e jurídica, inerentes à tributação pelo Imposto de Renda no Brasil.

Ademais, por sua própria natureza, os FIDCs costumam investir em ativos de baixa liquidez e de performance incerta, o que os torna incompatíveis com tal regime de tributação. Medidas que impactam diretamente o sistema financeiro e o crédito brasileiro devem ser cuidadosamente avaliadas, de modo a evitar que o custo tributário tome uma proporção maior no custo do crédito brasileiro.

Fonte: JOTA

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