Campo Grande (MS) – A taxa de juros Selic e a política monetária do Banco Central foram objeto das mais diversas críticas e elogios durante este ano. A Selic constitui um indicador principal direcionado do custo das linhas de crédito, mas é importante destacar que não é o único.
Como seria de esperar, tributos constituem um fator relevante para a composição do custo do crédito. Em um país com um sistema tributário como o brasileiro, tal fator torna-se mais relevante. É o que passamos a avaliar.
O Relatório de Economia Bancária de 2022, disponibilizado pelo Banco Central, apresenta a decomposição do Indicador de Custo do Crédito (ICC). O ICC estima o custo médio, sob a ótica do tomador, de todas as operações de crédito vigentes em um dado momento independentemente da data de contratação do crédito.
O indicador é decomposto em cinco componentes:
- 1) custo de captação: despesas das instituições financeiras (IFs) com o pagamento de juros nas captações de recursos;
- 2) inadimplência: perdas decorrentes do não pagamento de dívidas, juros não recebidos de operações com atraso e descontos concedidos;
- 3) despesas administrativas: despesas diversas, necessárias para realizar operações de crédito;
- 4) tributos e Fundo Garantidor de Crédito (FGC) — tributos sobre operações de crédito pagos pelos clientes e pelas instituições e contribuições mensais, por parte das instituições, para o FGC;
- 5) margem financeira do ICC — a parte do ICC que remunera o capital dos acionistas das instituições financeiras pelo crédito, e outros fatores incluindo erros e omissões nas estimativas.
Segundo o relatório, a porcentagem de cada um dos fatores ficou em:
- custo de captação (35%);
- inadimplência (20%);
- despesas administrativas (16%);
- tributos e FGC (14%);
- margem financeira do ICC (14%).
A despeito de não ocupar maior proporção no ICC, os tributos representam um relevante fator para o custo do crédito no Brasil. Sobre esse ponto, há necessidade de mudança. Quando comparado a outros países, o Brasil possui volume reduzido de crédito. O crédito doméstico ao setor privado brasileiro chegou a 70% do PIB em 2020, enquanto os EUA apresentaram um valor de 216% e o Chile um montante de 124%.
Para o ano de 2023, conforme dados do Banco Central, o crédito ampliado a empresas situou-se em R$ 5,2 trilhões (49,9% do PIB). O crédito ampliado compreende tanto as operações de crédito do Sistema Financeiro Nacional (SFN) – empréstimos e financiamentos concedidos por bancos e outras instituições financeiras – quanto as operações de crédito dos demais setores institucionais residentes, os títulos de dívida públicos e privados e os créditos concedidos por não residentes (dívida externa).
E como as medidas tributárias podem alterar e melhorar esse cenário? A PEC 45/2019, que discute a reforma tributária no setor de consumo, apresenta características específicas para o setor de serviços financeiros. Por meio do artigo art. 156-A, § 5º, V, ‘b’, a PEC estabelece regimes específicos de IBS e CBS para serviços financeiros, dentre os quais estariam incluídos os serviços relativos a arranjos de pagamento e fintechs.
Conforme determina o referido artigo, a Lei Complementar deverá regulamentar a forma de apuração dos tributos, os quais poderão ser cumulativos. Eles poderão ter como base a receita ou o faturamento, e a alíquota será uniforme em todo o território nacional.
Não há uma clareza se o regime será apenas para os serviços tidos como financeiros ou para a totalidade das receitas auferidas para a empresa. Considerando a ausência de alíquotas, até o presente momento, em especial para regimes de tributação diferenciada para tal setor, não é possível avaliar os impactos sobre a tributação. Entretanto, caso ocorra um aumento da tributação atual, este será refletido diretamente no custo tributário do crédito.
Ademais, outro movimento de alteração legislativa possui relevante impacto para concessão de crédito.
A Medida Provisória 1184/2023, conhecida como MP da Tributação de Fundos de Investimento, altera as regras de tributação de aplicações em fundos no Brasil. Seu objetivo é aplicar aos rendimentos apurados em fundos fechados as mesmas regras e as alíquotas atualmente em vigor relativas aos fundos abertos.
Especificamente quanto à antecipação de recebíveis, cabe destacar a relevante atuação dos Fundos de Investimento de Direito Creditórios (FIDC). Os FIDCs provêm às empresas de segmentos e portes diversos recursos necessários ao seu capital de giro, ou seja, criam liquidez às empresas detentoras de direitos, frutos do desenvolvimento de suas atividades, que, em contrapartida recebem o retorno financeiro imediato, mediante a antecipação de suas receitas, ao efetuar a cessão de crédito ao fundo. Isso propicia a realização de maiores investimentos no curto prazo, e assim sucessivamente, aumentando o seu crescimento e mobilizando ativamente a economia.
Em outras palavras, os FIDCs constituem fundamento essencial do processo de desbancarização e crescimento de fintechs, uma vez que representam uma fonte acessível e barata de capital para milhares de empresas dos mais diversos segmentos e tamanhos. Para muitas, como aquelas que estão em recuperação judicial, costumam ser a única fonte de capital disponível.
Entretanto, por meio da MP 1184, determina-se que tais fundos passem pelo denominado regime de tributação come-cotas. A sistemática do come-cotas concretiza-se no desconto automático do Imposto de Renda pelo administrador do fundo de investimento, pressupondo, deste modo, que a mera valorização das cotas representa verdadeira remuneração auferida pelo investidor ao final de determinado período.
Entretanto, tal medida abre espaço para a judicialização. Como o racional de que haveria ilegalidades de tal método de tributação, que despreza os conceitos de disponibilidade econômica e jurídica, inerentes à tributação pelo Imposto de Renda no Brasil.
Ademais, por sua própria natureza, os FIDCs costumam investir em ativos de baixa liquidez e de performance incerta, o que os torna incompatíveis com tal regime de tributação. Medidas que impactam diretamente o sistema financeiro e o crédito brasileiro devem ser cuidadosamente avaliadas, de modo a evitar que o custo tributário tome uma proporção maior no custo do crédito brasileiro.
Fonte: JOTA