Tema foi discutido em evento organizado pelo Ciesp e pela Escola Superior da AGU
Um dos desafios para os projetos de lei que regulamentam a reforma tributária será a solução de aparentes contradições no texto constitucional sobre o Imposto Seletivo.
A reforma prevê a criação de um Imposto Seletivo adicional sobre produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, de acordo com regras previstas em uma lei complementar.
A emenda constitucional da reforma também diz que esse tributo não poderá ser cobrado sobre bens ou serviços com alíquotas reduzidas, como alguns alimentos e itens de saúde.
Esse ponto tem levado muitas empresas e tributaristas a afirmar que não seria possível tributar um produto considerado prejudicial à saúde ou ao meio ambiente, minério ou derivado de petróleo, por exemplo, quando este servir de insumo para um produto desonerado, como dispositivos médicos.
O texto constitucional, no entanto, diz que, na extração (de minérios ou petróleo, por exemplo), “o imposto será cobrado independentemente da destinação”.
Esse ponto também levanta outra questão. A Constituição prevê que o seletivo não incidirá sobre as exportações. Mas o que ocorre na venda de petróleo e minérios para o exterior?
Em evento realizado na quinta (18) e sexta (19) pelo Ciesp (centro das indústrias de São Paulo) e pela Escola Superior da AGU (Advocacia-Geral da União), Breno Vasconcelos, professor da Escola de Direito da FGV-SP e do Insper, disse que a expressão “independentemente da destinação” se refere ao uso do insumo e não destino da venda (mercado interno ou exterior).
Ele também afirmou que o modelo adotado pelo legislador brasileiro é um tributo de natureza extrafiscal, que vai ter natureza regulatória, não arrecadatória.
Disse ainda que o seletivo na extração não deve incidir sobre insumos para produtos que são benéficos à saúde e ao meio ambiente.
No mesmo evento, Valdir Simão, ex-ministro do Planejamento e da CGU (Controladoria Geral da União), afirmou haver risco de utilização meramente arrecadatória desse tributo e de aplicação do imposto inclusive para produtos benéficos à saúde e ao meio ambiente.
O projeto sobre o seletivo apresentado por um grupo de frente parlamentares (PLP 29), que tenta dificultar a implantação de tal imposto, foi definido pelo ex-ministro como um texto com uma redação “terrível”.
Denise Lucena Cavalcante, procuradora da Fazenda Nacional e professora da Universidade Federal do Ceará, criticou a mesma proposta e disse que a tributação adicional de bens nocivos ao meio ambiente é uma realidade mundial e não deve ser vista como um risco, mas uma oportunidade para o país e para o mercado.
No mesmo debate, Vanessa Rahal Canado, coordenadora do Núcleo de Tributação do Insper, afirmou que, ao contrário do que ocorre em relação ao IVA, não há consenso sobre o funcionamento de um imposto seletivo, nem na literatura tributária, nem na experiência internacional.
Esse tipo de tributo pode ter caráter fiscal ou extrafiscal e arrecadação com destinação específica ou não. Há casos em que houve êxito no objetivo de reduzir o consumo de determinados bens, e experiências com resultados controversos.
Canado, que foi assessora do Ministério da Economia, defende que o governo apresente uma solução que seja correta do ponto de vista técnico. Concessões políticas, segundo ela, só devem ser feitas durante as discussões no Legislativo. “As concessões políticas devem vir em cima de um conteúdo técnico correto.”
No caso das bebidas alcoólicas, ela citou como exemplo recente o Reino Unido, que após o Brexit aproveitou um estudo da União Europeia para adotar a tributação por conteúdo alcoólico –algo que a própria UE resiste em adotar por questões políticas.
Houve, no entanto, uma adaptação local: criar uma tabela para cada tipo de bebida com tributação “ad rem” (com valor fixo por conteúdo de álcool), uma questão política, e não técnica, segundo a tributarista.
Canado destacou ainda o mito de que alguns países adotam tributação reduzida para alguns desses produtos. Nenhum lugar, nem Itália nem França, tem alíquota reduzida para vinho, afirmou.
Fonte: Folha de S. Paulo