O split payment inova a cobrança de tributos e, caso seja bem implementado, colocará o Brasil como exemplo para os IVAs dos demais países do mundo
O fato é que a Inteligência Artificial veio para ficar. Então os debates são necessários para que haja um equilíbrio no uso da ferramenta de modo a aproveitar apenas os aspectos positivos, com olhar atento para evitar exageros e falhas. – (crédito: Gerd Altmann por Pixabay )
ONÍZIA DE MIRANDA AGUIAR PIGNATARO — Conselheira do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), doutoranda em direito constitucional pelo IDP, mestre em direito tributário internacional e econômico pela Universidade Católica de Brasília; GABRIEL VALADÃO DE OLIVEIRA — Bacharelando em direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP)
A Inteligência Artificial (IA) tem revolucionado diversos setores, incluindo a administração tributária. O debate sobre a aplicação da IA no split payment, proposto na reforma tributária, ganhou destaque.O progresso tecnológico impulsionou a criação de negócios digitais, sem presença física concreta. A reforma tributária foi projetada para enfrentar essa nova realidade, visando tributar mercados que atualmente não são suficientemente regulamentados, o que frequentemente facilita a evasão fiscal. Nessa nova modalidade de recolhimento, denominada split payment, a arrecadação tem como principal aliada a tecnologia inteligente.
Atualmente, no Brasil, o contribuinte paga o imposto em um momento posterior à conclusão da venda ou da prestação de serviço, o que permite o fluxo de caixa, porém facilita a evasão fiscal. No modelo de split payment, o recolhimento do tributo será imediato, no momento da liquidação financeira da operação ou prestação. Em uma transação sujeita a essa modalidade, o valor correspondente ao imposto é separado automaticamente do montante principal e direcionado diretamente para uma conta governamental, antes que o valor restante seja repassado ao vendedor ou prestador de serviços. Isso garante que o imposto seja pago imediatamente, sem depender da boa vontade do contribuinte.
Esse modelo promete reduzir inadimplência, sonegação e fraude, especialmente no mercado digital. A IA pode monitorar transações em tempo real, detectando padrões suspeitos e inconsistências. Algoritmos avançados aprimoram a segurança e eficácia do sistema tributário, ajustando-se às novas formas de fraudes. Como consequência do fechamento das possibilidades de fraude, sonegação e inadimplência no país, o Ministério da Fazenda estima uma redução de até três pontos percentuais na alíquota de referência da CBS e do IBS.
Ademais, segregação automática do imposto devido do preço do produto ou serviço, operada por tecnologia inteligente, permite que o contribuinte tenha ciência do quantitativo de imposto que está sendo pago e de crédito a ser recebido, dispensando grande parte do trabalho contábil e aumentando a transparência no sistema tributário brasileiro.
No entanto, surgem diversas incertezas relacionadas à implementação de uma modalidade disruptiva como o split payment. A antecipação do pagamento do tributo é um dos principais objetos de discussão pelos especialistas. Ao se utilizar do Split Payment, o valor do tributo é antecipado quando do acontecimento da operação, havendo o pagamento do tributo no momento da ocorrência do fato gerador.
Primeiramente, pondera-se qual o efeito que a antecipação do imposto terá no fluxo de caixa das empresas e, consequentemente, na economia nacional. Isso porque, nas práticas comerciais e negociais, a disponibilidade de dinheiro é indispensável.
Ademais, o histórico brasileiro em matéria de restituição tributária é desfavorável. Especialistas temem que a adoção do split payment sem um sistema inteligente que garanta a efetiva e oportuna restituição dos tributos antecipados, tornará a sistemática inconstitucional por equiparação ao confisco.
Além disso, prevê-se um grande aumento na judicialização em caso de um sistema de cobrança ineficiente, considerando que o pagamento ocorrerá automaticamente na ocorrência do fato gerador. Assim, em caso de eventual divergência de interpretação, o contribuinte terá que pagar o tributo antecipadamente e depois questionar.
A partir de todo o exposto, tem-se que a implementação bem-sucedida do split payment depende da implementação cautelosa e eficiente de uma IA.
O split payment inova a cobrança de tributos e, caso seja bem implementado, colocará o Brasil como exemplo para os IVAs dos demais países do mundo. Aliada a inteligência artificial, essa modalidade tem o potencial de alcançar uma arrecadação tributária eficiente e adaptável, apropriada para a era digital e as constantes mudanças trazidas por ela.
O Projeto de Lei Complementar 68/24 terá a responsabilidade de definir como será operacionalizado o split payment no Brasil. Essa regulamentação será crucial para definir as regras específicas de implementação, incluindo os procedimentos operacionais, responsabilidades das partes envolvidas, critérios de aplicação e principalmente a implementação de sistemas inteligentes e autônomos, que embora sejam grandes aliados nessa nova era, devem ser implementados com cuidado, considerando os desafios éticos e práticos que surgem com o uso intensivo de tecnologias digitais.
Fonte: Correio Braziliense