Campo Grande (MS) – O texto da reforma tributária aprovado na Câmara dos Deputados estabelece um novo sistema de tributação para o consumo no País. Se aprovado também no Senado sem mudanças, o consumo passará a ser tributado pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que será um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA). Esse imposto incide sobre bens e serviços e tem competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios. Terá legislação única aplicável em todo território nacional e promessa de muita simplificação, progressividade do sistema e aumento de receitas para os entes federados.
O modelo de tributação do IVA é utilizado em mais de 160 países. É um tributo de muita capilaridade na economia por sua própria natureza e por isso o mais importante em arrecadação de receitas. De acordo com o relatório da Organização para a Economia, Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), as receitas do IVA nos seus países membros foram em média de 6,7% do PIB entre 2018 e 2020.
No Brasil, o modelo de IVA sobre o consumo adotado até antes da reforma era um IVA trial, sobre serviços (ISS), de competência dos Municípios; sobre operações relativas à circulação de mercadorias (ICMS), de competência dos Estados e do Distrito Federal; e sobre produtos industrializados (IPI), de competência do Governo Federal. Esses três IVAs representam juntos 8,68% do PIB (superando em 30% a média da OCDE).
Embora o IVA seja um tributo com alto potencial de arrecadação, ele se caracteriza por ser um imposto bastante regressivo. Essa regressividade ocorre em razão de que as famílias mais pobres gastam praticamente toda a renda no consumo, onde o pagamento do IVA representa uma parcela maior dessa renda, em relação às famílias mais ricas.
A fim de reduzir a regressividade do ICMS, os governos estaduais têm adotado políticas tributárias de benefícios fiscais, por meio de alíquotas reduzidas, isenções, reduções na base de cálculo para itens mais consumidos pelas famílias mais pobres.
Ainda que essas políticas tributárias produzam um certo alívio na carga tributária dessas famílias, elas arrastam consigo vários problemas de ordem fiscal e social. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) destaca dois desses problemas. O primeiro é o gasto fiscal desses benefícios concedidos indistintamente a toda a população. Já o segundo problema diz respeito aos favorecidos dessas isenções e reduções. Como não há um direcionamento desses benefícios fiscais, as famílias mais ricas acabam sendo mais favorecidas do que as mais pobres.
Reduzir a carga tributária por meio desses benefícios mostrou-se ineficaz e de alto custo fiscal, tendo em vista a falta de um direcionamento dos benefícios às pessoas e não a setores, produtos ou serviços. Um IVA personalizado que prestigia determinados beneficiários e certas compras elegíveis tende a promover a progressividade do imposto.
Por essa razão, a criação de uma Cesta Básica Nacional de produtos destinados à alimentação humana com alíquotas de impostos e contribuições reduzidas a zero é uma medida comprovadamente ineficaz e tem o propósito apenas de atrair a atenção e aprovação da mídia e da população.
Um imposto personalizado foi a solução encontrada por alguns países para atenuar a regressividade e os elevados custos dos benefícios fiscais. A diminuição da carga tributária direcionada a certos grupos da sociedade que se deseja atingir é realizada por meio de programas de reembolso – cashback – do imposto pago pelas camadas mais pobres da população.
Experiências exitosas com o cashback são conhecidas em países como Bolívia, Colômbia, Equador, Uruguai, Argentina e Canadá – em algumas de suas províncias -, e em nosso próprio País, com o programa “Devolve ICMS” do Rio Grande do Sul.
Existem dois tipos de cashback. O cashback por compensação que é o reembolso realizado em parcelas fixas. Parcelas desvinculadas dos valores efetivamente pagos do imposto pelas famílias de baixa renda ou grupos específicos. E o cashback por devolução, onde a quantia a ser reembolsada dependerá do imposto efetivamente pago pelo grupo beneficiário, que pode ser facilmente comprovado por meio das notas fiscais eletrônicas emitidas pelo estabelecimento comercial ou prestador de serviço.
Não é difícil perceber que em um cashback devolutivo, diferentemente do compensatório – por parcelas fixas -, há um incentivo à formalização das empresas, uma vez que o reembolso depende da emissão da NF-e, assim como há a conscientização do beneficiário do esforço para diminuir a regressividade pelo Poder Público. A formalização da empresa representa ganho não apenas para o Fisco com o aumento da arrecadação, mas representa ganho para a sociedade como um todo, na garantia dos direitos trabalhistas e previdenciários, na captação de recursos pelas empresas para investimentos e uma maior segurança dos consumidores nas aquisições de bens e serviços.
O texto da reforma tributária fala sobre a criação de programas de reembolso total ou parcial do imposto que visam reduzir a regressividade do IVA: o cashback. Contudo, não se pode perder de vista que a autorização para o cashback sempre existiu na Constituição da República, no § 1 º do artigo 145, ao estabelecer que os impostos, sempre que possível, terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Desse modo, a reforma tributária não criou princípio novo. Tome-se, como exemplo, o programa “Devolve ICMS” do Rio Grande do Sul.
Rogério Salviano Alves, auditor Fiscal do Tesouro Estadual de Pernambuco, especialista em Direito Tributário e Diretor Jurídico do Sindifisco-PE