Campo Grande (MS) – O teto de gastos, que já está enfraquecido, tende a sofrer novo golpe no Congresso. A tarefa de estimar o indicador que reajusta essa regra fiscal, hoje do Executivo, pode ser transferida para o Legislativo graças a uma alteração artigo 24 da proposta de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentária) de 2023.
Na avaliação de Marcos Mendes, que identificou a mudança, trata-se de um passo a mais no processo de ampliação do poder do Congresso sobre o Orçamento e do enfraquecimento do limite aos gastos.
Se ela vingar, diz ele, os parlamentares, que têm aumentado o valor de suas emendas e buscam tornar a sua execução obrigatória, também teriam poder para abrir espaço em todo o Orçamento.
Pela regra em vigor, os ajustes orçamentários do ano seguinte são feitos “desde que respeitados parâmetros atualizados pelo Poder Executivo”. O reajuste do teto segue a projeção do IPCA (o índice oficial de inflação do país) feita pelo Ministério da Fazenda.
A nova versão proposta retira a determinação de que é preciso seguir parâmetros do Executivo, sem definir novos autores. Pelo novo texto, será possível fazer os ajustes “desde que respeitadas as projeções atualizadas do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)”.
Mendes, que é colunista da Folha, participou da redação de inúmeras leis como consultor legislativo e secretário especial do então Ministério da Fazenda na gestão do presidente Michel Temer (MDB). Na sua avaliação, a alteração é um risco para o controle de toda a despesa.
“Essa é uma consequência da mudança do critério de correção do teto, que deixou de usar o IPCA observado até junho, e passou a usar a expectativa para o IPCA do ano fechado”, diz Mendes. “O Congresso terá incentivos a superestimar o IPCA para inserir mais despesas no Orçamento.”
Pequenos ajustes na projeção do indicador podem liberar boas quantias. Considerando o teto de 2022, de R$ 1,68 trilhão, por exemplo, cada 0,5 ponto percentual de ajuste no IPCA agrega R$ 8,4 bilhões aos gastos.
“Não vão ter ter liberdade total, pois é preciso seguir o mínimo de previsão do mercado para o IPCA”, afirma ele. “Mas haverá estímulo ao comportamento de sempre superestimar o IPCA.”
Há um risco adicional, diz Mendes. Pela nova regra, a diferença entre a estimativa de IPCA utilizada e o IPCA efetivo verificado ao final do ano deverá ser descontado do teto do ano seguinte.
“Os reajustes dados a maior em um ano poderão ser compensados no ano seguinte, o que pode gerar pedaladas perpétuas: a cada ano, fazer uma sobrestimativa maior para compensar a sobrestimativa do ano anterior”, afirma.
O projeto da LDO foi aprovado na comissão nesta quarta-feira (29) e segue para avaliação do Congresso.
O relator da matéria, senador Marcos Do Val (Podemos-ES), defende que a mudança é um avanço.
“A proposta foi elaborada pelas consultorias do Senado e da Câmara”, afirma Do Val. “E destaco que essa liberalidade para o Congresso Nacional torna o Projeto de Lei Orçamentária Anual mais realista. Por exemplo, no ano passado a estimativa do Executivo estava bem abaixo da efetivamente realizada, e o Congresso ajustou.”
O relator diz ainda que a Casa vai ser criteriosa. “O Congresso não vai usar qualquer estimativa, e a possível diferença se dá apenas para o mês de dezembro. Até novembro teremos não estimativas, mas a inflação efetivamente medida.”
A alteração toma como base uma interpretação: que apesar de a Constituição determinar que cabe ao Executivo enviar projeções para a Comissão Mista do Orçamento, a carta magna não exige que a comissão use essas informações. Essa obrigação consta na LDO —que agora pode ser alterada.
Nem todos, porém, concordam com essa leitura.
O economista Daniel Veloso Couri, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente, vinculada ao Senado) afirma que a redação do texto constitucional é clara ao conferir a atribuição ao Executivo, e que não basta mudar a LDO. Se o Congresso, no entanto, assumir a prerrogativa de estimar o IPCA, ele reforça que terá pouca margem de manobra.
“O fato de existirem outras estimativas, como a da própria IFI, causariam um constrangimento para quem quiser colocar um número muito diferente”, diz ele.
No entanto, Couri afirma que o teto, de fato, está cada vez mais fragilizado. A regra ainda segura grandes ofensivas para aumentos de despesas, mas vem sendo pontualmente contornada.
Neste momento, por exemplo, tramita no Congresso uma PEC que busca aliviar os efeitos da inflação e do aumento no preço de diesel, gasolina e gás. Inicialmente, previa cobrir perdas de estados que aceitassem zerar o ICMS dos combustíveis. Mas evoluiu para a concessão de benefícios sociais, como elevar o valor do Auxílio Brasil e zerar a fila de quem espera por esse apoio financeiro.
As medidas somam até agora uma despesa adicional neste ano de R$ 41,25 bilhões —que vão ficar fora do teto graças à instituição, em paralelo, de um estado emergência. Mesmo sendo qualificadas como manobra eleitoral do governo, as medidas têm apoio até dos partidos de oposição, diante do aumento da pobreza no Brasil.
O destino do teto é cada vez mais incerto. Vários economistas defendem que é preciso rever esse mecanismo de controle. O presidente Jair Bolsonaro (PL) já falou em alterar a regra. A proposta inicial do programa de governo do líder nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), prevê a troca do teto por outro mecanismo de controle fiscal.
Fonte: Folha de São Paulo