Guedes define 21 pontos em que ele se opõe ao texto da reforma

Publicado em: 28 set 2021

Campo Grande (MS) – Após o fato consumado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, descreveu no fim de semana, pelo WhatsApp, os 21 destaques (pedidos de alteração ao texto) apresentados pelos parlamentares que se opuseram ao substitutivo da PEC 32/2020 — que define as regras da reforma administrativa. Do total de 21, apenas um foi aceito. A iniciativa foi interpretada como uma espécie de indicativo à base de apoio do que “deve” ser aprovado no Plenário da Câmara e do Senado, além de um esforço para ajudar os governistas a conquistar os 308 votos necessários, mostrando ao público itens que, segundo a equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro, representam avanços para a administração pública.

Para a oposição, foi uma ação sem propósito, já que a tumultuada votação ocorreu na semana passada e a maior preocupação, neste momento, é discutir o documento. Vive-se outra fase. “Um momento de desespero do ministro, diante da dificuldade do governo de reunir comprometidos com coragem de se expor no Plenário. Ele quer manter o seu emprego e os mais radicais ‘acesos’. Sentiu o baque. Porque o pessoal do mercado e da direita minimamente informada começa a divulgar que, em caso de uma reeleição de Bolsonaro, Guedes está fora”, afirmou um parlamentar.

Outro deputado lembrou que o presidente da Casa, Arthur Lira, reafirmou, ontem, que conversou com aliados e que a ideia é manter a proposta em banho-maria até que se convença os indecisos. “A intenção é conquistar cerca de 340 votos. Não vai ser fácil”, contou. O texto do deputado Arthur Maia (DEM- BA) foi chamado de “antirreforma” e “Frankstein”. Acabou passando apertado pela comissão especial (28 votos contra 18), mas enfrenta resistências de todos os lados.

Maia fez de tudo, mas não agradou servidores, mercado, empresariado e recebeu críticas até de apoiadores históricos. O advogado Marcelo Aith, especialista em direito público, destacou que, desde o início, quando foi apresentado pelo Executivo em 2020, o texto da reforma já “era fraco”. “Nem de longe representa um país que prega o liberalismo”, disse. “A elogiada redução de 25% de salário e jornada de servidores é uma discriminação entre os profissionais. É claro que precisamos de alterações na administração pública, mas não essa que aí está”, destacou.

Segundo Vladimir Nepomuceno, diretor da Insight Assessoria Parlamentar, no fundo, o que Guedes quis dizer é que “tudo que o governo faz é bom e tudo que os demais fazem é ruim, um absurdo”. Na análise de Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), até pessoas próximas ao Planalto admitem que não é aconselhável votar a PEC 32 e que ela deve ser substituída. “O que quer exatamente o senhor Paulo Guedes?”, questionou. A mudança de tom é atribuída à proximidade das eleições. “A um ano do pleito, as pautas começam a tomar um novo peso. A atitude dele mostra insegurança”, ironizou Marques.

Protestos

Depois de idas e vindas (sete versões e seis substitutivos contraditórios) a oposição sequer teve tempo de discutir a matéria. Indignados, servidores e entidades civis se reuniram no fim de semana para estudar o texto e criar formas de evitar o que chamam de “estrago maior”. A pressão contrária está a pleno vapor. Hoje, entidades representativas do funcionalismo nos Três Poderes e nas três esferas farão atos de protesto na capital e pelo país. Vão “recepcionar” os parlamentares no aeroporto de Brasília, pela manhã, à tarde prometem muito barulho em frente ao Anexo II da Câmara e, nos estados, vão divulgar material com foto do parlamentar que votou a favor da PEC 32.

Entre outros itens, Guedes elogiou (no nono ponto) a possibilidade de aproveitamento de servidores, inclusive atuais, que ocupam cargos em extinção, em outras funções de complexidade compatível. “Somente no Executivo civil federal são 69 mil servidores nessa situação, que custam ao contribuinte R$ 8,2 bilhões ao ano”, contabilizou. Na atual versão da reforma, estão inseridos benefícios para os policiais (aposentadoria integral, por exemplo), redução de 25% de salário e de jornada em caso de crise fiscal para servidores da União, estados e municípios, além da contratação temporária, com ingresso por meio de processo seletivo e 10 anos de prazo para duração dos contratos entre governo e iniciativa privada.

Saída para precatórios

Técnicos do governo confirmam estudos para prorrogar o pagamento do auxílio emergencial, com última parcela prevista para outubro, até dezembro (em valores entre R$ 150 e R$ 375). Oficialmente, o Ministério da Cidadania não confirma, mas fontes do próprio órgão garantem que a estratégia está na ponta da agulha para ser apresentada e é uma tentativa de socorrer cerca de 25 milhões de famílias que ficarão desassitidas quando o auxílio terminar. Elas ficarão no limbo, dizem, porque não se enquadram no atual Bolsa Família. Para especialistas, para fechar as contas, a saída é mesmo a prorrogação.

O principal obstáculo para o lançamento do Auxílio Brasil são os R$ 89 bilhões que o governo tem que pagar de precatórios (dívidas judiciais) em 2022. De acordo com André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos, a solução para o governo sair dessa encruzilhada passa pela PEC dos Precatórios (que ainda depende de conversas entre Tribunal de Contas da União e Supremo Tribunal Federal) e pela aprovação da reforma do Imposto de Renda, em tramitação no Senado.

“As receitas (para o programa social) vão vir da segunda (reforma do IR) e o espaço fiscal da primeira (PEC dos Precatórios). Como a reforma do IR deve demorar, se criou esse impasse. A possibilidade de se prorrogar o auxílio emergencial seria uma estratégia intermediária”, analisa Perfeito. Diante das incertezas, “não vai ser surpresa se o governo prorrogar o auxílio emergencial, mesmo sem ter a fonte de financiamento de recursos nos próximos dois meses, ou seja, entrando em 2022”, reitera Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust.

Ele destaca que o deficit primário do governo não é tão alto, nem para este ano e nem para o ano que vem. “O grande problema de ter mais gasto é a questão de descumprir a regra do teto. Para não descumprir, acho que o governo vai se esforçar para tirar essa despesa do teto dos gastos. A princípio, eu vejo o governo com uma política fiscal mais expansionista, mais populista, ou seja, o presidente Bolsonaro realmente vai tentar utilizar o superavit fiscal visando aí as eleições de 2022”, reforça Eduardo Velho.

Na análise do economista Cesar Bergo, sócio-investidor da Corretora OpenInvest, a equipe econômica havia apostado suas fichas que iria conseguir respaldo para o não pagamento dos precatórios. “Para ganhar tempo e arrecadar recursos suficientes para aguardar a decisão do Congresso, os técnicos governistas criaram a MP do IOF. No entanto, o Congresso está refém de fortes pressões (lobbies) contrárias à postergação no pagamento dos precatórios, inclusive oriundas do judiciário (STF e Superior Tribunal de Justiça)”.

“Assim, o caminho a ser trilhado pelo governo é estender o pagamento do auxílio emergencial, sob o argumento de que se trata de recursos que não devem impactar o teto de gastos. O Congresso deve topar esta estratégia. Enquanto isso, a equipe de governo abriu sua caixa de ferramentas. Mas só vingou o aumento de impostos até agora. A corda sempre arrebenta do lado mais fraco”, ironiza Cesar Bergo.

Cálculos

O especialista em políticas públicas Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, lembra que estudos da Instituição Fiscal Independente (IFI) apontam espaço no Orçamento para pagar os precatórios e ampliar, mesmo que mais modestamente, o Bolsa Família em 2022 sem que seja necessário alterar as regras vigentes. Nos cálculos da IFI, o benefício do Bolsa Família subiria dos atuais R$ 189 para cerca de R$ 250, com alta no número de beneficiados de 14,6 milhões para cerca de 16 milhões, por cerca de R$ 14 bilhões a mais.

“Politicamente, contudo, o governo, com a popularidade em queda livre, quer fixar para o Auxílio Brasil um valor médio no mínimo semelhante ao do auxílio emergencial para não reduzir o benefício mensal (que já é considerado baixo) das famílias atualmente contempladas. Mas ainda há muito o que discutir, porque o novo Auxílio Brasil, a partir de novembro, só seria possível com a receita decorrente do aumento do IOF”, reforça Bergo.

A Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia informou que as projeções atualizadas na sua Grade Fiscal de agosto de 2021 indicam uma arrecadação federal bruta total estimada da ordem de R$ 1,809 trilhão, o que resulta em uma diferença de arrecadação, em termos nominais, da ordem de R$ 330 bilhões acima da arrecadação de 2020. (VB)

Fonte: Correio Braziliense

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