Campo Grande (MS) – Coordenador-substituto do Programa de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Alberto Setzer afirmou, nesta quarta-feira (30) na Câmara dos Deputados, que, desde janeiro até ontem, houve aumento de 195% no número de queimadas detectadas no Pantanal comparando com o mesmo período 2019.
“O aumento é de quase 200%, levando em conta que em 2019 já teve aumento de mais de 320% em relação a 2018”, afirmou. “Em 2020 o número de focos já ultrapassou qualquer outro ano que tínhamos registrado na série histórica, desde 1998”, comparou.
Ele acrescentou que, até final de agosto, 12% da área do Pantanal já haviam queimado. Número que, segundo o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais da UFRJ, que usa as imagens dos satélites, subiu para 23% até 27 de setembro.
Os dados foram apresentados na comissão externa que acompanha o enfrentamento de queimadas no Brasil.
Dados técnicos
Alberto Setzer alertou que há setores tentando desacreditar os dados do Inpe. Segundo ele, os dados são de uso técnico, aproveitados, por exemplo, por universidades e secretarias do Meio Ambiente, e não devem ser politizados. Diante de questionamento de internautas, Setzer acrescentou que não há falsas detecções de queimadas, como de rochas.
Segundo matérias divulgadas pela imprensa, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, disse, no dia 24, que sobrevoou em Rondônia uma área de terra indígena apontada na leitura de um satélite como foco persistente de fogo, mas que o local não tinha incêndio e se tratava de uma rocha.
Coordenadora da comissão externa, a deputada Professora Rosa Neide (PT-MT) defendeu o respeito ao trabalho do Inpe. “Se o governo tivesse trabalhado com os números que o Inpe produziu nesta década, já poderia ter evitado a extensão do problema”, opinou.
Falta de brigadistas
O representante do Inpe afirmou que o satélite produz cerca de 250 imagens por dia, mapeando áreas queimadas e mostrou imagens desta terça-feira (23).
“São centenas de quilômetros de frente de fogo que deveriam ser combatidas. Para isso, hoje, contamos com centenas de brigadistas, heróis até na verdade, que estão tentando o possível para controlar isso. Só que não é com uma centena, ou algumas centenas que vamos resolver a situação”, avisou. “Nós precisaríamos de milhares, na verdade dezenas de milhares de pessoas, para conseguir enfrentar uma situação tão extensa, com distância de centenas de quilômetros entre os vários locais onde o satélite indica as queimadas”, avaliou.
Conforme Setzer, o satélite indica também áreas com risco de fogo e uma previsão do que acontecerá nos próximos dias. “Temos mais de um mês sem chuva, temperaturas na faixa de 40 graus, nenhuma precipitação prevista, umidade relativa abaixo de 25%, qualquer pessoa sabe que riscou o fósforo, a vegetação vai queimar”, alertou.
A pesquisadora do Programa de Queimadas do Inpe, Izabelly Carvalho da Costa, informou que, para os próximos 10 dias, não há previsão de chuvas significativas na Bacia do Alto Paraguai, onde grande parte do Pantanal se localiza.
“A estação chuvosa só deve começar em meados de outubro”, disse. E, no próximo trimestre, a previsão de chuvas também está abaixo do considerado “normal”.
Aviões da FAB
Diversos deputados pediram que governo aumente o número de brigadistas e intensifique o uso de aviões das Forças Armadas Brasileiras (FAB) no combate a incêndios no Pantanal. Entre eles, Ivan Valente (Psol-SP), Dr. Leonardo (Solidariedade-MT) e Paulo Teixeira (PT-SP), que também pediu que o governo elabore plano de recuperação das áreas queimadas.
Não houve participação de deputados governistas no debate.
Vinícius Silgueiro, do Instituto Centro de Vida e do Observa MT, pediu mais transparência das ações do governo federal em relação às ações tomadas para enfrentar a tragédia. A organização avalia que recursos insuficientes foram disponibilizados para lidar com as queimadas, “porque se tratava de uma tragédia anunciada”.
Ele observou que ICMBio e Ibama contam o menor orçamento em cinco anos para as ações relacionadas a incêndios florestais; e defendeu mais fiscalização, investigação e punição dos responsáveis pelos focos de incêndio.
Conforme ele, em 67% da área de Mato Grosso atingida pelo fogo até 17 de agosto, havia apenas nove pontos de origem das queimadas – sendo oito propriedades privadas e uma área indígena.
Manejo do fogo
“O ano tem sido só de resposta, não temos conseguido trabalhar nas ações de prevenção dos incêndios florestais”, lamentou o analista ambiental do Prevfogo/Ibama Alexandre Martins Pereira. Ele defendeu a aprovação, pelo Congresso da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (PL 11276/18), proposta pelo Poder Executivo.
Ele explicou que o Prevfogo, do Ibama, não combate queimadas, e sim incêndios florestais. “O que a gente não quer são incêndios; a queimada está prevista no Código Florestal, e pode ser autorizada pelo órgão ambiental específico como ferramenta de manejo da propriedade”, esclareceu.
Segundo ele, o uso do fogo não deve ser eliminado, mas regulamentado e estimulado, já que é uma questão cultural e econômica, especialmente para a produção agropecuária. “O uso do fogo deve ser utilizado de forma parcimoniosa, para conciliar a preservação do meio ambiente com a produção agropecuária”, afirmou.
O pesquisador da Embrapa Pantanal Walfrido Moraes Tomas também defendeu regras para o manejo do fogo. Segundo ele, apenas proibir o uso do fogo na época mais seca não tem funcionado. É preciso instituir regras para adaptar o uso do manejo do fogo ao cenário de mudanças climáticas globais, que incluem o aumento de temperaturas, diminuição de chuvas e maior frequência de ventos climáticos extremos – condições que podem ser permanentes.
Ele defendeu ainda a adoção de mecanismos de compensação para proprietários que usam terras de forma sustentável, como incentivos fiscais e esquemas de certificação.
Fogo previsível
O biólogo Claumir Muniz, da Universidade do Estado do Mato Grosso, destacou que todo o ano o estado sofre com queimadas, mas disse que isso não pode ser aceito como padrão. Conforme Muniz, o fogo é previsível, e pouco foi feito para que não ocorresse.
Na visão do biólogo, é papel do Estado estar presente nas próximas secas para evitar os incêndios. “Há tecnologia para isso”, disse, acrescentando que evitar os incêndios é bem mais barato do que recuperar as áreas atingidas pelo fogo.
Solange Castrillon, da mesma universidade, ressaltou que no momento falta água para os bichos e para a população. Ela sugere a criação de “robusto” programa de recuperação das nascentes do Pantanal e disponibilização de mais recursos para as pesquisas de longa duração.
Fonte: Agência Câmara de Notícias