Campo Grande (MS) – As capitais que apresentam baixos índices de casos confirmados e mortes por Covid-19 têm até dez vezes mais mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave com justificação não especificada.
A estudo, feita com exclusividade para a Folha pela Lagom Data, mostra que Campo Grande, Curitiba, Belo Horizonte e Porto Feliz tinham no final de maio os maiores números de mortes por SRAG em confrontação com as vítimas da Covid-19. Na capital do Mato Grosso do Sul, havia 11,6 mortes atribuídas a causas respiratórias para cada uma causada pelo novo coronavírus.
Na outra ponta, Rio Branco, Macapá, Boa Vista e Fortaleza têm os maiores índices de mortes pela Covid-19 em relação às mortes por SRAG. Na capital do Acre, foram registradas 20 mortes pela Covid-19 para cada morte por causas respiratórias.
Os registros analisados foram os microdados de síndrome respiratória do OpenDataSus.
A razão entre mortes por SRAG e Covid-19 tem interdependência estatística poderoso e negativa com a taxa de casos confirmados por 100 milénio habitantes em cada Estado. Ou seja: quanto maior a proporção da população que se sabe ter sido contagiada pelo novo coronavírus, menor a proporção de mortes atribuídas a causas respiratórias inespecíficas. Quanto mais ampla a testagem aplicada por um sistema de saúde, mais casos pouco graves são detectados e maior tende a ser a taxa de infecções confirmadas per capita.
Em março, a Instalação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) apontou pela primeira vez a verosímil relação entre as duas doenças, ao observar um disparo nas internações por síndrome respiratória em todo o Brasil, simultâneo à circulação mundial do novo coronavírus. A prática recomendada e geralmente adotada foi testar casos de SRAG porquê suspeitos de portar o vírus.
O problema com isso: não há uma padronização pátrio de porquê a testagem é feita. Nem da frequência, nem dos tipos de testes, que têm níveis diferentes de eficiência.
Ao final de maio, somente quatro capitais mantinham em um dígito o número de pacientes mortos pela Covid-19: Campo Grande (MS), Cuiabá (MT), Florianópolis (SC) e Palmas (TO). Todas tinham pelo menos duas vezes mais mortes atribuídas à SRAG. No caso de Campo Grande, eram 81 mortes por SRAG para 7 de Covid.
Minas Gerais exemplifica as sutilezas envolvidas nisso. Desde abril, integrantes do governo Romeu Zema têm oferecido entrevistas para comentar os segredos do seu sucesso no combate à pandemia que parou o planeta. Em 25 de maio, o negócio voltou furar na capital.
Em abril, visando pontuar no índice de transparência da Covid-19 elaborado semanalmente pela Open Knowledge Brasil, Minas começou a publicar os microdados dos pacientes notificados porquê suspeitos, confirmados ou descartados para o novo coronavírus. No primórdio de maio, análises independentes detectaram que o estado acumulava casos suspeitos do novo coronavírus que não haviam sido nem confirmados e nem descartados —ou seja, não foram testados.
No dia 13 de maio, o governo estadual deixou de publicar os dados dos suspeitos e declarou em seu boletim quotidiano que todos aqueles pacientes sofriam de síndrome gripal inespecífica. Na mesma semana, o secretário da Saúde mineiro foi questionado sobre o tema em entrevista e declarou que a testagem servia somente para satisfazer a curiosidade de pesquisadores.
Àquela profundidade, Belo Horizonte contabilizava 32 mortos. Fortaleza, com população semelhante, tinha 44 vezes mais. Sem que isso constasse do “case” de sucesso mineiro, porém, a capital àquela profundidade acumulava 250 vítimas da síndrome respiratória, ou oito vezes mais mortes do que a baixa taxa celebrada.
Outros estados que mantinham números curiosamente baixos, porquê Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso do Sul, não abriram dados de suspeitos e não entraram tão rapidamente no escrutínio.
Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, também vem dando entrevistas pelo Brasil para comemorar seu sucesso no combate à pandemia. Porto Feliz, a capital gaúcha, reabriu o negócio no final de maio porque contava com raros 38 mortos pela Covid-19. O que não entrou no cômputo gaúcho foram as 151 vítimas de síndrome respiratória.
O risco dessa estratégia é de que um governo julgue que o problema é somente o nome da justificação da morte. Testando pouco, ele pode expor que está vencendo a Covid, mesmo que seus cidadãos estejam sendo derrotados pela síndrome respiratória. (Reprodução/Folha)