No ano passado, ao apresentar a proposta de emenda à Constituição (PEC) Emergencial, o governo tinha uma meta ousada: a ideia era de que as renúncias fiscais – ou seja, o dinheiro que o Executivo abre mão de receber em tributos – fossem reduzidas à metade. Pelo texto, de 2026 em diante, esse tipo de benefício não poderia passar de 2% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2019, de acordo com a Receita Federal, os benefícios fiscais – que o Fisco chama de “gastos tributários” – representavam 4,25% do PIB.
O ritmo de apreciação das propostas no Congresso, entretanto, acabou fazendo com que a PEC Emergencial fosse deixada de lado pelo governo. A mudança de estratégia inclui o foco na reforma tributária, cuja primeira etapa já foi encaminhada ao Parlamento. A expectativa é de que as outras etapas sejam enviadas até o final de agosto.
No primeiro projeto da reforma – que unifica PIS/Pasep e Cofins na nova Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) –, porém, a questão dos benefícios fiscais não aparece como uma das prioridades. Em seu artigo 22, o texto encaminhado pelo governo prevê que são isentos da CBS os templos de qualquer culto; os partidos políticos; os sindicatos, federações e confederações; e os condomínios residenciais. Além disso, não devem ter incidência da CBS as receitas decorrentes:
- Da prestação de serviços de saúde, desde que recebidas no Sistema Único de Sáude (SUS);
- Da venda de produtos da cesta básica;
- Da prestação de serviços de transporte público coletivo municipal de passageiros, por meio rodoviário, metroviário, ferroviário e aquaviário;
- Da venda de imóvel residencial novo ou usado para pessoa natural;
- Da venda de materiais e equipamentos e da prestação de serviços a eles vinculados, efetuadas diretamente à Itaipu Binacional;
- Do fornecimento de energia elétrica realizado pela Itaipu Binacional; e
- Dos atos praticados entre as cooperativas e seus associados, nos termos do art. 79 da Lei 5.764, de 16 de dezembro de 1971, exceto as cooperativas de consumo.
A previsão do projeto é de que as isenções durem cinco anos a partir da aprovação do texto. Assim, depois desse período, o Congresso teria que aprovar uma nova lei instituindo benefício semelhante, ou a isenção será extinta.
Maior renúncia fiscal, Simples segue sem alterações
A maior renúncia fiscal do governo federal, porém, não é afetada pelo texto da CBS. Trata-se do Simples Nacional, regime especial de tributação para pequenas empresas. De acordo com o último Demonstrativo de Gastos Tributários da Receita Federal, referente a 2019, o Simples representava 28,48% das renúncias fiscais, o que equivale a R$ 87,2 bilhões que o governo, em tese, deixa de receber. No total, os benefícios fiscais somaram quase R$ 306,4 bilhões em 2019, ainda segundo a receita.
A redução de impostos para micro e pequenas empresas é alvo de grande discussão. De um lado, alguns argumentam que, sem o Simples, há empreendedores que não conseguiriam tocar o negócio – ainda mais em um momento de crise como a vivida em decorrência do novo coronavírus. Assim, na prática, o valor que o governo deixa de receber seria menor – já que, no regime normal, algumas empresas não existiriam e, portanto, não pagariam tributos. Do outro lado, há os que afirmam que o Simples provoca distorções, já que algumas empresas evitariam crescer – ou se desmembrariam em várias empresas – para não deixar o regime tributário e assim continuar usufruindo das vantagens dele.
“O que o governo pretende fazer, com esse projeto, é organizar a casa. Ao longo do tempo, foram sendo inseridos vários regimes especiais para PIS e Cofins. A ideia é suprimir ou extinguir todos esses regimes, modificar para centralizar e promover a simplificação tributária”, explica Luciano Bernart, presidente executivo da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).
Em tese, segundo ele, todos os setores que não constam do projeto devem ser tributados, caso o texto seja aprovado como está. Bernart lembra, entretanto, que, do ponto de vista legal, as isenções são autônomas em relação à CBS. “Se houver a isenção em uma nova lei, o governo é obrigado a adotar um regime diferenciado. Essa tentativa de simplificar só funciona se o Congresso, tanto do presente quanto do futuro, entender que não deve fazer uma colcha de retalhos, como já fez no passado”, completa.
Juciléia Lima, professora de direito tributário da Universidade Presbiteriana Mackenzie em Campinas, salienta que, por esse motivo, não seria necessária uma reforma tributária para diminuir as isenções. “São legislações esparsas que o governo e o próprio Congresso podem alterar independentemente da existência de uma reforma ou não. Mas isso tudo depende da atuação de grupos de pressão”, afirma.
Governo pretende aumentar faixa de isenção do IRPF sem mexer em deduções
Outras alterações nos regimes de isenção estão apenas no campo das ideias em Brasília. É o caso, por exemplo, das isenções no Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Em 2019, segundo a Receita, o governo abriu mão de R$ 32,1 bilhões com esse tipo de benefício, o que representou 10,49% dos gastos tributários.
Em entrevista à Gazeta do Povo, o assessor especial do ministro Paulo Guedes, Guilherme Afif Domingos, afirmou que o governo pretende aumentar a faixa de isenção, hoje em R$ 1.900, para R$ 3.000. Para isso, o dinheiro que iria recompor a arrecadação viria do imposto sobre transações financeiras. A alíquota que vem sendo pensada pelo governo para o novo tributo é de 0,2%, o que geraria uma arrecadação de R$ 120 bilhões. O dinheiro também serviria para desonerar parte da folha de salários.
Por outro lado, outra alteração planejada pelo governo – anunciada várias vezes por integrantes da equipe econômica, mas até agora não formalizada – deve tributar lucros e dividendos, para atacar a chamada “pejotização” da economia e igualar trabalhadores assalariados aos que atuam como Pessoas Jurídicas (PJs).
Outro gasto tributário importante do governo, com deduções no IRPF com despesas médicas e educação, contudo, deve ficar de fora das mudanças. Segundo a Receita, em 2019 as deduções representaram 6,56% dos gastos tributários, ou mais de R$ 20 bilhões de reais. “É algo que ainda não está acertado. Talvez não seja a hora de se mexer nisso”, afirmou Afif.”
Fonte: Gazeta do Povo