Reforma fatia carreiras e elimina ‘penduricalhos’

Publicado em: 03 set 2020

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma administrativa, que será encaminhada hoje ao Congresso, divide as carreiras de governo em três grupos com regras diferentes em termos de estabilidade. Também sugere a extinção de licenças e gratificações, além de facilitar a alocação dos servidores públicos. Ontem à noite houve um bate-cabeças entre líderes do governo e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Os primeiros avisaram Maia que estavam chegando à Câmara com a PEC. Surpreendido, Maia não os esperou e o ato simbólico de entrega ficou para hoje.

Segundo o Valor apurou, o primeiro grupo seria o das carreiras “típicas de Estado”, com características bastante similares ao modelo atual, com estabilidade e aposentadoria. O desejo do governo é que, no futuro, esse tipo de cargo represente apenas 20% do universo de servidores concursados.

A ideia é que se tenha um estágio que antecederá a estabilidade, prazo para o funcionário provar que se enquadra na função designada e tem vocação para o serviço público. Hoje, a maior parte dos servidores que passam no concurso ganha o direito à estabilidade após estágio probatório de três anos. Também está prevista uma carreira com contratos de duração indeterminada que poderiam ser objeto de demissão em um cenário de restrição fiscal, por exemplo.

Na PEC também constará a figura do contrato com prazo determinado, que visa suprir eventuais necessidades temporárias dos órgãos públicos. Atualmente, a Lei 8.745/93, que estabelece a contratação de temporários, pode ser feita apenas com a “finalidade temporária de excepcional interesse público” – quando ocorrem desastres naturais, por exemplo. Neste ano, o governo tentou fazer uma alteração nesta matéria via medida provisória, mas acabou não tendo sucesso. Sem consenso no Congresso, o texto perdeu validade.

Além da divisão das carreiras, o texto propõe a extinção de alguns “penduricalhos” previstos na Constituição, como a licença-prêmio e gratificações por tempo de serviço, entre outros. Mas, isso será regulamentado em um segundo momento. “A PEC vai tratar apenas das questões estruturais da reforma, ficando as discussões específicas de cada carreira para um segundo momento”, informou uma fonte de primeiro escalão do governo.

Entre essas discussões futuras está a redução do salário de entrada no serviço público. O governo considera muito elevada a remuneração inicial, que seria diminuída com a contrapartida de um salário final maior do que o atual. Um técnico que trata diretamente do tema confirmou que “o alongamento das carreiras é uma das premissas da reforma”, mas que isso não está na PEC.

No fim de 2018, o então ministro do Planejamento do presidente Michel Temer, Esteves Colnago, que atualmente é assessor especial de Relações Institucionais do Ministério da Economia, apresentou para a equipe de transição uma proposta de reforma administrativa. Na época, a ideia era diminuir de 309 para menos de 20 o total de carreiras do governo federal. Além disso, a intenção era reduzir para uma faixa entre R$ 5 mil e R$ 7 mil o salário de entrada nas carreiras que ficarão remanescentes. Hoje, esses salários de entrada podem chegar ao dobro dessa faixa.

A ideia de cortar o salário de entrada é alvo de muitas críticas dentro do governo. Há ministros reclamando que a iniciativa vai deixar as repartições repletas “de garotos de 20 anos”, sem a maturidade necessária para enfrentar os desafios e responsabilidades do governo.

Considerada uma vitória para o ministro da Economia, Paulo Guedes, que vem enfrentando revezes, a decisão do presidente Jair Bolsonaro de autorizar o envio do texto para o Congresso foi baseada na necessidade de o governo fazer um contraponto aos movimentos de aumento dos gastos públicos, especialmente com a prorrogação do auxílio emergencial e a criação do Renda Brasil. “O presidente entendeu que é importante sinalizar também ao mercado que o caminho das reformas segue firme”, explicou um auxiliar de Bolsonaro.

A estratégia continua sendo de encaminhar uma reforma mais genérica para que, depois de aprovada, sejam encaminhados os projetos de lei para regulamentar as mudanças, que serão aplicadas somente para os futuros servidores públicos. Ou seja, os pontos mais polêmicos, como mudanças nos salários para equipará-los ao praticado na iniciativa privada, ou ainda estabelecer uma nova progressão das carreiras ficariam para um segundo momento.

É nessa fase que se pretende discutir também uma flexibilização na mobilidade das carreiras. A ideia é que haja concursos separados por faixas de salário e qualificação.

Os aprovados nessa prova poderiam trocar mais facilmente de órgão, passando da Controladoria-Geral da União (CGU) para a Receita Federal, por exemplo, em caso de necessidade, evitando contratações extras. (Colaboraram Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro)

 

Fonte: Valor Econômico

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