Artigo: Quem ganha com a guerra fiscal?

Publicado em: 03 mar 2020

*Por Juracy Soares, Rodrigo Spada e Vilma Pinto

Campo Grande (MS) – O conflito entre o governo federal e os governadores sobre a distribuição das receitas tributárias não é de hoje. No âmbito fiscal dos entes subnacionais, há mais de 40 anos que se pratica a chamada guerra fiscal. Política de governos que utilizam a estratégia de atrair indústrias para gerar emprego e renda, por meio de descontos na cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias), principal tributo estadual.

Esse “leilão de ICMS” deteriorou a capacidade arrecadatória do tributo que corresponde, em média, a 80% da receita dos Estados. A recessão que durou 11 trimestres e terminou no fim de 2016, provocou uma perda econômica da ordem de 8,6%, segundo datação da FGV/Codace. Após esse período, a economia cresceu apenas 1,3% (em 2017 e em 2018) e a expectativa de crescimento para 2019 é de apenas 1,2%.

É inegável que o baixo crescimento econômico impacta as receitas tributárias, contudo, quando olhamos para as receitas dos governos estaduais, vemos resultados mais pujantes que os verificados no Produto Interno Bruto (PIB). Nestes três anos de modesta expansão econômica, a receita tributária estadual cresceu 2,7% em 2017, 5,1% em 2018, e 5,3% no acumulado nos últimos doze meses, findos em outubro de 2019. O cenário revela um avanço da carga tributária bem superior à registrada ao desempenho do setor produtivo.

Não podemos enxergar essa comparação entre a performance do Estado-Arrecadador como algo que poderia estar descolado da realidade econômica. Se as receitas tributárias dos governos estaduais apresentaram performance melhor que a atividade econômica, a “excelência” em arrecadação do Estado pode estar mascarada pela utilização do caminho mais fácil por parte dos gestores fazendários, que é a calibração, para cima, da taxação, justamente nos setores que não são agraciados com os benefícios fiscais.

Assim, com um gesto simples de elevar a tributação de bens e serviços, atinge-se o resultado esperado, que é fazer minar mais dinheiro nos cofres do Erário, mas isso ocorre apertando-se o torniquete nas artérias daqueles contribuintes que não têm poder econômico e/ou político para impor ao Estado o tratamento tributário favorecido que os libere do ônus tributário.

Nos governos estaduais, a desoneração tributária, sobretudo a relativa ao ICMS é um grande problema. Alguns estados deixam de arrecadar cifras bilionárias em função das renúncias fiscais do ICMS e pouco (ou nada) se sabe sobre os benefícios gerados por estas iniciativas.

Considerando as renúncias de ICMS em 19 unidades federadas, os valores somaram R$ R$ 97,2 bilhões contra R$ 446,7 bilhões efetivamente arrecadados, ou seja, as renúncias de 2019 foram equivalentes a 21,8% do arrecadado, o que mostra o quão expressivo são essas renúncias e, mesmo assim, não existem avaliações destas políticas públicas. Revisar o volume de benefícios fiscais constitui importante instrumento para ampliação das receitas estaduais e/ou conferir transparência.

A questão da concessão de privilégios fiscais não se sustenta quando exposta à exigência de transparência, prevista na Constituição Federal que exige a publicidade dos atos da Administração Pública. Essa sistemática tem como regra a falta de transparência e principalmente a ausência de justificativa de impacto econômico e ambiental, para citar apenas esses dois.

Um país, estado ou município é como um condomínio onde – em tese – todos os moradores devem pagar sua correspondente cota condominial, conforme a área de sua unidade imobiliária. Infelizmente no Condomínio Brasil, os “moradores” da cobertura decidiram não pagar suas cotas, pelo simples fato de se acharem melhores que os demais moradores.

O resultado disso? Os demais (nós) temos que arcar com as nossas cotas e mais o “rateio” da isenção conferida aos nossos vizinhos ricos. As reformas fiscais servem como importantes instrumentos, muitas vezes necessários, para aprimoramento de políticas públicas. No que tange ao aspecto tributário, isso não é diferente. No entanto, é preciso ponderar que reformar o sistema tributário brasileiro é algo de extrema complexidade, o que provavelmente deve demandar mais tempo até o fim de sua tramitação.

Todas essas questões apontam para a reforma tributária, pensando nas diferenças regionais, com diálogo técnico no Congresso Nacional e respeitando as competências constitucionais. O Brasil entendeu que é preciso vencer essa disputa sem fim. Caso contrário, vamos continuar enfrentando esse cenário de guerrilha permanente, que traz benefícios (privilégios) para poucos. (Artigo publicado no jornal Correio Brasiliense)

 

Juracy Soares é auditor fiscal da Sefaz/CE e presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite).

Vilma Pinto é economista pela UERJ, mestre em economia empresarial e finanças pela FGV/EPGE, pesquisadora da FGV/IBRE na área de finanças públicas.

Rodrigo Keidel Spada é auditor fiscal de São Paulo e presidente da Associação dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Afresp).

 

 
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