Especialistas defendem mudanças na tributação

Publicado em: 18 set 2019

Campo Grande (MS) – Mudanças na tributação da renda, do consumo e do trabalho foram os três pilares debatidos por convidados da Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal, na primeira audiência pública do ciclo de debates sobre reforma tributária promovido pelo colegiado. 

A audiência analisou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 110/2019, que integra a pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e prevê a extinção de IPI, IOF, PIS/Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide-Combustíveis e Contribuição sobre o Lucro Líquido (federais); ICMS (estadual); e Imposto sobre Serviços (municipal). No lugar desses tributos, seriam criados um imposto sobre bens e serviços de competência estadual, chamado IBS, e um imposto sobre bens e serviços específicos, chamado Imposto Seletivo, de competência federal. 

O presidente da Febrafite, Juracy Soares,  foi um dos convidados para a audiência que contou com palestras do vice-presidente da Afresp, José Roberto Soares Lobato, do ex-presidente do Sindifisco Nacional Pedro Delarue, do também auditor da Receita e ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) Carlos Henrique de Oliveira, entre outros. 

Soares apresentou os estudos sobre arrecadação do ICMS nos últimos anos, gasto tributário do ICMS, dívida ativa, economia digital e os desafios da tributação e, ao final, nove princípios norteadores para a reforma tributária. São eles: manutenção da carga tributária total; manutenção da participação dos entes na distribuição das competências; convergência com os objetivos de outros níveis de governo;  simplificação e transparência;  previsibilidade e flexibilidade;  eficiência e racionalidade;  progressividade e redistribuição; simplicidade na transição; e adoção de um novo paradigma na relação fisco contribuinte. 

Ele citou ainda sobre a evolução da tecnologia e a necessidade de mudanças para tributar o setor. Para comparar, ele mostrou a facilidade de arrecadar ICMS sobre combustíveis e energia elétrica, contra a dificuldade de taxar novas tecnologias. “Daqui a pouco, se eu precisar de óculos, a minha impressora 3D em casa faz um. Como o Estado vai poder arrecadar em cima desse produto? ”, questiona. 

Ao final,  ele defendeu uma melhor interligação entre os pagamentos com cartões de crédito e débito no Brasil, com a obrigatoriedade de emitir o documento fiscal no ato na transação financeira, cujo sistema já existe no país, mas é pouco utilizado. “Precisamos avançar para um modelo simples, com segurança jurídica para quem quer operar o sistema para gerar mais recursos e empregos”, concluiu o representante da Febrafite. 

Na opinião do auditor da Receita Federal e ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) Carlos Henrique de Oliveira, para conversar sobre reforma tributária é preciso resgatar a essência do Estado de recolher recursos para oferecer serviços. Ele lembrou que o trabalho é o maior arrecadador do país e um pacificador social. Tanto que o recolhimento da Guia da Previdência Social (GPS), sozinho, supera o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) de pessoas jurídicas e físicas. “A seguridade social arrecada R$ 400 bilhões, contra R$ 360 bilhões desses Impostos de Renda. Arrecada mais que qualquer ICMS”, disse. 

Pela lógica proposta por Oliveira, sem trabalho não há renda, sem renda não há consumo. Sem consumo não há pessoa jurídica, e a arrecadação fica estagnada. Sem arrecadação, não há prestação de serviço público. Em síntese, o ciclo básico econômico para. É por isso que ele recomendou uma meticulosa avaliação sobre a tributação da folha salarial. “Não caiam no canto da sereia. Se eu largar o trabalho como fato gerador da tributação previdenciária e criar qualquer outra forma de transferência do Tesouro Nacional para a seguridade social, seremos instados a analisar uma nova reforma [previdenciária] nos próximos anos”. 

Para ele, a reforma, no que diz respeito à tributação da folha de pagamentos, deveria aliar uma alíquota regressiva quanto maior o número de empregados (de 1 a 500, 14%; de 501 a 3 mil, 12%; e acima de 3 mil, 11%) a uma massa salarial progressiva (alíquota de 11% para empresas cujo salário médio supera 7 salários mínimos; 13% para aquelas com média de 3 a 7 salários mínimos e de 15% para as que tiverem média de 3 a 5 salários mínimos). 

A combinação de número de empregados com a qualidade do emprego (salários altos) definiria a tributação da empresa. Com isso, a redução média da tributação na folha dos três setores da economia seria de aproximadamente 34% para a indústria, 34% para o comércio e 35% para os serviços, sustentou. No primeiro e no terceiro caso, o benefício fica um pouco maior para as grandes empresas em relação às pequenas. Para o comércio, contudo, a redução de tributos recai mais sobre as pequenas empresas. 

Renda e justiça 

Na visão do auditor, o Brasil fez escolhas equivocadas ao tributar excessivamente o consumo e reduzir a tributação sobre a renda. Essa também foi a avaliação do auditor da Receita Federal Pedro Delarue, ex-presidente do Sindifisco Nacional. 

Delarue frisou que é preciso reformar o sistema levando em conta as personalidades físicas e jurídicas de maneira distinta. Diante do princípio da igualdade tributária, questionou por que o contribuinte pessoa física que recebe acima de R$ 4.665 paga 27% de Imposto de Renda e o empresário, sócio ou acionista que ganha R$ 5 milhões é isento. “A justificativa seria para não haver dupla tributação, mas a pessoa física e a jurídica não se confundem”, disse. 

O resultado direto disso, segundo ele, é a transformação de pessoas físicas em pessoas jurídicas, fenômeno muito conhecido como “pejotização”. Ela substitui o vínculo empregatício pela emissão de notas fiscais. “A pessoa física se constitui como jurídica para pagar carga tributária de 7%, e não de 25% ou 27%”, esclarece. 

O auditor também rebateu o argumento de que não se deve taxar a distribuição de lucros e dividendos sob o risco de os investidores desistirem. Segundo ele, mais do que a tributação, o que importa para quem está aplicando o dinheiro é a situação econômica do país. Como exemplo, Delarue disse que, no mundo inteiro, só a Letônia e a Lituânia, além do Brasil, não taxam lucros e dividendos. 

Ele sugeriu um modelo de tributação chamado de inclusão parcial, adotado pela França. Ele isenta o microempresário que fatura até R$ 50 mil e, após isso, 30% dos lucros continuariam isentos. Os 70% cairiam na tabela do Imposto de Renda. Com isso, segundo ele, o país arrecadaria mais R$ 50,4 bilhões por ano. 

Consumo 

Para Delarue, a classe média suporta um ônus que deveria ser da classe mais rica. Ele disse que não há no mundo país que tenha economia forte sem que a classe média seja forte e tenha poder de consumo. 

O vice-presidente da Associação dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Afresp), José Roberto Soares Lobato, também apontou a tributação do consumo como grande entrave para a economia. Ele afirmou que a reforma da base de consumo é inadiável, porque a atual fase seria crítica, de falência do modelo federativo. “O problema de tributar o consumo é que esse tipo de tributo tem natureza arrecadatória. Ele não se presta a combater a desigualdade social, e nosso país é extremamente desigual”, disse. 

Lobato defendeu a isenção personalizada para a camada de mais baixa renda — por exemplo, cadastrada no Bolsa Família. 

A senadora Zenaide Maia (Pros-RN), que acompanhou o debate com outros senadores, concordou com a regressão da cobrança para quem tem menos. “O imposto que eu pago pela lata de leite em pó com o salário de senadora é o mesmo que ela paga com o salário mínimo dela. Essas pessoas estão levando esse sistema nas costas”, desabafou a senadora. 

Mudanças 

O representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional), Marcos Assunção, recomendou uma reforma profunda e estrutural em tributos já existentes, repartição de receitas e forma de cobrança. 

Assunção criticou a quantidade de tributos nas três esferas (federal, estadual e municipal) que leva à busca incessante por exceções, como as isenções, desonerações e os incentivos fiscais. De acordo com ele, a atual tributação foi desenhada em 1960 e tem aberto uma guerra fiscal predatória. 

O senador Vanderlan Cardoso (PP-GO) disse que se a reforma não for justa e não baixar a carga tributária, não tem motivo para existir. Empresário, ele defendeu  políticas claras, segurança jurídica para o investidor e para o trabalhador e qualificação profissional.

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