Campo Grande (MS) – O Blog do Fausto Macedo do jornal O Estado de S. Paulo publicou, na terça-feira (26), o artigo ‘Por que o Fisco deve focar no mercado de cartões?”, de autoria da presidente da Febrafite, Juracy Soares, sobre estudo desenvolvido pela Assessoria Econômica da Federação.
Leia abaixo a íntegra do texto ou acesse-o no Estadão:
Por que o Fisco deve focar no mercado de cartões?
Estados e municípios poderiam estar arrecadando até R$ 200 bilhões a mais por ano se estivessem adotando um imposto unificado sobre valor adicionado (IVA), com um conjunto reduzido de alíquotas entre 5% a 17% somente sobre todo o consumo de bens e serviços no varejo do país.
Atualmente, a alíquota padrão de ICMS é de 17%, mas todos os estados cobram alíquotas bem mais altas (25% em média) para itens como gasolina, comunicações, energia elétrica, fumo, bebidas e produtos supérfluos, enquanto algumas unidades da federação cobram uma alíquota reduzida de 7% dos produtos da cesta básica. Já no caso do ISS municipal, a alíquota padrão é de 5%, mas no cenário atual pode ser reduzida pelos municípios para até 2%.
Apesar das elevadas alíquotas, a arrecadação de ICMS representou apenas 10,7% do consumo das famílias de 2017, percentual este que já alcançou 12,1% em 2008. Quando somado ao ISS, a alíquota efetiva dos dois tributos (ICMS e ISS) chega a apenas 12,1% do volume total de consumo das famílias. A diferença entre as alíquotas teoricamente cobradas e a alíquota efetiva bem mais baixa se explica pela ineficiência de arrecadação, uma combinação entre sonegação e renúncia fiscal.
A ‘economia subterrânea’ movimentou em 2018 – segundo levantamento realizado pela FGV – Fundação Getúlio Vargas juntamente com o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco) – 16,9% do PIB nos setores pesquisados. Isso representou no ano passado em montante equivalente a R$ R$ 1,173 trilhão.
No atual modelo, uma pequena parcela de empreendimentos é beneficiada com pacotes de reduções, ou isenções tributárias, que não apenas minam a capacidade do estado financiar suas demandas, mas acabam por desequilibrar setores inteiros da atividade econômica e ainda contribuem para o acirramento da guerra fiscal.
A grande parte dos benefícios fiscais, que reduz impostos para as empresas, não chegam efetivamente a surtir efeito no bolso do consumidor. Por outro lado, alguns benefícios – como o menor ICMS da cesta básica – acabam sendo usufruídos em maior escala justamente pelos que menos precisam.
Na outra ponta faz-se necessário uma vinculação efetiva entre as operações de compras de bens e serviços com cartões de crédito e débito e a automação de cobrança tributária nessas operações negociais. A questão surgiu da observação empírica de que milhares de operações são realizadas diariamente – com pagamento em cartão – sem a correspondente emissão do documento fiscal que obrigue o recolhimento dos tributos devidos.
O volume de transações no Brasil atingiu só em 2017 – nessa modalidade de pagamento – o montante de R$ 1,36 trilhão, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs). Sendo que o uso do cartão de crédito e débito como meio de pagamento no país tem se difundido nos últimos anos. Para se ter uma ideia, entre 2008 e 2017 passou de 17,6% do consumo das famílias para 29,5%. Ou seja, quase um terço do gasto das famílias já ocorre por meio eletrônico e isso poderia estar contribuindo para a redução da sonegação, mas depende de uma maior articulação por parte dos fiscos e do sistema financeiro, para automação dos dados visando melhorar performance de arrecadação.
Um bom indicador do potencial pela frente é imaginarmos que, quando o volume de transações com cartão dobrar, na próxima década, já será possível obter a mesma arrecadação de ICMS que hoje em dia com a alíquota padrão de 17%. Ou seja, em uma década já seria possível arrecadar o mesmo que hoje cobrando bem menos dos consumidores, reduzindo as alíquotas que atualmente alcançam até 25% para uma média de 17%, desde que as renúncias fiscais sejam canceladas.
A redução de carga tributária sobre as famílias passa pela ampliação da base de contribuintes. Traduzindo para o português: Mais pessoas pagam e então o Estado pode cobrar menos de cada um e mesmo assim, arrecadar mais para financiar suas demandas.
Com uma cesta reduzida de alíquotas claras e transparentes entre 5% a 17% sobre o consumo das famílias, os fiscos estaduais e municipais teriam arrecadado em 2017 a quantia de R$ 707 bilhões. Ou seja, R$ 203 bilhões acima da receita efetivamente ocorrida.
Esse acréscimo de receita, que seria obtido com um nível de sonegação e renúncia fiscal zero, poderia ser utilizado para oferecer benefícios tantos aos usuários em geral de cartão de crédito e débito, quanto aos contribuintes efetivamente mais pobres. Por exemplo, os usuários em geral de cartão poderiam ter uma redução da alíquota de 17% para 16%, enquanto os usuários mais pobres (50% mais pobres do país) receberiam um desconto de até 60%, por meio de devolução do tributo na conta bancária ou fatura do cartão.
A estimativa é que esses benefícios diretos ao consumidor custariam R$ 105 bilhões anuais, a metade do ganho potencial a ser obtido com o novo sistema. Ou seja, há uma boa margem de segurança para implementar a medida sem risco de perda de arrecadação. E para o consumidor final, é muito mais vantajoso a redução do ICMS da gasolina, da conta de energia e comunicação de 25% para 17% do que o atual modelo de incentivos fiscais com zero de transparência.
O dinheiro arrecadado pelo Estado via tributos é recurso da sociedade. Ao distribuir benefícios fiscais sem prestar contas à sociedade sobre quem e quanto está sendo beneficiado, o Governo acaba por executar uma política de concentração ainda maior da renda nas mãos de poucos e o que é pior: sem a transparência que um Estado de Direito exige de seus gestores públicos.
Enfim, a ineficiência de arrecadação não apenas priva a sociedade dos recursos necessários para o financiamento das diversas demandas como saúde, segurança e educação, para citar apenas três. Esses dois males acabam também por gerar forte desequilíbrio concorrencial nos mais diversos setores da atividade econômica. Urge, portanto, por um ambiente concorrencial mais justo e que gere mais benefícios para toda a sociedade.
*Juracy Soares, formado em Contabilidade e em Direito, com mestrado em Controladoria e doutor em Ciências Jurídicas e Sociais. É presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite) e vice-presidente do Fonacate (Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado)