Quando a desigualdade social cresce, a influência política dos mais ricos aumenta

Publicado em: 30 jul 2018

Campo Grande (MS) – É compreensível supor que quanto mais democráticas são as instituições de um país, menor será a desigualdade. Afinal, se o governo incentiva a concentração de renda na mão de poucos, provavelmente não terá base eleitoral para se eleger. Nesse caso, as pessoas de mais baixa renda conseguiriam colocar no poder as governantes que iriam favorecer a distribuição da renda. Mas não é bem assim que acontece. 

 

Um estudo feito pelos economistas Daron Acemoglu e James Robinson mostrou que nos países democráticos os impostos são bem mais altos do que nas nações que possuem outro sistema de governo. Mas a desigualdade social continua em níveis elevados. 

 

De fato, alguns cientistas sociais apontam que a expansão do direito ao voto foi uma forma que os governos encontraram para assegurar aos cidadãos que os recursos seriam melhor distribuídos. Daron Acemoglu e James Robinson argumentam que no século 19, os países ocidentais enfrentavam a ameaça da revolução socialista. Naquele momento, apenas a promessa de melhor distribuição era insuficiente, eram necessárias garantias institucionais. Aumentar a proporção de cidadãos que podiam votar era uma dessas garantias. Outras pesquisas apontam que instrumentos anti-majoritaristas inseridos nos sistemas democráticos, como a Câmara dos Lordes na Grã-Bretanha e o sistema de colégio eleitoral americano, eram valorizadas pelas elites não porque eram capazes de levar às melhores escolhas, mas porque eram uma forma de verificar e validar as tendências igualitárias das massas. 

 

No entanto, os estudos sobre a relação entre democracia e desigualdade apontam para direções conflitantes. Uma pesquisa feita por Acemoglu, Robinson, Suresh Naidu e Pascual Restrepo conclui que governos democráticos tendem a ter impostos mais altos. Mas isso não se traduz efetivamente em maior igualdade de renda, aponta a revista The Economist. 

 

Uma possível razão para este fato seria que pessoas não se preocupam muito com a desigualdade social em seu país, e nem querem que os políticos tomem medidas quanto a isso. Mas os resultados das pesquisas mostram o contrário: quando são questionadas, mais de dois terços dos americanos e europeus dizem que se preocupam com a desigualdade social. 

 

Outros poderiam dizer que as democracias modernas são simplesmente lentas demais para lidar com problemas grandes como a desigualdade. Mas essa também é uma resposta insatisfatória, afinal os países desenvolvidos tiveram mudanças em suas políticas nos últimos anos. No ano passado, por exemplo, o governo americano conseguiu fazer uma mudança radical nos impostos, que favoreceria ainda mais a concentração de renda aos mais ricos. 

 

Em um estudo recente sobre a política europeia, os pesquisadores Derek Epp e Enrico Borghetto descobriram que a agenda política europeia se tornou menos focada na redistribuição de renda, mesmo com o aumento da desigualdade social no continente. E mesmo que a concentração da riqueza e a preocupação da população quanto ao tema tenha aumentado, os políticos parecem menos interessados em lidar com o problema. 

 

Epp e Borghetto sugerem outra explicação. Em vez de aumentar a pressão popular sobre o governo para lidar com a desigualdade, o aumento da concentração de renda tem outro efeito: aumenta o poder dos mais ricos, o que possibilita que o governo tome decisões contrárias à vontade popular. 

 

Pesquisas focadas em ciência política embasam a impressão de que os ricos dos Estados Unidos conseguem facilmente exercer sua influência de forma desproporcional. Benjamin Page, Larry Bartels e Jason Seawright analisaram as preferências políticas de indivíduos com fortunas superiores a U$ 40 milhões. O resultado mostra que os mais ricos tendem a ser favoráveis a cortes nos gastos públicos com grandes programas de igualdade e seguridade social — o contrário da vontade da maioria da população. 

 

Os ricaços também são mais engajados na política do que os demais americanos. Eles costumam manter um contato regular com políticos eleitos, por exemplo, além de financiar suas campanhas. 

 

Uma análise de doações de campanha, feita por Lee Dutman, membro sênior do Programa de Reforma Política na Nova América, mostrou que menos de 30 mil pessoas respondem por um quarto de todas as doações políticas nacionais de indivíduos e por mais de 80% do dinheiro arrecadado pelos partidos políticos dos Estados Unidos. 

 

Vale lembrar que no Brasil, com a Reforma Eleitoral, algumas regras foram alteradas. Ficou proibido o financiamento de campanhas por empresas, e o valor limite de gastos foi reduzido. Outra mudança foi em relação a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). O fundo está estimado em R$ 1,7 bilhões e será dividido entre os partidos. Em 2014, as dez empresas que mais doaram recursos nas eleições de 2014, ajudaram a eleger 70% dos deputados da Câmara. Entre as doadoras estão a JBS, a empreiteira OAS e o grupo Vale. 

 

A relação entre a concentração da riqueza e o poder político dos ricos dificilmente se limita a gastos públicos. Os ricos têm muitos meios de moldar a opinião pública, como comprar meios de comunicação, por exemplo. Embora seu poder, às vezes, possa ser utilizado para influenciar o resultado de um voto em particular, ele é frequentemente empregado de forma mais sutil, a fim de moldar narrativas públicas sobre quais problemas merecem mais atenção. 

 

Epp e Borgheto analisaram os projetos de lei apresentados aos parlamentos de nove países europeus entre 1941 e 2014. Foi possível concluir que o aumento da desigualdade está relacionado a mais pautas sobre “ordem social”, como crime e imigração. 

 

As evidências são preocupantes, diz a Economist, pois sugerem que é menos provável que os países consigam reduzir a desigualdade. Um ciclo vicioso parece estar se formando. 

 

Mas não é preciso dar o caso como perdido. Afinal, os ricos têm influência, mas não são os donos do poder, e nem são um bloco uniforme contra políticas de redistribuição de renda. Se os políticos de fato se engajarem e tentarem reverter a situação, podem encontrar uma saída para a questão. (Reprodução/Época Negócios)

  • Compartilhar:
  • Facebook
  • Facebook
  • Facebook