Reforma administrativa tem avanços, mas pouco ganho fiscal

Publicado em: 25 set 2023

Campo Grande (MS) – A reforma administrativa proposta na PEC 32/2020 tem sido colocada pelo presidente da Câmara como uma medida essencial para gerar economia fiscal. O Poder Executivo é crítico ao texto e prefere fazer uma reforma gradual, via projetos de lei, com foco na melhoria da qualidade dos serviços públicos.

O conflito é menor do que parece. Afinal, o substitutivo à PEC 32 aprovado por comissão especial deixa para a legislação ordinária as principais questões de reestruturação do RH do setor público: normas gerais para criação e extinção de cargo público, concurso público, cargos em comissão, estruturas de carreira, remuneração, avaliação de desempenho, questões disciplinares. Logo, mesmo com aprovação da PEC, boa parte da reforma será feita por lei ordinária, como quer o Executivo.

Os principais problemas de desenho de carreiras e incentivos hoje existentes no setor público, que afetam a qualidade dos serviços prestados, teriam suas soluções dependentes dessa legislação ordinária. Refiro-me a questões já diagnosticadas pela literatura, como salários iniciais excessivamente altos, pequena diferença entre remuneração de início e final de carreira, promoções muito rápidas —que colocam o servidor no fim de carreira muito antes da aposentadoria—, avaliações de desempenho frágeis e que concedem nota máxima a todos, número excessivo de carreiras, concursos com conteúdo inadequado.

A solução para todos esses problemas não vem com a aprovação da PEC. Dependerá da legislação ordinária.

Haveria uma suposta discordância entre Legislativo e Executivo em relação à estabilidade no emprego, alegando-se que a PEC propõe sua revogação. Mas o substitutivo da PEC não revoga a estabilidade. Ele mantém intacto o caput do art. 41 da Constituição: “São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público”.

O que o substitutivo faz é agilizar a possibilidade de demissão em decorrência de decisão judicial: não seria mais necessário aguardar o trânsito em julgado, podendo haver demissão quando da condenação por órgão judicial colegiado.

Outra mudança relativa à estabilidade refere-se à demissão por mau desempenho, que já existe no texto constitucional atual, pendente de normatização por lei complementar. O substitutivo estabelece que a demissão ocorrerá em caso de desempenho insuficiente por dois anos seguidos, ou três alternados, ao longo de cinco anos.

Não é uma grande flexibilização da estabilidade. Até porque as avaliações de desempenho precisarão ser regulamentadas por lei.

Há três tópicos que são tratados adequadamente pela PEC e requerem, efetivamente, emenda constitucional. O primeiro é a autorização para que se faça redução de jornada de trabalho com a correspondente redução de remuneração. Esse era um mecanismo de ajuste previsto na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) para os casos de entes com excesso de despesa de pessoal. O dispositivo da LRF foi considerado inconstitucional pelo STF. Portanto, para viabilizá-lo, é preciso constitucionalizar a matéria.

O segundo é a vedação a promoções e reajustes por tempo de serviço, que desestimulam o bom desempenho. Se estabelecida em lei, essa vedação seria facilmente contornada por outra lei específica de plano de carreira.

O terceiro é a proibição de que leis estabeleçam benefícios exorbitantes, como férias de mais de 30 dias, indenizações com efeito retroativo, licença-prêmio e indenizações não previstas em lei.

O substitutivo também inova ao propor instrumentos de cooperação com instituições privadas para provisão de serviços públicos, permitindo o uso de pessoal CLT em serviços que não sejam típicos de Estado. Também permite a contratação por tempo determinado para atender necessidades temporárias. São instrumentos importantes, que resultarão em flexibilidade e redução de custos. Mas que também dependem de regulamentação adequada.

Nenhuma inovação da PEC se aplicaria aos servidores em exercício.

Em resumo, a PEC não é um instrumento poderoso de economia fiscal, como argumenta o presidente da Câmara, nem é um texto radical e ruim, como apontam algumas autoridades do Executivo.

Fonte: Folha de S. Paulo

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