Após enxugamento inédito, máquina federal terá concursos e mais servidores na educação
Após sete anos de enxugamento inédito da máquina de servidores civis federais ativos permanentes do Executivo nos governos Michel Temer (2016-1018) e Jair Bolsonaro (2019-2022), o governo Lula (PT) prepara a abertura de 6.640 novas vagas no funcionalismo e anunciou a criação de mais 100 campi dos institutos federais de ensino até 2026.
A retomada das contratações ocorre sem uma reforma administrativa e em meio à ameaça de greve por melhores salários e condições de trabalho de professores de universidades, institutos e de centros federais de educação —além de paralisações pontuais e ações de mobilização no Banco Central, no Tesouro e na Receita Federal.
Nas instituições de ensino federais, os servidores ativos permanentes aumentaram fortemente no governo Dilma Rousseff (2011-2016) e somam hoje 237,2 mil. É mais do que os 206,3 mil funcionários públicos da máquina convencional, que toca o dia a dia do país com órgãos como Ministério da Saúde, INSS, IBGE e Ibama —que tiveram grandes perdas.
Nos últimos 25 anos, enquanto a máquina convencional cortou 111 mil servidores, as instituições de ensino federais ganharam 91,2 mil. Isto manteve, ao final do período, praticamente estável os servidores ativos permanentes civis no Executivo, hoje em 443,5 mil, segundo o Painel Estatístico de Pessoal (PEP). O governo ainda não detalhou quantos mais funcionários serão contratados nos 100 novos campi.
Os servidores da educação federal que agora preparam a greve recebem vencimentos básicos 50% maiores do que a média dos ativos no Executivo: R$ 16.108 no caso dos professores do magistério superior e R$ 15.767 nos da educação básica tecnológica. No Executivo em geral, a média é de R$ 10.662.
Segundo, Gustavo Seferian, presidente do Andes-SN, que representa docentes em instituições de ensino superior federais, além de institutos, a categoria pleiteia 22% de reajuste. “Essa é a corrosão da renda só no governo Bolsonaro. Não estamos pedindo aumento.”
No governo Bolsonaro, além do enxugamento quantitativo da máquina, não houve aumento para o funcionalismo. No ano passado, Lula concedeu reajuste de 9%, com impacto anualizado de R$ 13,8 bilhões nas contas públicas.
Outra reivindicação da categoria é um extra de R$ 2,5 bilhões para as universidades federais sobre o orçamento de 2024, de R$ 5,9 bilhões. Os institutos federais, que Lula quer expandir, pleiteiam mais R$ 1,6 bilhão na verba neste ano.
Além dos servidores ligados ao ensino público federal, aumentou o total de militares ativos, que saltaram de 279,3 mil para 360,9 mil nas últimas duas décadas —com vencimentos básicos de R$ 2.251 (praças) a R$ 18.135 (oficiais de carreira).
Para Claudio Hamilton dos Santos, coordenador de finanças públicas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o fato de a academia federal (237,2 mil ativos) ser hoje maior do que a máquina convencional (206,3 mil) chama atenção, sobretudo à luz da experiência de países com regimes federativos similares ao brasileiro.
“Pouco se discute que a academia e os militares têm reposição praticamente automática dos cargos vagos, de modo que todo e qualquer ajuste no quantitativo de servidores deve se dar quase que inteiramente sobre a máquina pública convencional”, afirma.
“Se a expansão dos institutos federais se confirmar, estaremos aumentando algo que já é bastante grande, o que implicará custos significativos, que deverão ser compatibilizados com o arranjo fiscal em curso.”
Outro ponto destacado por Santos é a produtividade do Estado. “Se há duas instituições que dependem crucialmente de trabalho humano e, portanto, nas quais os ganhos de produtividade são muito difíceis, essas são a academia e as Forças Armadas. Então, todo o ônus do aumento da produtividade recai sobre a máquina pública convencional.”
As contratações no período da forte expansão de universidades e institutos se deram pelo regime estatutário, que prevê progressões automáticas na carreira por tempo de serviço, sem avaliação de desempenho. As 6.640 novas vagas para a máquina convencional, com concurso marcado para 5 de maio, seguem o mesmo critério.
Alguns especialistas consideram a necessidade de uma reforma administrativa antes das novas admissões, que aumentarão a máquina, um emaranhado de mais de 250 carreiras e planos de cargos 300 tabelas salariais.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP), vem pressionando para que a reforma seja levada a cabo. O governo Lula é refratário, e pretende realizar contratações a cada dois anos, segundo o Ministério da Gestão.
Para o órgão, “já está em curso um projeto de transformação do Estado visando ampliar sua efetividade, por diversas ações tocadas pela pasta”. Sobre a PEC 32 (da reforma administrativa), o ministério diz preparar medidas para substituir a proposta no Congresso —que, sustenta, “penaliza o serviço público, sem comprovação de que poderia reduzir gastos, como prometia”.
Para Simon Schwartzman, pesquisador associado do Instituto de Estudos de Política Econômica e ex-presidente do IBGE, é “normal” que o governo promova concursos para repor pessoal.
Ele considera, porém, que a previsão de aumento de vagas nos institutos federais poderia se dar por regimes mais flexíveis, como CLT, ou mesmo em caráter temporário.
Schwartzman cita casos de profissionais especializados de empresas que eventualmente se candidatem a vagas de docentes nos institutos técnicos para formar profissionais. “Como estatutário, você simplesmente retira a pessoa de uma fábrica para que ela, exclusivamente, dê aulas. Fora do mercado, em dois anos ela está obsoleta”, afirma.
Atualmente, existem 38 institutos federais, dois centros federais de Educação Tecnológica e o Colégio Pedro 2°, além de escolas técnicas ligadas a universidades federais.
Cada uma destas instituições é composta por campi que atuam como unidades descentralizadas de ensino, fazendo com que os institutos cheguem a mais locais. Há 1,5 milhão de estudantes matriculados nos grandes centros e no interior. O país tem ainda 69 universidades federais —em 2002, eram 42.
Para Naercio Menezes Filho, pesquisador do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper, as
universidades federais tendem a ter boa qualidade e é preciso avaliar seu custo-benefício para a sociedade.
Segundo o recém divulgado Índice Geral de Cursos, do Ministério da Educação —que vai de 1 a 5 e está relacionado a 2022 para 54 instituições de ensino superior—, 85% das instituições federais conseguiram nota 4 ou 5. Entre as privadas, só 21%.
“No Brasil, a pessoa que faz ensino superior ganha três vezes mais do quem conclui apenas o ensino médio. Para os que vão a uma universidade pública, é mais que isso”, diz Menezes.
Fonte: Folha de S. Paulo