“Imposto seletivo está na contramão”, diz presidente da Anfavea

Publicado em: 16 jul 2024

Para Márcio de Lima Leite, a tributação adicional sobre os automóveis prejudica a descarbonização e a transição energética, pois encarece os veículos e dificulta a renovação da frota nacional

A regulamentação da reforma tributária, que passou na Câmarados Deputados e começará a ser debatida no Senado Federal a partir de agosto, está na “contramão” da estratégia do governo para alavancar os investimentos da indústria automobilística e dereindustrialização do país, de acordo com o presidente da Associação dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio de Lima Leite.

O executivo ressalta que o imposto seletivo para veículos vai na contramão da proposta da reforma e do princípio da inovação da frota prevista no Programa de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), voltado para estimular a reindustrialização do país e a transição energética. “O imposto seletivo é o imposto do pecado, aquele que você quer afastar de consumo no mundo inteiro — como sobre o álcool ou o tabaco —, por contado custo para a saúde para o Estado. E o automóvel é o contrário. O que a gente quer é estimular o automóvel novo para você substituir a frota antiga”, afirma o executivo, em entrevista ao Correio.

Na avaliação de Leite, o brasileiro corre o risco de pagar mais caro pelo carro novo com a inclusão do produto no imposto seletivo sobre a venda de automóveis, vans, caminhonetes, picapes, veículos urbanos de carga (VUC) e de caminhões de até cinco toneladas.“O imposto seletivo está na contramão”, alerta Leite. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Como vocês estão vendo aregulamentação da reforma tributária?

Primeiro, a reforma tributária começa com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens eServiços (CBS). Esse já está bem adiantado, bem pacificado, que é o que a gente chama de imposto no consumo. Mas, quando se fala na questão do imposto seletivo, houve uma mudança na regulamentação proposta pelo governo: a inclusão dos automóveis. O imposto seletivo é o imposto do pecado, aquele que você quer afastar de consumo no mundo inteiro — como sobre o álcool, ou sobre o tabaco —, por contado custo para a saúde para o Estado. E o automóvel é o contrário. O que a gente quer é estimular oautomóvel novo para substituir a frota antiga. A frota antiga é responsável pela grande emissão e pela questão de segurança. Então, todo o esforço é ter no país uma frota nova e, com isso, descarbonizar o planeta. Mas o imposto seletivo está na contramão

O imposto do pecado pode atrapalhar a transição energética?

Pode atrapalhar na medida em que o carro fica mais caro, porque quando você temum imposto seletivo, você está aumentando para mais. E esse imposto a mais é para evitar o consumo. Se não tem consumo, não tem produção; e sem produção, não tem investimento, nem renovação da frota. O imposto seletivo é na contramão em função disso. No projeto original da reforma tributária, não tinha isso. Depois, já entrou na própria proposta do governo, de regulamentação, e, agora, na Câmara.

Com a proposta já aprovada pelos deputados, qual será a estratégia quando ela for avaliada no Senado?

A ideia é continuar conversando com os parlamentares para tentar retirar essa taxação da proposta.

E como está o Projeto Mover, que é um estímulo para as montadoras investirem na renovação tecnológica e na transição energética?

O programa Mover é referência no mundo. Vai proporcionar um investimento de R$ 130 bilhões em novas tecnologias, priorizando os biocombustíveise os carros eletrificados. Todas essas novas tecnologias serão incorporadas ao programa Mover. Nós acreditamos muito nessa visão otimista para o Brasil e para a indústria. Só o setor automobilístico vai ter que investir R$ 60 bilhões, no mínimo, em pesquisa e desenvolvimento pelos próximos sete anos para estar dentro do programa Mover. Esse volume é algo bastante relevante.

Como será o descarte dos componentes e metais raros utilizados nos carros elétricos?

Um dos pilares do programa Mover, e isso diferencia o Brasil de outros países do mundo, é a reciclagem. Isso é muito bom porque cria compromisso não apenas com a produção, mas também com o descarte adequado e a reutilização dos materiais. Por isso, eu digo que o Mover é um programa muito completo: atinge emissões, reciclagem, adensamento da cadeia produtiva, fornecedores e pesquisa e desenvolvimento, além de coletividade. É um programa que dá previsibilidade para a indústria sobre os diversos aspectos.

Conforme dados da Anfavea, de janeiro a junho deste ano, houve aumento de 14,6% no licenciamento de veículos, mas a produção avançou apenas 0,5% no mesmo período. O que está acontecendo?

Esse é o grande problema. O aumento nas vendas internas foi por conta dos importados elétricos. Esses produtos chegam ao Brasil com subsídios dos países de origem e com uma alíquota do imposto de importação no país que é a mais baixa do mundo para veículos elétricos.

Pode fazer um comparativo?

Entre os países fabricantes de automóveis, a tarifa de importação mais baixa é a do Brasil. Os Estados Unidos tributam em 100%; a União Europeia, 48%. A própria China está pedindo elevação para 25%. Canadá, mais de 100%. E o Brasil tributa a 18% — agora. Até o ano passado, era zero. Chegará a 35% daqui a um ano e meio. Estamos pedindo que chegue imediatamente, porque, até 2015, esse imposto de importação era de 35% e depois caiu para zero.

Alguma previsão de quanto seria essa alíquota do imposto seletivo para veículos?

O imposto do pecado para veículos ainda não tem alíquota. O Congresso ainda está definindo a lista de quem está dentro e quem está fora. O imposto do pecado está tudo no mesmo balaio, o que é contraditório.

Uma pergunta que deve ser recorrente: por que o carro no Brasil é tão mais caro do que lá fora, e o brasileiro é piada nos Estados Unidos por pagar até o triplo do preço do mesmo veículo?

Na verdade, não. Essa questão do triplo (do preço) não existe mais. O que nós temos, em algumas situações, é que o custo tributário é muito elevado, e o custo da burocracia também. Nos Estados Unidos, você vende um veículo e paga 12% de imposto, e, em algumas situações, um pouquinho mais. No Brasil, com o custo de resíduo tributário, de produção e de tudo mais, a tributação sobe para 40% a 50%, dependendo do modelo de cilindrada e tudo mais. Para ter a produção no Brasil, uma empresa gasta 1,2% do faturamento com a burocracia tributária. E, nos Estados Unidos, na Europa, o gasto é menos de 0,2%. Isso é nove vezes mais que todos os países industrializados. É um custo muito grande para as empresas. Portanto, temos o custo Brasil que, de uma forma geral, é bastante elevado.  

Há estimativa sobre o ganho nesse custo com a reforma tributária?

Nós vamos ter mais segurança e mais simplificação para o futuro. Mas como há um período de transição, isso vai ser daqui a cinco, seis anos. Durante esse período de transição, acaba tendo ainda um custo, porque vamos ter que conviver com dois sistemas, o antigo e o novo, até 2032. Mas não é ruim. Nós achamos isso bom, mesmo que seja mais burocrático. Fazer uma transição com segurança é melhor. Estamos apostando numa simplificação após o período de transição.

Isso pode ajudar a baratear o carro para o consumidor final?

Ainda é muito recente para falar isso, mas a reforma vai colocar o Brasil com mais competitividade, sim.

Atualmente, o Brasil não consegue exportar veículos, apesar de haver um monte de montadora instalada no país.

As exportações caíram 30% neste ano, comparado com o ano passado. E essa queda se dá justamente pelo custo Brasil, pelo custo da burocracia, pelo custo dos tributos que estão embutidos de forma invisível no preço.

Qual é o principal problema para o Brasil exportar?

Nós temos problemas com a burocracia e com os acordos comerciais. Por exemplo, na Colômbia, um produto chinês chega com alíquota zero. O Brasil tem que ter cotas para exportar para a Colômbia. O México tem mais de 40 acordos comerciais. O Brasil tem menos de 10. Então, no Brasil, no comércio internacional, a gente avançou muito pouco com os acordos. E tem a questão da harmonização regulatória. Quando um carro chinês chega nesses países, ele não precisa de harmonização regulatória, porque não se aplica a carro elétrico. O Brasil, para o fabricante exportar, ele tem toda uma mudança de regras. Nós temos que homologar nossos produtos nos mercados de destino. Isso é custo e tempo.

Como estão as projeções da Anfavea para este ano, diante desse primeiro semestre de desempenho?

O número de unidades vendidas no mercado vai crescer 11% este ano. Mas nossa produção, infelizmente, ainda não vai conseguir ter um crescimento importante. Então, é um crescimento de mercado.

E a produção?

Vai ficar andando de lado. Deve crescer no máximo 5%. Se crescer, é para 2,5 milhões de veículos, mais ou menos. Mas já chegamos a 3,7 milhões no passado.

Como o setor vê a transição energética? O futuro é carro elétrico ou o carro híbrido?

Nós vamos ter todas as tecnologias. Teremos tanto o carro elétrico quanto o híbrido, e os biocombustíveis vão ser uma realidade muito grande, pelas características do Brasil. O biocombustível entrega a mesma coisa em termos de descarbonização e custa muito mais barato. E nós temos uma logística muito boa para biocombustível, coisa que outros países não têm.

Existe uma discussão sobre o futuro do biocombustível. O Brasil tem muita produção do álcool da cana, e os Estados Unidos, do milho. Como o senhor vê essa tendência?

A cana-de-açúcar ainda vai continuar sendo responsável pela grande produção de biocombustíveis. No Brasil, é algo consolidado. Outros também surgem, como o milho, e são importantes. Mas sem dúvida, a cana-de-açúcar é o grande diferencial do Brasil.

Fonte: Correio Braziliense

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