A reforma tributária, os dividendos e as jabuticabas

Publicado em: 09 dez 2020

 Por Alexandre Espirito Santo

Campo Grande (MS) – Em novembro, a câmara de deputados da Argentina aprovou projeto de taxação sobre grandes fortunas naquele país. Na tarde de sábado, o senado transformou em lei. No carnaval deste ano, antes de a OMS declarar a covid-19 uma pandemia, fiz um cruzeiro em direção ao Sul, com visitas a Buenos Aires e Punta Del Leste, no Uruguai. Nessa escala, fizemos um city tour, com uma guia brasileira. Ficamos impressionados com a afirmação dela de que inúmeros argentinos endinheirados estavam se mudando de mala e cuia para o balneário uruguaio. Desde 2019, já havia rumores de que a tributação sobre grandes fortunas estaria no radar do governo Fernández.

Por aqui, passadas as eleições municipais, as conversas sobre o retorno das pautas reformistas tentam virar realidade. Uma delas é a reforma tributária, que tem enorme importância, em minha visão. Nosso país precisa racionalizar os impostos. Pagamos muito, para uma sociedade de renda média-baixa. Temos muitas alíquotas e uma insensata guerra fiscal entre Estados da federação. Nesse sentido, uma agenda liberal, com foco nesse tema, faria muito bem, sob diversos aspectos. O principal deles é a perspectiva de mais crescimento, pelo aumento de produtividade da economia.

A questão tributária é dor de cabeça em qualquer lugar. A chamada “pejotização” da economia brasileira foi uma consequência ruim da cilada em que nos metemos nesse quesito. De forma mais técnica, uma espécie de resposta desastrada, em linha com a conhecida Curva de Laffer, teoria que aborda esse tema de alta carga de impostos vis a vis sonegação. Segundo ela, as pessoas reagem racionalmente a novos aumentos de alíquotas, encontrando chicanas para não recolher o adicional. Assim, em vez de aumentarmos a arrecadação, ela cai. No ano em que nasci (1963) a carga tributária do país era 17% do PIB, hoje está em torno de 35%. 

No nosso caso, existem algumas propostas de reformas. Sou a favor daquela que unifica as diversas alíquotas num IVA (imposto sobre valor agregado ou imposto sobre bens e serviços). Tenho algum receio sobre aquelas que incluem taxação sobre grandes fortunas, heranças e dividendos. Sobre grandes fortunas, existem experiências em alguns países (não somente nossos vizinhos portenhos, também a França) que me deixam ressabiado. Porém, como trabalho com investimentos, queria abordar mais detalhadamente o tópico de tributação sobre dividendos.

O Brasil aboliu o pagamento de imposto sobre dividendos em meados da década de 1990. Somos um dos poucos países do mundo que isenta a parcela do lucro das empresas distribuída para os acionistas. Todavia, como somos um país afeito às peculiaridades, “criamos” a jabuticaba do “Juros Sobre Capital Próprio” (JSCP), que, de fato, se constitui num ganho fiscal para a empresa, pois a parcela distribuída via essa rubrica implica em pagamento de tributo, à alíquota de 15%, por quem recebe.

Um aspecto importante nessa discussão tem a ver com a questão de uma eventual bitributação. Pela Constituição Federal, é proibido tributar mais de uma vez um mesmo fato gerador. Isso ocorreria, contudo, quando a tributação se origina de entes distintos. Em outras palavras, se a cobrança for feita pelo governo federal e pelo estadual, por exemplo. No caso do dividendo, a ideia é reduzir a alíquota do imposto de renda da pessoa jurídica e passar a tributar, doravante, o recebimento do lucro distribuído pelo acionista; ambos pelo governo federal.

Diante dessa hipótese, fiz um exercício para avaliar o impacto da medida sobre o investidor. Admiti que a alíquota de 15%, já adotada nos JSCP, seja replicada na proposta. De uma forma simples, para que se mantenha o dividend yield (percentual do dividendo sobre o valor da ação) para o acionista, sem a taxação, a alíquota do IR para lucro real deveria cair dos atuais 34% (soma do IR e CSSL) para 22%. Partindo de uma análise mais realista, de que a redução de imposto sobre as empresas gere um efeito multiplicador nos investimentos das firmas (gerando mais empregos, o que tende a elevar os lucros potenciais), cheguei a uma alíquota equivalente de 28%, para que não se altere, em média, a expectativa de retorno do acionista.

Por fim, semana passada, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, alertou para as invencionices tupiniquins, ao comentar a proposta do ministro Paulo Guedes, de uma meta fiscal flexível (já descartada?). É preciso cuidado para não cairmos na tentação de aproveitar a deixa da reforma para aumentar a carga atual, já elevadíssima. Racionalizar é o principal objetivo. Sem mais jabuticabas, por favor.

 

*Alexandre Espirito Santo é economista da Órama, prof. Ibmec-RJ e da Proseek

 

Fonte: Valor Investe

 

 
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