Reforma tributária pode incentivar IPOs na Bolsa de valores

Publicado em: 18 nov 2020

Campo Grande (MS) – Quase quatro meses se passaram desde que o governo enviou o seu projeto de reforma tributária ao Congresso. Para desgosto do mercado financeiro, nesse meio tempo, o tema foi das principais manchetes para o mais profundo esquecimento. A expectativa era de que a reforma fosse o grande tema do segundo semestre de 2020.

Mas a proximidade das eleições municipais e o agravamento da crise fiscal fizeram o noticiário em Brasília girar em torno das medidas para aplacar os efeitos da pandemia e o impacto fiscal da jornada. A situação excepcional deixou a agenda de reformas adormecida e o governo chegou a pedir a retirada de urgência na tramitação da reforma tributária.

Bom, isso até cerca de 10 dias atrás, quando o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, resgatou o tema e o colocou novamente nos holofotes, ao sugerir a retomada da apreciação da pauta.

Coincidentemente, a notícia do interesse de Maia em retomar a votação da reforma tributária surgiu enquanto eu me preparava para uma entrevista com a assessora especial do ministro da Economia, Vanessa Rahal Canado — uma das principais peças da equipe econômica por trás da reforma tributária.

Depois de meses sem nenhuma novidade com relação ao assunto, a manifestação de Maia, reiterando o seu apoio ao tema, injetou fôlego extra na discussão e a nossa conversa não poderia ter começado de outra forma – afinal de contas, a reforma subiu no telhado ou ainda há esperanças?

Segundo a assessora, enquanto o tema esteve adormecido nos noticiários, a equipe econômica seguiu com a agenda de discussões, costurando os últimos detalhes em parceria com a Secretaria de Assuntos Federativos, Estados e municípios. A parte que cabia ao governo está praticamente finalizada e já foi apresentada ao relator, o deputado Aguinaldo Ribeiro.

A proposta

A primeira fase da reforma enviada pela equipe econômica propôs a unificação das cobranças do PIS (programa integração social) e Cofins (contribuição da seguridade social), criando a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), com alíquota de 12%. O CBS é um imposto aos moldes de um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) dual, de competência federal, e que é adotado em diversos países do mundo. 

O projeto de unificar as contribuições do PIS e Cofins em um IVA é semelhante ao que consta nos textos que já estavam em análise na Câmara e no Senado e que devem ser apreciadas em conjunto com a PL do CBS. No entanto, as propostas que já vinham sendo discutidas incluem também o IPI, ICMS e ISS, de competência estadual e municipal, pelo Imposto sobre bens e consumo (IBS) e não somente os de competência federal, como o proposto pelo governo.

A pandemia e a crise econômica deixaram o tema em segundo plano, mas, para Vanessa, nunca houve um momento tão importante de se discutir o sistema tributário brasileiro.

“A única maneira de melhorarmos o déficit público sem dúvida alguma é com crescimento econômico, e não vai ter crescimento sustentável e relevante se a gente não melhorar a produtividade. Um dos fatores para isso é a reforma tributária.”

Com resistência de apenas algumas capitais em torno do tema — cenário que deve mudar pouco mesmo com as eleições municipais do último domingo — o que falta agora é um acordo político que envolva governadores, o secretário de Fazenda, o ministro Paulo Guedes e o presidente Rodrigo Maia, capaz de catapultar a reforma para os estágios mais avançados de tramitação.  

“Falta uma conversa final. Se houver um acordo desse nível, podemos ter um avanço ainda em 2020. O texto já passou pelas comissões, está pronto para ser votado. Do ponto de vista técnico a reforma está bem alinhada. Se houver um acordo e um encontro entre as autoridades eu acho que não tem nada para dar errado”. 

Arrepio na espinha

As idas e vindas da reforma tributária — e da agenda de reformas estruturantes, como um todo — costumam fazer preço no mercado, afinal, os investidores sabem da necessidade e aguardam ansiosos pelas soluções dos ‘nós’ que impedem o país de crescer e que limitam a produtividade das empresas. 

No entanto, um ‘fantasma’ causa arrepios na espinha dos investidores todas as vezes que o assunto é a reforma tributária – a tributação de dividendos. Uma hora ou outra a conversa sempre vai parar na questão da parcela do lucro das empresas distribuído aos acionistas, hoje livre de tributação.

A proposta atual não inclui um projeto de tributação de dividendos, mas o tema segue no horizonte dos investidores e do governo.

Segundo a assessora especial do ministro Paulo Guedes, a questão está na agenda, mas ainda depende de uma maturidade técnica para saber se o projeto deve avançar ou não, ao contrário do que acontece com a ideia da CBS. “O governo tem, sim, interesse nessa pauta, mas não quer atropelar nenhum debate que seja necessário para amadurecer esse tema com a sociedade civil.”

Em agosto, o economista Bernard Appy, um dos autores da nota técnica que serviu de inspiração para as propostas da Câmara e do Senado, afirmou que a tributação de dividendos pode ser benéfica ao mercado, dependendo do desenho proposto pelo governo. 

O melhor ainda pode estar por vir…

Não há como negar que 2020 tem sido um ano fértil para a bolsa brasileira. Com os juros baixos e o fluxo gigantesco de pessoas físicas buscando o mercado de renda variável, as companhias buscam cada vez mais a B3 para captar recursos e financiar os seus planos de expansão. 

A crise do coronavírus segurou o movimento por um tempo, com muitas companhias cancelando os seus planos ou postergando suas ofertas, mas, com o pior momento da crise superado, elas voltaram ao cronograma inicial. Neste ano até outubro, 16 empresas fizeram sua estreia na bolsa, com diversas outras já programando a estreia para os próximos meses.

A variedade de setores listados é cada vez maior e chama a atenção. Só em 2020 vimos, brechós online, birô de crédito e até fabricante de pás eólicas finalizando as suas ofertas iniciais. Com a reforma tributária, Canado aposta que uma nova onda de IPOs pode acontecer.

Segundo Vanessa, as empresas de capital aberto que já estão na bolsa devem se beneficiar da reforma com a redução do contencioso tributário (custos ligados ao tempo e os recursos necessários para se cumprir as obrigações legais tributárias) e maior segurança jurídica.

Mas elas não são as únicas. Com a melhora do ambiente de negócios, as empresas pequenas também terão mais recursos para se fortalecerem, abrindo caminho para que mais companhias recorram à bolsa. “Estamos falando não só de um giro maior da economia, mas também uma maior diversidade de investimentos por parte dos brasileiros.” 

Outra expectativa é que a reforma destrave o potencial de investimento em infraestrutura em todo o país, fortalecendo também o mercado de crédito. 

Além de citar o fortalecimento do mercado de capitais e as expectativas para o andamento da pauta, Vanessa Canado também aproveitou a entrevista para rebater algumas das críticas que permeiam a proposta do governo.

Leia a seguir as posições da assessora de Guedes sobre o percentual da alíquota do imposto que vai unificar a PIS e a Cofins, a ideia de uma nova CPMF e a falta de diálogo com os setores considerados “perdedores”:

O ministro da Economia sempre defendeu a criação de um imposto sobre movimentação digital, muito comparada à extinta CPMF. A ideia segue no radar do governo?

O ministro Paulo Guedes sempre viu e acredito que deva continuar vendo com bons olhos a criação de imposto digital sobre a movimentação financeira. De fato é uma situação política complexa, e que está muito mais nas mãos dele, com o presidente da República e com o Congresso, do que nas mãos da equipe técnica.

Diversos setores da economia se colocaram como perdedores e prometeram travar a pauta. A reforma tributária de fato terá ‘ganhadores e perdedores’?

Essa é uma discussão complicada. Ninguém, nem o governo, nem a Receita Federal, nem as consultorias econômicas ou as próprias companhias conseguem fazer uma avaliação de fato, considerando não só a conta da sua empresa, mas também os efeitos que vai ter em toda a cadeia produtiva e como toda essa cadeia vai reagir com o restante do ponto de vista econômico. Isso torna o cálculo em algo muito difícil de ser feito.

Nós temos muita heterogeneidade intrassetorial. Não é o setor de serviços que é tributado de um jeito e o setor industrial de outro. É que as empresas de lucro real são tributadas de uma forma, as de lucro presumido de outra, a do Simples de outra e temos uma integração dessas empresas dentro da economia, então é algo impossível da gente prever. Porém, todas as estimativas que temos é que todos ganham. 

Como tem sido essa conversa com os setores?

Estamos conversando incansavelmente com todos. Não houve uma demanda recusada.

Já perdi as contas de quantas reuniões, audiências e lives fizemos. O setor de serviços é muito heterogêneo nas suas demandas. Com os segmentos sensíveis [saúde, educação e transporte] temos tido tido um diálogo muito produtivo e construtivo. Agora, existem alguns representantes mais ligados às sociedades uniprofissionais [advogados ou áreas de contabilidade, por exemplo] que chegaram a assinar um manifesto, mas pouca gente interagiu conosco.

Se não existe justificativa técnica para uma diferenciação setorial e se isso é pior do ponto de vista econômico, acho que temos um impasse entre o que é o melhor para todos e o que eles imaginam que seja melhor para eles individualmente. 

Uma das críticas frequentes ao texto apresentado pelo governo é a alíquota de 12%, que estaria superestimada. Como o cálculo é justificado?

A questão dos 12% é muito mais um rearranjo em razão da cumulatividade do que um aumento de carga. Hoje, quando você cobra cumulativo e a alíquota é quase 4%, três etapas de produção já dão mais de 12%. Eu tributo a venda de insumo, depois tributo da fábrica para a distribuidora, depois da distribuidora para o varejista e do varejista para o consumidor final. Indiretamente se cobra muito mais.

Também revimos alguns privilégios e benefícios fiscais, como foi o caso das entidades sem fins lucrativos que não sejam filantrópicas. A Saúde e setor de Educação também tiveram os seus incentivos revistos para contribuírem com a carga total de tributação.

O consumidor final deve ver um aumento na carga tributária?

Existirá um equilíbrio. Não serão todos os itens que terão queda ou subida de preço. Também não existe efeito inflacionário sobre a reforma tributária. Não teremos um aumento de demanda e uma escassez de oferta [que justificaria a inflação]. O que existe é um reequilíbrio, um ajuste de preços relativos. 

Tudo depende da cesta de consumo. A baixa renda tende a ter um alívio e a alta renda, que pode consumir mais serviços, deve ter um ajuste na carga. Os alimentos se reduzem para todos, é difícil que exista um aumento exponencial e visível. 

Falando em alimentos, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) afirmou que a reforma pode levar a um aumento adicional de 1,8 ponto porcentual em 18 meses, já que haverá um custo maior de produção…

Eu acho que essa situação presente da inflação de alimentos é bastante emblemática para mostrar como na verdade o mercado reage independentemente da tributação à questão da demanda. Se tem mais demanda e menos oferta, o preço sobe. Assim como se a demanda das pessoas não se altera, não tem razão para o setor repassar a diminuição do tributo. Um estudo feito com a redução de IVA na Europa [para estimular o consumo em restaurantes] demonstrou que grande parte do valor dessa redução acabou indo para a margem dos donos dos restaurantes, uma parte muito pequena foi para os salários e quase nada foi para o consumidor final. 

Existe uma discussão sobre quem se apropria dessa desoneração. Se ela está sendo repassada para a população, quem está se beneficiando disso? Eu não quero que a alta renda, que pode pagar impostos, deixe de pagar por conta dessa desoneração.

 

Fonte: Seu Dinheiro

 

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